quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

A INJUSTIÇA DO ACRE

O Conselho Nacional de Justiça determinou a redução imediata dos salários dos desembargadores e funcionários do Tribunal de Justiça do Acre que estiverem com valor superior ao teto de R$ 22.111. O Conselho também resolveu abrir processo administrativo para apurar as razões de esses salários não terem sido reduzidos ao nível do teto.

O CNJ resolveu também a polêmica em torno do valor exato do teto salarial dos tribunais estaduais de Justiça: o teto R$ 22.111 e não R$ 24.500, valor equivalente à remuneração paga aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Acre (fotos e nomes abaixo) estão entre as 2.978 pessoas com salário acima do teto estabelecido pela Constituição, de R$ 22.111 para os Estados. Eles ganham R$ 24.500,00 por mês. O conselheiro Marcus Faver, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), disse que os membros do Judiciário estadual que receberam gratificações sem amparo na lei podem ter que devolver as quantias.

Os deputados estaduais do Acre aprovaram uma lei que concede gratificaçoes de 25% ao desembargador que preside o Tribunal de Justiça, 20% aos desembargadores quem exercem a vice-presidencia e a corregedoria, além de 15% aos que presidem câmaras de justiça.

O Judiciário do Acre abriga funcionários - não são juízes tampouco desembargadores - cujos salários ultrapassam o valor do teto constitucional. O Judiciário é o paraíso do nepotismo e da mamata neste país de 300 e tantos picaretas e milhões de banguelos analfabetos e desempregados.



Izaura Maia (presidente da Câmara Cível)


Eva Evangelista (vice-presidente)


Arquilau de Castro Melo (corregedor-geral)


Samoel Evangelista (presidente)


Francisco Praça (presidente da Câmara Criminal)

Leia mais em Última Instância, Notícias da Hora e Conselho Nacional de Justiça.

NATIMORTO



"Exumação do corpo de recém nascido morto durante parto". Mais confuso, apenas o nome do delegado: Aninanias (sic) Pereira. Veja no Acre 24 Horas.

NOBRES ACREANOS

Flaviano Melo (PMDB) e Sérgio Petecão (PMN) estão na lista dos deputados federais processados ou investigados por crime. A lista foi organizada com exclusividade pelo portal G1. Um em cada sete deputados é processado ou investigado por crime. Dos 513 eleitos, pelo menos 74 respondem a processos ou investigações criminais. O G1 pesquisou base de dados de sete tribunais federais.

FLAVIANO MELO



O ex-senador Flaviano Melo (PMDB-AC), eleito deputado federal, é processado por peculato (apropriação indevida de bens públicos) na Justiça Federal do Acre. Melo foi senador de 1991 a 1999.

A ação penal 2002.30.00.000859-4 (www.trf1.gov.br) aponta que o crime teria sido cometido quando Melo era governador, de 1987 a 1990.

Segundo a denúncia, Melo estava envolvido no desvio de US$ 2milhões por meio de contas fantasmas. Por conta do processo, o ex-governador e ex-senador já teve os sigilos bancário e fiscal quebrados.

"Motivos políticos"

Em entrevista ao G1, Melo afirmou que seu nome já tinha sido excluído do processo, mas voltou novamente "por motivos políticos". "Esse é um processo de muitos anos. Meu nome voltou quando eu disputava a eleição em 2002", disse.

Segundo ele, "muitas pessoas" estão envolvidas nessa denúncia, a maioria, "gente que era do governo".

De acordo com Flaviano Melo, a acusação é "infundada". "Tanto que meu nome já tinha sido tirado. Não tem nenhum fato novo desde então", completou.

O ex-senador prestou depoimento em agosto de 2006 e disse que aguarda que a ação seja arquivada.

SÉRGIO PETECÃO



O deputado federal eleito Petecão (PMN-AC) responde ao inquérito 2004.01.00.004937-6 (www.trf1.gov.br) no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.

No inquérito, ele aparece como indiciado juntamente com outras 11 pessoas. Não foi possível obter informações sobre o inquérito e sobre as acusações contra Petecão porque o processo corre em segredo de Justiça.

Desconhecimento

Procurado pelo G1, o deputado, cujo nome completo é Sérgio de Oliveira Cunha, afirmou desconhecer o processo e o que é investigado.

AVISO AOS CORRUPTOS

O governador Binho Marques (PT) vai instituir no Acre o pregão eletrônico para reduzir despesas e corrupção. Os editais serão publicados na internet e a competição aberta entre inúmeros fornecedores, que não têm como se conhecer mutuamente, no Brasil e até no exterior, o que praticamente elimina a possibilidade dos acertos prévios entre competidores, que viciam tantas licitações.

O Governo Federal economizou R$ 1,8 bilhão com o pregão eletrônico em 2006. O valor é a diferença de 14% entre o preço de referência - o preço máximo aceito pela administração por cada produto ou serviço - e o que efetivamente foi contratado após a disputa on-line entre os fornecedores.

O pregão eletrônico do Governo Federal funciona como um leilão reverso no qual a disputa ocorre com o envio sucessivo de lances pela internet. O vencedor é aquele que oferecer o menor preço.

No ano passado, foram adquiridos R$ 11,1 bilhões através da modalidade eletrônica - 57% do total contratado. Esse balanço confirmou a tendência verificada ao longo do ano na qual a modalidade eletrônica tornou-se a preferida pelos órgãos públicos federais em suas aquisições.

Em 2002, por exemplo, o seu desempenho significou apenas 0,8% do valor contratado. Percentual que subiu para 3,8% em 2003, 5,8% em 2004 e 20,8% em 2005. Com esses resultados, o seu crescimento acumulado em 2006 em relação ao ano de 2002 foi de 17.926%.

O tempo para selecionar o vencedor da licitação é encurtado pela metade. A ampliação do universo potencial de fornecedores, a transparência dos resultados e a impessoalidade e a automação do sistema fazem com que os leilões eletrônicos reduzam drasticamente o espaço para corrupção.

As compras por leilão eletrônico já representam 47% das aquisições do governo federal. O uso do pregão eletrônico, porém, pode vir a ser mais que uma simples forma de baratear e agilizar as compras públicas.

O leilão é regressivo, isto é, ganha quem pedir o menor preço pelos bens ou serviços. Há regras engenhosas para evitar que alguém vença com um preço alto demais num leilão com pouca disputa, ou que as sessões se arrastem indefinidamente.


Saiba mais no portal Comprasnet.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

UMA GOTA DE ESPERANÇA



Elson Martins

O coordenador de assuntos políticos Francisco Nepomuceno, o Carioca, confirmou no final da tarde de segunda-feira, na sede da Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre (Fetacre), em Rio Branco, que o governador Binho Marques (PT) anunciará seu primeiro escalão na sexta-feira.

Carioca compareceu à Fetacre representando o governador num encontro com lideranças sindicais do Vale do Acre e do Vale do Juruá. Na ocasião, os sindicalistas reconheceram que Jorge Viana fez bom governo, mas cobraram mais diálogo e atenção do novo governador.

Além de informar a data do anúncio do secretariado, Carioca falou das prioridades de Binho Marques: saúde, produção, gestão e participação popular. Disse que Binho Marques é descentralizador por excelência, por isso obteve êxito ao administrar 17 mil servidores da educação durante 12 anos de gestão, com avanço inquestionável do setor.

- Todo membro do governo que vai ter poder para resolver problemas terá que ouvir vocês. Vocês vão ter um espaço que nunca tiveram – prometeu.

No início de março, Binho Marques vai com toda equipe à Foz do Breu, no Alto Juruá, na fronteira com o Peru, para planejar ações junto aos povos da floresta. A comunidade poderá virar padrão de desenvolvimento sustentável.

- O Governo da Floresta não pode admitir secretário que nunca foi à floresta. A nova equipe começa experimentando ferroadas de pium na Foz do Breu. O pessoal que vai trabalhar com vocês tem que ser bom - disse Carioca.

Os sindicalistas criticaram membros do governo que trabalham com as comunidades produtoras agrícolas e florestais. Eles alertaram sobre a situação fundiária, que pode reacender antigos e graves conflitos no Estado.

Ficou acertado, entretanto, que, após a viagem à Foz do Breu, o governo promoverá uma ampla reunião com os sindicatos e associações para produção de um diagnóstico “que mudará o jogo na zona rural”.

A presidente da Fetacre, Maria Sebastiana Oliveira de Miranda, disse que Francisco Nepomuceno a deixou com “uma gota de esperança”.

Além do texto, a foto é de autoria do jornalista Elson Martins, "sócio" deste blog.

GOLPE DO COLUNISMO SOCIAL

Do botânico Evandro Ferreira, que curte férias em João Pessoa, no blog Ambiente Acreano:

Colunista social paraibano: não poderia ser diferente. Leiam a preciosidade que copiei de uma coluna social de um jornal local:

"Esta semana...ela trouxe à tona, mais uma vez, a sua inspiração poética através do livro "Inspirações e Devaneios", uma obra que reflete a pureza e o romantismo que prevalece em suas ações, a nobreza dos seus sentimentos e a sua necessidade perene de compartilha-los com os seus amigos."

Em outro trecho, o colunista continua:

"...percorreu os seus caminhos e se transformou na mulher plena que é hoje, atuante, vibrante, solidária e generosa, infatigável no seu desejo de servir ao próximo, de levar a sua luz a quem necessita dela."

E tem mais:

"...na realidade, é uma mulher de corpo inteiro, absoluta, consciente que nos comove todos os dias com seus gestos de carinho, com suas demonstrações de humildade e com o exemplo permanente de que o que vale mesmo não é a capa, mas o conteúdo; não é a casca, mas o fruto; não é a aparência, mas a essência"

Lendo sem saber quem ele está descrevendo, se tem a impressão de que só pode ser a Madre Teresa de Calcutá. Uma pessoa que definitivamente refletiria tudo o que está descrito acima. Como ela ja faleceu e nunca morou em João Pessoa...Quem seria a Madre Teresa Paraibana?

A resposta não é difícil de saber considerando-se que muitos colunistas sociais "adoram" enaltecer sempre certas castas sociais - algumas vezes em troca de cargos de assessoria. Já deu para adivinhar? É isso mesmo.

A personagem em questão é a esposa do presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Berenice Ribeiro Coutinho Paulo Neto, esposa do Dr. Julio Paulo Neto. O evento foi realizado - e não poderia deixar de ser, no Salão "Nobre" do Palácio da Justiça local. Para coroar a noite de gala, a homenageada ainda recebeu, das mãos do presidente da Assembléia da Paraíba, o título de "Cidadã Paraibana".

Para entender esta nota, basta dar uma rápida olhada nas colunas sociais dos jornais de Rio Branco.

No Acre não é diferente. Jornalistas e colunistas sociais atuam na imprensa como bajuladores de membros do Executivo, Judiciário, Legislativo e até do Ministério Público. Alguns conseguem a proeza de constar na folha de pagamento do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, das empresas de comunicação, e ainda recebem, por fora, da plebe.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

HAJA LEXOTAN!

O governador Binho Marques (PT) pode anunciar na sexta-feira os nomes do novo secretariado. Os secretários terão fevereiro para compor suas respectivas equipes e dar resposta à demanda reprimida desde que Jorge Viana deixou o governo.

A expectativa é grande entre quase 6 mil pessoas que ocupavam cargos comissionados, exerciam funções gratificadas ou atuavam em grupos de trabalho. A totalidade não será mais readmitida.


Ainda parece distante o sonho de o Acre suplantar o extrativismo dos cargos na máquina pública pelo extrativismo sustentado da floresta.

Mais de R$ 5 milhões deixaram de circular no Acre neste mês em decorrência do "cavalo-de-pau" que o governador Binho Marques decidiu aplicar na máquina administrativa para reduzir o inchaço com gasto de pessoal.

- Nunca vi um janeiro tão sem movimento quanto esse - disse ao blog o proprietário do motel mais chique e frequentado de Rio Branco.

Uma amiga comentou que isso até pode implicar em queda na taxa de natalidade e de gente traída, mas não livra os acreanos da forca.

O repórter César Negreiros, do jornal O Rio Branco, revelou neste final de semana que pelo menos 70% dos servidores públicos estão endividados no sistema de empréstimo consignado com desconto em folha.

E o Carnaval? Promete ser o Carnaval da Saudade, tendo o ex-governador Jorge Viana como o grande homenageado da festa.

Governo do Acre pra valer só a partir das águas de março. Haja Lexotan, sobretudo para os proprietários dos veículos de comunicação.

Binho Marques já deixou claro que não suporta ser bajulado, mas a imprensa acreana não sabe fazer outra coisa quando se trata de um governador.

Não acredito que tenhamos que conviver nos próximos quatro anos com o esquema da "matéria paga", embora seja tradição acreana usar jornais e jornalistas em sórdidas reportagens institucionais.

É quase certa a extinção da Secretaria de Comunicação, criada para concentrar uma multidão de profissionais à disposição do governador. Já era assim quando era Assessoria de Imprensa.

Todos os veículos de comunicação do Acre foram criados e são alimentados com verba pública. A corrupção chegou ao ponto de pagar rotativa de jornal com empenho da Secretaria da Fazenda.

Existe até o caso do governador que comprou uma impressora na Alemanha em nome de um "laranja". Ao ser assassinado, a viúva fracassou ao tentar reaver o patrimônio que o marido havia adquirido com verba do esquema PC Farias.

A farra com verba pública da mídia tem servido basicamente para financiar o mau gosto e a extravagância das famílias dos sócios das empresas de comunicação.

Alguns diretores já perceberam que a relação de suas empresas com o governo estadual vai mudar na gestão de Binho Marques. Um dirigente de emissora de TV aconselhou sua equipe a buscar (algo inédito no Acre) o patrocínio da iniciativa privada.

Outros veículos também já começam a refazer metas. Quem sonhava expandir terá que reduzir. As empresas podem alegar que prestam algum serviço, mas o governador já sinalizou que não será nada paternal.

Haja Lexotan!


Assistam ao vídeo no qual o jornalista Antonio Alves faz uma análise na medida da imprensa acreana.

O DONO DA BOLA

Walmir Lopes

Este caso é adaptado de um caso antigo do qual não recordo o título. Qualquer semelhança com os dias atuais não será mera coincidência. Não tenho certeza também da autoria. Provavelmente um cronista e mais provavelmente ainda Sérgio Porto, o inesquecível Stanislaw Ponte Preta, de cujas crônicas fui assíduo leitor no século passado.

De qualquer modo peço que me perdoem o autor e os leitores, se na tentativa de ser fiel ao texto original pequei por falta ou por excesso. Se não primei pela fidelidade, creditem o fato às falhas mnemônicas de um ancião de 55 anos, cabelos encanecidos pelo tempo e neurônios enlouquecidos pelo álcool, que ao postar este texto já estará certamente com 56. Mas creio que a essência da estória foi mantida.

Havia na época um deputado que, graças às traquinagens que dispensam maiores comentários, amealhou uma fortuna considerável, passando a morar em suntuoso condomínio, ao lado do qual se esparramava uma pequena favela, que supria de mão-de-obra barata as necessidades dos apartamentos de alto luxo. Na área de lazer condominial, um campo de futebol gramado, linhas caiadas, traves em madeira de lei pintada com tinta a óleo branca, redes de algodão trançadas, bola oficial de couro.

Na mini favela, um campo de terra batida, linhas traçadas com uma ripa serrada em bico de gaita e refeitas a cada dez ou quinze minutos de partida, tendo como traves cabos de vassoura chumbados com areia socada em galões de banha de 20 litros. A bola, uma meia feminina de náilon recheada de jornais velhos. Cada grupo na sua, os ricaços jogavam no condomínio, liderados pelo filho do deputado, dono da bola, motivo inquestionável para exercer a liderança. De fino trato, esbanjava saúde, mas no domínio da bola era um zero à esquerda. Absorvera do pai, através do exemplo ou dos caminhos misteriosos da hereditariedade, algumas características pouco recomendáveis ao bom convívio social. Uma delas a soberba.

No time da favela a coisa era um pouco diferente. Nivelados pela pobreza, a liderança entre eles era conquistada pela soma das qualidades individuais, entre as quais sobressaía a maior competência no trato com a bola. O líder, um menino de seus oito ou nove anos, craque inato, físico franzino, reflexo das mazelas inerentes às condições sociais precárias, ampliadas pela fragmentação familiar, onde a mãe era o único sustentáculo.

Certo dia os meninos ricos convidaram os pobres para um amistoso no condomínio. Logo no início do jogo o pelezinho da favela inaugura o placar, fazendo um gol. Na seqüência saem mais dois. O quarto gol, aos quinze do primeiro tempo, foi a gota d’água. O líder dos meninos ricos, não suportando tamanha “humilhação” infligida por aqueles filhos de “Zé ninguém” ao time do condomínio e em particular a ele, filho de um deputado, correu para a bola, agarrou-a.

- O jogo tá acabado! - decretou.

Em seguida, na tentativa de devolver a “humilhação” sofrida lealmente em campo, passa à literal humilhação verbal, utilizando para isso toda a “autoridade” que o poder econômico lhe conferia. Enquanto os vencedores pobres se encaminhavam ao portão de saída do condomínio, ele lançava flechadas verbais.

- Os pais de vocês não têm carro e o meu tem. E é importado! Tenho tênis importado e vocês não têm! Estudo em colégio particular e vocês não estudam! Tenho cavalos de raça, vocês andam em cima de pangaré!

Sem poder dar o troco diante da dura realidade daquelas afirmações, o grupo seguia, cabisbaixo e silencioso, quando chega a última seta.

- A foto do meu pai sai no jornal e a dos pais de vocês não sai!

Ao ouvir essa frase, um dos meninos se volta, já com um brilho nos olhos, enfia a mão no bolso do calção roto e retira de lá um recorte de jornal amassado com a foto de um homem algemado entre dois policiais fardados. Estufa o peito e devolve orgulhoso:

- Estás pensando que é só teu pai que é ladrão?

FERNANDO FRANÇA



Aquarela e nanquim sobre papel.

LÓGICA FUZZY

Laécio Carvalho de Barros

Prezado Altino,

li alguns comentários seus no blog da Glória Perez, autora da minissérie "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes". O que me motivou a escrever essa mensagem para você foi a curiosidade sobre o canto do uirapuru, gravado por Dalgas Frish no Acre, que, pelo que li, trata-se do Uirapuru verdadeiro. É possivel encontrar essa gravação?

Saí do Acre em 1968, com 14 anos de idade. Morava no bairro da Cadeia Velha. Sou Filho de Luciano Carneiro de Barros. Ele foi guarda e tambem delegado do 1º DP na década de 60. Tenho muitos parentes no Acre. Possivelmente você deve conhecer meu irmão, o Luis Carvalho Carneiro, funcionário da Fundação Cultural. Lembro muito bem do Colégio Acreano e do professor Raimundo Louro. Fui coroinha e lembro bem, ainda, dos padre José e Peregrino.

Sou professor livre docente da Unicamp, no Departamento de Matemática Aplicada. Trabalho com modelos de biomatemática e epidemiologia. A ferramenta matemática que tenho utilizado, além das clássicas equações diferenciais (eu sei que isso é meio técnico pra você) é a Lógica Fuzzy. Esse é um tema relativamente novo em ciências exatas, principalmente matemática.

Resumidamente, essa tal Lógica Fuzzy permite "incluir" na matemática tradicional temas subjetivos, nebulosos e imprecisos observados no nosso mundo real. Com ela, conceitos não necessariamente dicotômicos (que assumem apenas o status verdadeiro ou falso) são tratados matematicamente com o mesmo rigor que a matemátcia clássica. Do ponto de vista filosófico, é uma lógica que vai além da aristotélica, incluindo esta.

Eu tenho uma home page - na verdade, um rascunho de home page - onde aparecem [leia] algumas informações a meu respeito e meus trabalhos.

Em "publicações" aparece a capa de um livro que escrevi, em co-autoria com o professor Rodney, sobre Lógica Fuzzy e Biomatemática. É uma publicação recente e ainda precisa ser feito uma revisão geral. Na verdade isso está sendo feito. Pretendo publicar a segunda edição no fim desse ano.

Bem, moro aqui há muitos anos, porém sempre com um olho aí. Leio com alguma fequência os jornais daí. Claro que é uma leitura por alto. Apenas o que aparece na internet.

Voltei ao Acre em 1984, em 1994 e 1995. As duas últimas vezes, a convite do meu irmão, para dar uns cursos para índios e seringueiros.

Tenho acompanhado a minissérie. Gosto bastante, principalmente quando aparece a parte do seringal e imagens daquele Rio Acre que, quem um dia viu, de longe o reconhece. Ele me trás muitas recordações. Passei minha infância nele ou ao lado dele.

Por falar na minisserie, voce consegue transmitir um recado para o pessoal que a organiza? Sei que não tenho direito de me meter, mas as músicas são muito ruins. Não dizem nada a respeito de nossa região.

A de abertura é muito "chocha". Exceto a Bachiana no. 5, que não é muito a cara da região, mas intelectualmente tem algo a ver, as demais são ruins (como musicas). Além de não dizer nada sobre Acre, Amazonas, Pará.

Se querem algo palatável para o publico brasileiro em geral (não só da região), coloquem pelo menos uma Fafá de Belém cantando músicas do Waldemar Henrique, que dedicou a vida à região.

Abraços acreanos.

Caro Laécio, espero que minha resposta, com aquelas indicações, sirvam para que você possa obter a gravação do canto do Uirapuru. Esse blog tem servido para me conectar a tantos conterrâneos espalhados pelo mundo. Vivo insistindo para seu irmão Luis Carvalho colaborar, mas ele permanece arredio como bom índio branco que é. Para saber mais a respeito do doutor acreano, clique aqui.

domingo, 28 de janeiro de 2007

CHIQUINHA E CORALINA



Leila Jalul

(pra Glória Perez e Saramar Mendes)

Minha clientela, da outra esfera, não é fácil. Deixei-a de lado uns dias e já estão chegando as cobranças. Já apareceu aqui um sarará, vulgo Colorau.

- Falou do Camaleão, não é? Esqueceu de mim? - disse muito indignado.

- Acho ousadia você vir me tirar do sagrado direito de dormir. Não é assim, querido. O cavalo aqui tem outras obrigações, outros afazeres. Tenha paciência!

Fui meio indelicada com ele, eu sei, mas é outro que vou cozinhar em banho-maria. Ontem, sem ver nem pra quê, abri uma cristaleira mixuruca para achar um copo. Os de uso, de cristal pé duro, estavam todos na pia, e me deparo com uma xícara, sobrevivente única da espécie. Está velha, a faiança amarelou e está toda trincada em razão do tempo. Assim como eu. Não quebra, nem tem conserto. Tá virando papelim.

Foi esse o mote para lembrar da Dona Chiquinha Moreira, a benzedeira. Nunca esteve de todo esquecida. Cora Coralina e ela tinham semelhanças físicas e espirituais incríveis. Suas vozes pausadas e pastosas tinham sons de bondade, próprios das criaturas que nem só o tempo marcou.

Lá em Goiás Velho, na casinha da bica, tudo ficou mais claro. Tudo ficou mais acentuado. Cora e Chiquinha foram irmãs no tempo e ligadas pela ambição da simplicidade.

Cora de versos puros, em feitio de oração; Chiquinha de orações puras em feitio de poesia. Nos seus quintais as frutas do sobremesar. Em Goiás Velho, jaboticabeiras e pitangueiras, ali pertinho, era só descer a escada e apanhar. O da Chiquinha, era sortido de biribás, fruta do conde e gravioleiras. Docinhas, polpudas, daquelas que só têm graça comer se deixar a criatura se lambuzar.

Cora se projetou, encantou Drumond, conheceu outras terras e virou estrela, na melhor acepção da palavra. Minha Chiquinha, tinha cercas mais fechadas. Viveu sempre dedicada aos anjos e aos não tanto, minados pelos quebrantos, espinhelas caídas, fogos selvagens, landras, cobreiros e carnes trilhadas. Sem contar os mordidos de cobra e os pestilentos.

Galhos de vassourinha, folhas de pimenteira (se a doença fosse rebelde, usava as de malagueta), palmas de vim-de-cá, lavapés de crajirú, banhos de melão-caetano. Tudo do quintal, buscadas com cautela e oração para espantar o mal; fazer as jararacas morderem o próprio rabo e evitar o bote. Não importava o dia claro ou escurecido. Doente chegando na hora certa, lá se ia apanhar o verde apropriado, em voz alta rezando: "São Bento, água benta, Jesus Cristo no altar, o bicho que aqui tiver, afaste, eu quero passar".

De mim, reles assistente, às vezes necessitada, ela esperava o pensamento positivo, até o fechamento da cura. Me alegrava ver o menino que chegou de olho baixo, pescoço pendido, sair da reza esboçando um sorriso amarelinho, menos escangotado, deixando nas mãos enrugadas o ramo de vassourinha, murcho e quente, quase cozido. Quanto mais quente e murcho, mais valia teve a oração.

Rezas em adultos não me atraiam, por causa das pústulas, cheiros, caretas e gemidos altos. Era preciso esquentar compressas, procurar retalhos e linhas para costurar as carnes trilhadas. Pensamento positivo, tudo bem. Olhar, eram outros quinhentos. Ou virava de costas ou fechava os olhos e repetia mentalmente: "quê que eu curo? Cobreiro. Quê que eu corto? Landra". A oração da carne trilhada era bonitinha e tinha um ritual. Um pano era atado, e, ao ser costurado, ela dizia: "osso torcido, carne trilhada, agora eu coso, em nome de Deus e com a proteção de São Frutuoso".

Tinha gente que ia embora e não dizia nem um muito obrigada, que é de graça. Dinheiro, isso nunca! Rezadeira que cobra, a reza não faz efeito. E a xícara, onde entra a xícara? Bem, é que na pobreza francisquinha, casa coberta de cavaco, sem cama, copos de latas de Leite Condensado, havia, só para destoar, um completo dessa louça originária da dinastia Ming.

Cora nos legou a riqueza de seus poemas; Chiquinha, um rastro de luz. Juntas, a beleza do ser simples e a importância de um lenitivo.

Lígia Jezierski, irmã de Leila, tirou a foto da xícara.

sábado, 27 de janeiro de 2007

PF INVADE CAMPUS DA UFAC

Assista com exclusividade ao vídeo que mostra a ação da Polícia Federal no campus da Universidade Federal do Acre para fechamento da Rádio Livre Filha da Muda. O Conselho Universitário, órgão deliberativo máximo da instituição, divulgou nota na qual repudia a intervenção policial do espaço acadêmico.

No vídeo, antes da apreensão dos equipamentos, os policiais permitem que o professor Gerson Albuquerque se dirija aos ouvintes em defesa da liberdade de expressão. A ação policial foi determinada pelo juiz federal Alysson Maia Fontenele. O vídeo é de autoria de Talita Oliveira, com edição de Ricardo Padula.




Clique aqui para conferir mais textos, vídeos e fotos a respeito da Rádio Livre Filha da Muda.

NOTA DE REPÚDIO

A Rádio Filha da Muda e o Conselho Universitário da Universidade Federal do Acre, órgão deliberativo máximo da instituição, vêm a público repudiar a intervenção em seu espaço acadêmico ocorrido no dia 26 de janeiro de 2007, pela Polícia Federal, sob a determinação de um mandado judicial de busca e apreensão de equipamentos de uso exclusivo da Rádio Livre Filha da Muda, que opera na freqüência 105,7, com transmissor devidamente registrado pelo produtor junto à Anatel.

O mandado de segurança é um instrumento conquistado pela luta da sociedade civil organizada nos momentos de ditadura vividos nas últimas décadas, e hoje é usado, sob vários pretextos, contra a sociedade que o conquistou.

É nosso dever não nos esquecermos jamais de que foi pela falta de liberdade de expressão que se constituiu o ambiente favorável ao golpe de 1964.

Esse mesmo instrumento conquistado pelo movimento democrático do Estado de Direito está, hoje, e neste caso, a serviço das forças reacionárias que não têm outro objetivo senão impedir as condições de acesso a informações livremente elaboradas pelos movimentos populares, como ocorre na Rádio Filha da Muda, meio de comunicação norteado pelo conceito de microfone livre para a manifestação de qualquer membro da sociedade.

Corremos o risco de reviver o passado, calando politicamente os movimentos sociais em nome de razões meramente técnicas. O Estado, por força do poder do capital, opera garantindo direito às grandes corporações e impede, por determinação judicial, a liberdade de expressão das minorias, justamente aquelas que não têm acesso ao poder monopolista do grande capital.

Cabe a pergunta: de fato essa rádio ameaçava à segurança dos sistemas de comunicação formalmente instituídos que se utilizam dessa modalidade de comunicação? Existe algum laudo técnico pericial devidamente capaz de demonstrar que a Rádio Livre Filha da Muda estivesse interferindo nos demais meios de comunicação?

Sem essas respostas, só podemos deduzir que essa atitude é arbitrária e que só encontra justificativa num estado de opressão, medo e terror imposto pelos que detêm o poder aos que lutam pelas liberdades individuais e coletivas.

O Conselho Universitário alerta que, sob o pressuposto de razões de ordem técnica, que precisam ser apuradas, retiram-se direitos duramente conquistados pelas lutas democráticas nas últimas décadas.

Este Conselho repudia e se manifesta frontalmente contra essa decisão, apelando para a consciência de todos aqueles que defendem um estado democrático, verdadeiramente livre e socialmente justo.

O ACRE É LOGO ALI

Oi, Altino.

Tudo bem?
Mando-lhe o copião eletrônico do último Jornal Pessoal, no qual faço referência ao seu blog.

Um abraço,

Lúcio Flávio Pinto

O artigo que escrevi na edição passada sobre “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes”, a nova minissérie da TV Globo, reproduzido no blog do jornalista acreano Altino Machado, acabou repercutindo no mundo virtual. Talvez se possa aproveitar o enredo global para que os brasileiros, os amazônidas e os paraenses conheçam melhor a história e a realidade do Acre. E os próprios acreanos também se dêem conta da sua situação. Por isso, reproduzo algumas manifestações postadas no blog de Altino, que, ao reproduzir o artigo do Jornal Pessoal, observou: “Com certeza não é o caso do jornalista, mas muitos paraenses estão inconformados porque o Pará não é retratado com destaque na minissérie Amazônia”.

Claro que há por aqui pessoas com tal sentimento, mas não é o dominante. E, acho, sequer tem maior expressão entre os mais interessados no tema. Passando bem acima de bairrismos e visões estreitas, deve-se buscar uma compreensão mais ampla e lançar pontes ao entendimento regional comum e solidário. Ao contrário do que disse Altino, o que se observa por aqui não é propriamente despeito ou inveja: infelizmente, é indiferença.

Dani Franco (Paraense e jornalista) – Altino, assim como sou sua leitora assídua, também o sou de Lúcio Flávio Pinto, e como ambos, também sou jornalista. Como você mesmo disse, não se trata do caso do Lúcio Flávio, e nem o meu, achar que o Pará é quem deveria ser retrado numa produção da Globo. O que acredito – e já te disse isto antes – é que o maior problema não só dos paraenses, mas do resto do país é de não conhecer a história do Acre.

Lembro que na matéria da 1a edição da Rolling Stone Brasil, havia uma especulação sobre o governo do PT do Acre ter investido uma boa verba na mini-série mais cara da Globo. Então, para nós que estamos de fora, e jornalistas que somos, não fica difícil unir alguns pontos e – sem ter o conhecimento que os acreanos detêm sobre sua própria história – concluir que a mediação Global na retratação do Acre possa fugir de fatos importantes para dar destaques a alegorias glamourosas...

Silvana de Faria – Altino: leio seu blog quase todos os dias porque é uma delícia e porque você é minha ligação com o que se passa no Acre e lhe dou crédito, como sou uma apreciadora do trabalho e competencia do jornalista Lúcio Flávio Pinto. Não somente respeito a opinião dele como concordo. Mas aí que tá: “Padrão Global” é o que o brasileiro consome todos os dias dentro e fora da “Amazônia” da novelista Glória Perez. Mas e daí? Como ele mesmo afirma, é pura ficção. Pena que nem todos os brasileiros saibam fazer a diferença... Descrever um Brasil “moderno”? Claro que tem que ter o "Padrão Global...
E voltando ao paraenses. Também acompanho vários jornais de Belém online. Não pressenti nenhum “despeito” da parte dos paraenses. Ao contrário: outro dia lí numa coluna de "O Liberal" que Belém iria ser citada em alguns capítulos e havia tom de orgulho nisso. Converso com amigos e famíliares, trocamos email, também não senti nenhum “despeito”. Minha opinião – e ela somente retrata o que eu conheço: o paraense é 'barrista' demais para se incomodar com o que se passa na casa do vizinho e sobretudo Belém é uma grande metrópole. Existe uma infra-estrutura capaz de receber produções cinematográficas de origem nacional e internacional. O resultado é que muitos filmes já foram rodados lá... Se Belém não é retratada na “Amazônia” (por opção dos que a realizaram) é uma pena. Afinal, Belém (e o Pará) e os paraenses fora do contexto histórico do Acre (e da Amazônia), é tremendo lapso.

Altino Machado – Silvana, li queixas incisivas no blog da Glória Perez e no Orkut. Ainda estão lá as reclamações dos paraenses. Mas isso é bobagem.


Silvana – Não li o blog da Perez... Não dá pra ler tudo, né?



Observatório

Sobre o mesmo artigo, duas pessoas se manifestaram no site do Observatório da Imprensa.

Maria Catarina E. S. Lima, estudante de administração, Recife (Pernambuco) – Nossa! Tem ainda alguém que duvide que algo na Globo é realmente retrato da realidade!? Que inocência desses que acreditam naum!?

Rodrigo Dias, biólogo, Manaus (Amazonas) – A questão é que em boa parte do interior da Amazônia não faria a menor diferença qual país fosse o “dono” da terra. Falar-se-ia espanhol como português, como se fala nhengatú e tantas outras línguas indígenas (ainda). Em Manaus é comum dizer “lá no Brasil”, referindo-se ao que acontece na TV, que apenas espelha o sudeste. Na contracapa da revista Caros Amigos vi várias propagandas de um festival “nacional” de cultura da Caixa Econômica Federal, que, como sempre, tinha atividades apenas de Salvador e Brasília para baixo. E da Rede Globo, o que podemos esperar? Ainda mais depois de um ator global (não lembro quem), dando entrevista para o Vídeo Show, congratular o povo acreano pelo “orgulho e felicidade que eles tiveram ao poderem considerar-se, definitivamente, brasileiros”. Fala sério!

O jornalista Lúcio Flávio Pinto é o próprio Jornal Pessoal, que existe há 20 anos e está em sua 384ª edição. Circula quinzenalmente em Belém (PA) e custa R$ 3,00.

MACONHA NO XIPAMANU

Edson Carneiro

Ano de 1992, sexta-feira quente como sempre, e eu na Secretaria da Fazenda dando parecer em processos tributários administrativos, coisa que aprendi com Elzo Rodrigues, Etevaldo Gouveia, Edilson Alexandre Pinto e tantos outros. Desde cedo, Etevaldo discorria sobre os limites do Acre com a Bolívia. Pense num cara para saber tanto sobre nossos limites territoriais. Para conhecer "in loco" não tive oportunidade de conhecer outro, embora meu pai, Pedro Sipitiba, soubesse bastante, mas não conversava comigo, como o Etevaldo. As horas passavam, e o Etevaldo, pedia a minha atenção.

- Olha, o igarapé Rapirrã nasce perto de Capixaba, corre no sentido longitudinal ao da estrada de Plácido de Castro, que foi planejada pelo coronel Aguirre. Já notou que quase não há pontes nas estradas que ele planejou? Plácido de Castro, Porto Acre, Xapuri e Brasiléia, muita curvas, é certo. Com trajeto sobre o divisor de águas, mas essas correm para direita e para a esquerda, nunca atravessando a pista.

Devo confessar que ouvia pela consideração e respeito que o Etevaldo faz e fez por merecer, mas não via a hora de terminar o expediente para ir almoçar. Mas, à tarde, quando voltei, mais aulas.

- Edson o rio Xipamanu é o mesmo Rio Abunã. Quando chega a Capixaba tem uma curva à direita, o que o faz se desviar do curso do Rapirrã e correrem paralelos até se encontrarem na cidade de Plácido de Castro. Existe também o rio Ina, que corre de dentro da Bolívia, sendo Brasil quando chega na antiga estrada de Xapuri, e logo em seguida deságua no Xipamanu. A margem direita do Xipamanu é Bolívia, a esquerda consequentemente é Brasil...

E eu ouvindo com todo o respeito e consideração, mas não vislumbrava utilidade prática alguma naquela aula de história, contada por uma autoridade no assunto. Saí da secretaria às 17 horas e fui para a casa do Seu Nelson, pai do Ronivon, jogar dominó e beber cervejas. Naquele tempo eu ainda gostava de bebida alccólica. Hoje, não mais, mas sem execrar quem gosta.

Na tarde de sábado, ainda de ressaca, aparece um cliente querendo que eu o acompanhasse até a comarca de Xapuri para defendê-lo em processo criminal pois fora enquadraddo na Lei de Tóxicos. A audiência seria na segunda-feira. Ainda hesitei porque não conhecia o processo e encarar de sopetão uma audiência de instrução e julgamento não é fácil.

Após tanta insistência, concordei e acertamos a ida para domingo, às 8 horas da manhã. O cliente alugou um táxi e fomos tomando todas. Ao chegar na Fazenda Araxá, soubemos que o Airton Sena havia batido o carro e ido para o hospital. Ficamos tristes. Para acalmar os nervos, tomamos outras. Ao chegar a Xapuri soubemos que o herói estava morto.

De manhã cedo, a boca seca, os olhos vermelhos, numa pensão cujo banheiro era nos fundos. O maior sufoco para tomar banho sem molhar a toalha e nem pegar uma surra de jiquitaia.

- Edson, ainda são 5 horas da manhã. Vamos dormir mais um pouco - sugeriu o cliente.

Ao lembar da minha missão, perguntei onde ele fora preso. E ele respondeu que tinha sido do outro lado do rio Xipamanu. Bem na beira do rio? E então ele revelou que estava a uns cinco quilometros para dentro, na Bolivia. No mesmo instante a aula do Etevaldo me veio a memória e comecei a imaginar que a defesa do cliente seria moleza.

Cheguei ao fórum às 7 horas, entrei junto com o escrivão, pedi o processo, que era imenso, com quase 1.000 folhas. E eu usando a leitura dinâmica, devorava o monstro freneticamente, anotando os pontos de destaque, documentos juntados pelo advogado anterior, documentos do serviço de combate à malária da Bolivia encontrados na casa onde o meu cliente foi preso, depoimento dos agentes da Polícia Federaal etc.

Chegam o juiz e o promotor, a audiência atrasou, como sempre, mas começou às 9h30. A testemunha respondia às perguntas e eu atento vendo que nenhuma ainda chegara ao meu raciocínio. Na minha vez, bastou apenas perguntar se a margem direita do Xipamanu era Brasil.

- Doutor, muito me admira que o senhor não saiba que a margem direita do Xipamanu é Bolivia - respondeu a testemunha com desprezo e espanto.

Os policiais haviam afirmado que atravessaram o rio e andaram ainda uma hora para destruir a plantação de maconha. Haviam violado um principio básico da soberania, respeitada entre países limítrofes. Pedi ao juiz para interromper a audiencia, com a aquiescência do promotor, e lhes fiz ver que aquele caso poderia se enquadrar no princípio da extaterritorialidade da lei penal se o delito tivesse sido reprimido pela polícia boliviana.

O processo foi desaforado para Rio Branco, com o conhecimento de limites do Etevaldo, cuja lição intensiva aprendi num dia. Se o meu cliente foi condenado? Aí é outra história.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

RÁDIO MUDA

A Polícia Federal apreendeu hoje os equipamentos da rádio livre Filha da Muda, que funcionava no campus da Universidade Federal do Acre. A ação policial foi determinada pelo juiz juiz federal Alysson Maia Fontenele. A emissora apresentava uma programação da qual participavam dezenas de estudantes. De acordo com a ordem judicial, a freqüência da Filha da Muda interferia na freqüência de radiopatrulhas e ambulâncias. A interferência foi confirmada pela delegacia estadual da Agência Nacional de Telecomunicações, que pediu o fechamento da emissora à Justiça Federal.

- Levaram equipamentos de áudio, microfones e até os computadores, o que é um absurdo. Os computadores são particulares, não pertencem ao patrimônio da rádio Filha da Muda e por isso ninguém poderia levá-los. Além do mais, não mostraram laudos técnicos, só alegações vazias, sem qualquer comprovação. Mas isso não vai ficar assim - disse a universiatária Raquel Ishii, uma das locutoras da rádio. Os alunos do Movimento pelo Passe Livre (MPL) estão organizando protestos.

Clique aqui para ler reportagem deste blog sobre a Rádio Livre Filha da Muda. Colaborou o repórter Josafá Batista.

COMIGO NÃO, VIOLÃO!

Leila Jalul

Quando ainda gente, minha paixão era a música. A paixão ainda existe. Em menor escala, mas existe. Eu que deixei de ser gente.

Decorava letras de velhas e novas canções, com a maior facilidade do mundo. Em espanhol, em latim, em francês, italiano, e em português. Quanto mais velhas, mais eu lembrava.

E assim, não era raro vir o padre me pedir para cantar, em latim, um trecho de encomenda de defunto rico. “Quando coeli movedi sunt et terra...”

Atendia, com a maior satisfação. Não pelo defunto, mas pela música. E transitava livremente pelo Tantum Ergo Sacramentum até Espinita, de Une Mèche de Cheveux até Bocca di Rosa, numa pernada só.

Ocorre é que tem gente que não sabe o que é bom senso, nem entende nada de sentimentos. Gosta mesmo é de tripudiar.

Me procura um cara, cantador, seresteiro, metido a imitar Frank Sinatra. Fazia muito tempo que estava de olho nele. Na minha cabeça passava que, se namorássemos, juntaríamos a fome com a vontade de comer música.

Tudo errado. O cara queria era mostrar seus acordes para a Islene, uma boneca mignon, linda. Boneca linda, daquelas que não se desarrumava nunca, não se despenteava nunca. Olhos de azeviche.

A intenção dele era copiar a letra de uma antiga valsa que dizia: "...eu vi, numa vitrine de cristal, sobre um soberbo pedestal, uma boneca encantadora".

Até aí tudo bem. Cabia certinho. Mas, continuava: "...seu cabelo tinha a cor do sol a irradiar fulgor, raios de amor, seus olhos eram circunvagos no romantismo azul dos lagos, mãos liriais, pés divinais", e por aí vai.

Até esse momento, ensinei a letra e a melodia.

- Peraí, cara, larga de ser ridículo. O cabelo da Islene é preto que nem a asa da graúna. Canta outra. Canta Marina, canta morena dos olhos d’água, canta qualquer outra coisa que pareça com ela.

O ciúme tomou conta de mim. Teve lágrimas, um acerto de contas de dois longos anos de paixão recolhida. Naquele dia, pelo menos naquele dia, a noite foi nossa, só nossa e de mais ninguém.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

CRISTÃOS ESTELIONATÁRIOS

Fátima Almeida

Sou da opinião que quanto mais feriados melhor! O artigo do pastor publicado neste blog [leia] é uma defesa impressionante da classe rica. Isso porque os feriados não trazem prejuízo nenhum à nação brasileira. Eles apenas diminuem a expectativa de lucro dos banqueiros, industriais e lojistas. É durante os feriados que os trabalhadores descansam, ficam perto dos filhos e têm lazer.

Os trabalhadores ganham com os feriados, os patrões perdem. Tudo que existe de vultuoso, de aparentemente próspero, é em benefício da classe rica. Os assalariados é que sustentam tudo. E o pastor está desatualizado, pois os Supermercados Araújo só liberam seus trabalhadores por um único dia no ano. O Dia de Finados, o Dia de Todos os Santos, feriados que eram sagrados, não são mais respeitados por eles.

Sobre a separação entre Igreja e Estado ter sido feita por “evangélicos históricos”, me causou um susto tremendo, pois nunca li nada sobre isso. Até onde sei essa separação foi movida pelo iluminismo francês a serviço da ascensão da burguesia. O interesse subjacente era óbvio, o confisco das terras da Igreja. A Igreja Anglicana foi criada pelo rei inglês pelas mesmas razões: confiscar as terras da Igreja, vendê-las para empresários e desse modo nutrir os cofres da Coroa, o que realmente aconteceu. Calvino promoveu uma ruptura no aspecto da ética e da moral.

A Igreja não se uniu ao Império Romano, mas este se submeteu ao cristianismo que se tornara a religião das massas suplantando o paganismo. Caiu Júpiter, caiu Marte, e ascendeu Jesus Cristo, graças, também, ao empenho do intelectual Paulo, que se ocupou, por sua vez, em suplantar a filosofia grega, pagã.

O autor do artigo pode vociferar à vontade até à exaustão, mas não conseguirá eliminar o Círio de Nazaré, por exemplo. Os feriados católicos constituem a essência da cultura popular, a identidade do povo brasileiro, mexicano, enfim, de todos colonizados pelas coroas ibéricas. Ele pretende mudar isso como? E o turismo? Já faz uma dezena de anos que o turismo religioso constitui uma verdadeira indústria.

Faça-se uma consulta de ordem econômica em Xapuri, por exemplo, no Dia de São Sebastião, junto a hotéis, restaurantes, lojas, empresas de transporte para verificar o montante de dinheiro que circula e entra nos cofres do município e dos particulares. A sociedade e a cultura brasileiras são completamente estruturadas pelo catolicismo. Um dos pilares da monarquia ruiu exatamente quando o monarca mandou prender os bispos leais a Roma. Até o Santo Daime é católico. E o espiritismo de Alan Kardec, apesar de ser um misto de cientificismo do século XIX com o hinduísmo, tem na sua base o Evangelho, a caridade, a prece, todo um parentesco com o catolicismo popular.

O feriado recente, dedicado aos evangélicos, é resultado de um enorme crescimento que vem acontecendo por parte das igrejas evangélicas, que são altamente organizadas, que têm, inclusive, concessão de canal de televisão e caminham para uma hegemonia religiosa no Acre. O próprio PT, que chegou ao poder com apoio da Igreja Católica, de suas pastorais, de seus missionários, ficou sem pernas quando o bispo que coordenava todo esse processo foi retirado do Acre. E foi aí que o PT partiu para alianças com os pastores evangélicos.

Hoje são eles que detêm maior poder no Acre pela enorme quantidade de votos que estão sob seu controle. Esse movimento é histórico! Será que eles vão conseguir fazer o próximo governo? E comandar todos os negócios do governo acreano? Nenhum deputado seria louco de ir contra isso - a raposa quer galinhas para comer, não está interessada se tem penas pretas, brancas ou amarelas.

Se for preciso ficar por duas horas, sentada, ouvindo sermão de pastor e comentários sobre a bíblia, a raposa fica. Só espero que o Acre não se transforme de forma tão irresponsável numa segunda Jerusalém. Se isso acontecer fico com os palestinos. A maioria dos cristãos não passam de estelionatários. usam o nome de Jesus para fazer exatamente tudo aquilo que ele rejeitava e negava.


Fátima Almeida é historiadora acreana.

ADIADO ZEE DO ACRE

Notas sobre o Acre da seção Salada Verde do site O Eco:

Agora não
O governo do Acre adiou o lançamento de seu Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). Segundo a explicação oficial, o governador Binho Marques (PT) teve um conflito de agendas. Extra-oficialmente, ele quer conhecer melhor o plano, cozinhado no governo de seu antecessor, antes de sancioná-lo.

Reação
A fase final do ZEE do Acre foi fechada nos últimos meses do mandato de Jorge Viana (PT) e levada à Assembléia Legislativa para aprovação em dezembro passado. Os ruralistas nunca gostaram do plano original. Mas conseguiram, na última hora segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Doca Veronez, convencer o governo a permitir a produção em terras que seriam destinadas à conservação.

Percentuais
As últimas versões do macrozoneamento do Acre separaram 49% do território estadual para uma "zona de uso sustentável dos recursos naturais e proteção do meio ambiente". Não se sabe ainda quanto disso será destinado à áreas de proteção integral. À zona para agropecuária cobre com 24% da extensão do estado. Outros 26,2%, nessas versões preliminares, estavam sem destinação específica.

Liberou
O novo zoneamento do Acre pode muito bem ter um duplo sentido. Afinal, ele prevê um presente para quem aderiu a notória bagunca nacional e mandou para o chão as matas de sua reserva legal. Assim como aconteceu em Rondônia, para "fins de recuperação", o proprietário pode manter uma reserva de 50% e não estar irregular, desde que comprove que está fazendo a recomposição florestal. O diacho é fiscalizar isso.

UMA OUTRA MARINA

Carolina Elia

Marina Silva, que andava muito quieta, falou duro na cerimônia de lançamento dos mapas temáticos da Amazônia Legal no IBGE, no centro do Rio, nesta quinta-feira. Com expressão séria e tom de voz bem menos suave que o habitual, a ministra do Meio Ambiente disse que está na hora de se pensar em termos éticos o que nós queremos em relação ao imenso patrimônio nacional que representa a Amazônia, um bem de todo o planeta. E afirmou que é necessário pensar a sua preservação, porque ela deve fazer parte da equação sobre o desenvolvimento social e econômico do país. Mas não ficou só nisso.

A ministra, sem dizer se se tratava de um recado a pares seus em Brasília, disse que político com “p” maiúsculo não pensa em apenas garantir sua popularidade eleitoral. Contou também que não se sentiu mal em ver sua área atacada por gente do governo, presidente Lula à frente, porque isso deixou à mostra as óbvias tensões que existem entre meio ambiente e desenvolvimentistas logo no início do segundo mandato. A discussão, segundo ela, forçou a sociedade a tomar uma posição e mandar um recado aos dirigentes do país de que eles estão no seu comando para trazer prosperidade, mas também para proteger o que lhe sobra de natureza.

Marina aproveitou a presença de coordenadores e diretores do IBGE para agradecer o apoio que recebeu de instituições públicas de pesquisa durante os seus quatro anos no Ministério do Meio Ambiente. “ Em momentos difíceis da aprovação do Projeto de Lei da Mata Atlântica, o IBGE veio ao nosso socorro, com provas para os deputados que diziam que não existiam dados que comprovassem o que estávamos defendendo”. Deixou claro que as informações técnicas têm sido o seu melhor alíbi para enfrentar as frituras e armadilhas políticas as quais é submetida e lembrou que a participação do INPE na medição do desmatamento da Amazônia ajudou a dar transparência aos números oficiais.

Aos ser perguntada especificamente sobre o PAC, disse que o plano é um conjunto de obras propostas por diferentes governos e que acontece em um momento onde o país está mais preparado para conter seus impactos ambientais. “A realidade agora é bem diferente”, afirmou. E lembrou que antes o Brasil não tinha a lei de Gestão de Florestas Públicas, a quantidade de unidades de conservação na Amazônia que existe hoje, o acompanhamento em tempo real do desmatamento da floresta, um programa de ordenamento fundiário da região, entre outras medidas. “ O que será feito terá que obedecer a legislação ambiental, que não sofreu mudanças”, pontuou.

Carolina Elia é repórter do site O Eco.

ACRE ANTIGO





No alto, em Rio Branco, a catedral Nossa Senhora de Nazaré em construção; abaixo, colono exibe hortaliça.

SOCORRO

Aviso ao primeiro mundo: no centro cirúrgico do Pronto Socorro de Rio Branco, precisamente na laje do corredor de acesso à sala de cirurgia, existe uma fenda por onde tem descido as águas das chuvas desse inverno amazônico.

A situação tem causado sérios transtornos aos médicos e seus pacientes.
Se a Vigilância Sanitária do Acre ou o Centro de Controle de Infecção Hospitalar realmente funcionassem, o centro cirúrgico já teria sido interditado há meses.

Impressiona o fato de que o PS é o prédio público com mais horas de reformas entre todos os governos do Acre.

A LATA DE NESTON

Edson Carneiro

Gabriel Garcia Márquez retrata em Cem Anos de Solidão uma cidade imaginária onde as novidades chegam num ritmo lento, mas sempre inexorável. Aqui em Rio Branco não poderia ser de outra maneira. Ou será que os acontecimentos narrados pelo escritor colombiano se restringiriam à sua Macondo? Não, claro que não.

O assunto da moda é a tal busca do corpo perfeito para as passarelas. Algumas mulheres chegam ao cúmulo de provocar vômito após se empanturrarem de quitutes. Outras, tendo a tal da anorexia, que já levou algumas à morte. Em Rio Branco, na década de 60, acreditem, a moda era ser gordo, especialmente as mulheres. Gosto não se discute, lamenta-se, costuma dizer meu compadre Gilvan Almeida.

Assim como em Macondo, as novidades aqui chegavam lenta e gradualmente. Para se firmarem precisavam de ajustes. Drogaria se instalava perto de consultório médico e as receitas eram direcionadas ao estabelecimento. Não existia laboratório de análises clínicas. O governo mantinha um, mas era de uma lentidão exasperante para entregar apenas exame de raio-x.

Até que certo dia apareceu por aqui a bioquímica Rosa Quiroga. Ela se estabeleceu no Edifício Abrahim com um laboratório moderno, segundo diz a publicidade. Com a ajuda de um médido, foi criada a situação onde as pessoas necessitavam de exames mais acurados, especialmente de sangue e de fezes.

O passo seguinte era receitar a combinação milagrosa para os pacientes engordarem – Rarical e Postafen. Não havia um cristão que não engordasse. Apenas o Weber Taumaturgo não conseguiu, talvez pelo calibre espartano de seus irmãos e irmãs. Coisa da genética, sei lá.

O resultado do exame de fezes sempre apontava o paciente com ascaris, ameba, trichiurus e tantas outras parasitas que só não derrubavam a pessoa de vez porque o médico garantia que o tratamento seria rápido e não implicaria na inibição da engorda.

Todos ficavam contentes. As mulheres, gordas, com bundas e peitos por acolá. No entanto, o Capitão Derei, de saudosa memória, ficou matutando como desmascarar aquele laboratório, que tratava os acreanos como um bando de matutos do tempo do Jeca Tatu.

Derei foi ao médico e disse que também queria engordar.

- Mas meu rapaz, você é forte tal qual um touro, não precisa engordar - ponderou o médico.

- Doutor eu quero ficar um tora - replicou Derei.

Naquele tempo, tora significava o sarado da atualidade.
O médico, que já havia recebido a honra da consulta antecipadamente, após muita relutância concordou em expedir o pedido de exames.

E Derei seguiu no dia seguinte para o laboratório com uma lata de Neston cheia de material. A atendente torceu o nariz para aquela demonstração de ignorância, embora naquele tempo não existissem os modernos coletores de plástico. Cada um se virava como podia no acondicionamento, sendo a caixa de fósforo a embalagem mais comum.


Três dias depois, de ressaca, lá estava, na porta do laboratório, o Capitão Derei, perguntando com a voz pastosa e anasalada pelo resultado do exame. A moça lhe entregou o envelope e recomendou que fosse logo ao médico.

- Eu quero saber o resultado agora - insistiu.

A coitada da atendente, diante daquele cidadão forte, bigodudo, com cara de mau, abriu o envelope e disse:


- O senhor tem...

- O negócio é o seguinte, cumadi: agora eu quero o restante do material.

A moça mais uma vez torceu o nariz com incontido nojo. Ao receber a lata de Neston, Derei tirou uma colher do bolso da calça Brim Coringa (te mete!). Aberta a lata, passou a comer vorazmente o material. Foi uma confusão enorme. A atendente começou a gritar e a vomitar. A bioquímica Rosa Qurioga aparece e pergunta o que se passava - era boliviana, salvo engano. Quando viu o cliente de boca cheia, devorando o material da lata, também começou a vomitar.

- Cumadi, isso aqui é doce de mamão do bom, feito com castanha e gramixó.

A partir daquele dia o laboratório faliu.

Edson Carneiro é advogado acreano.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

NO PANTEÃO DA PÁTRIA



Cerca de 200 pessoas estiveram presentes na abertura da exposição "Plácido de Castro", no Panteão da Pátria, em Brasília. A autora da minissérie "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes", Glória Perez, enfatizou a importância de colocar o Acre no nível dos demais estados brasileiros.

- A história do Acre, que nunca foi contada nos livros escolares, precisa de atenção urgente - disse a escritora.

Glória Perez recebeu do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, uma placa com a seguinte mensagem:

"À escritora e dramaturga Glória Perez que – a exemplo de Brasília – revela em sua obra criatividade, esperança e reverência à História do Brasil, o reconhecimento do Governo do Distrito Federal".

Nomes como Jarbas Passarinho, Océlio Medeiros, o vice-governador do Acre, César Messias, e o desembargador Romeu Jobim (este representando a família do homenageado) estiveram por lá. Acreanos ilustres foram lembrados – João Donato, Armando Nogueira, Adib Jatene e Chico Mendes.

O vice-governador do Acre, César Messias, contou que a população do Estado está ligada na minissérie.

- Como o nosso fuso horário é de três horas de diferença – a menos – o povo pára às sete da noite para ficar em frente à TV.

Em 24 de janeiro de 1903, há 104 anos, as tropas bolivianas se rendiam a Plácido de Castro. Derrotadas no campo de batalha, seu comandante, Dom Lino Romero, foi levado a cumprir o então "Código de Honra dos Guerreiros", pelo qual os vencidos guardam sua bandeira nacional e o comandante militar das tropas entrega sua espada ao vencedor.

Já investido ali na figura do derrotado, Dom Romero desembainha sua espada. Inesperadamente é interrompido por Plácido de Castro. Num gesto de altivez, nosso herói se dirige ao militar capitulado com firmeza:

- Recuso-me a aceitar a consumação desta praxe. Não confortaria nossos corações receber as armas com as quais, bravamente, nos hostilizaram e arrancaram a vida de tantos companheiros. Seria um ato que aumentaria o infortúnio daqueles já infortunados pela derrota.

E finalizou:

- Lutamos aqui somente pela emancipação do Acre - estado ameaçado por uma organização de capitalistas estrangeiros - e não contra a Bolívia, pátria digna e honrada. Guardai vossa espada.

O governador José Roberto Arruda assinalou que Plácido de Castro nos deixou um legado de brasilidade.

- Mais: acendeu a chama patriótica e o caráter cívico de toda uma região.

Na foto, o secretário de Cultura Silvestre Gorgulho, José Roberto Arruda e Glória Perez folheiam o Livro de Aço dos Heróis Brasileiros entronizados no Panteão da Pátria.

QUEM MATARÁ QUEM?

Leila Jalul

A Lei Maria da Penha se aplica à Juliete? Vamos ver o caso, aí a gente pensa melhor. Responder sim, de sopetão, não vale. Responder que não, de chofre, também não vale. O caso do Seu Fausto, a quem não conheço, senão por informações, me chamou a atenção, diante dos possíveis erros da interpretação das leis ao pé da letra.

Seu Fausto está sendo encaminhado ao presídio por ter reagido com uns tapas à agressão de Juliete, sua enteada. Seu Fausto é portador de febre reumática, mesmo assim trabalha perto da delegacia do 1ºDP. É pacato, não bebe e tem cara de lezão. Juliete, a enteada, vive no mundo da prostituição e da droga. Nada disso tem relevância. É, nada mais, nada menos, uma história simples, de gente simples e conflitada nos próprios direitos individuais.

Mas a lei da boa convivência exige regras, coisas nas quais Juliete não se liga, porquanto a droga não a deixa lúcida por muito tempo. Chamada à responsabilidade, Juliete pega uma faca e parte para cima do Fausto. Este, com medo de morrer, fica bravo, toma a faça e dá uns sopapos na Juliete.

E daí? Faustão é que nem Antonio do Santa Inês - aquele que pipinou a mulher até lhe retirar a última gota de sangue? É como aquele outro, que ficou no veneno porque a criança chorava e a mulher, ainda de resguardo, não podia lhe servir direito? A mulher “quebrou o resguardo”, teve hemorragia diante dos seus olhos até Deus ter piedade e levar. É como seu Trambuco, que colocou pimenta malagueta no peito e na mamadeira do bebê, para não dividir com ele os seios fartos da mulher parida?

Não, não é. Fausto é daqueles que é mais fácil apanhar do que bater. Entendo a luta das organizações sociais que partem em defesa da mulher. Os agressores, sem exceção, devem ser punidos, desde que se saiba separar Maria da Penha de Juliete, que, segundo consta, é o diabo em figura de gente.

A lei deve ser genérica, sim. As campanhas educativas, também, mormente aquelas que se aplicam ao gênero humano. Só como ilustração, lembrei de uma prova do doutor Jader Barros Eiras, que questionava os alunos sobre se o Código Penal apenava, de forma distinta, homens e mulheres. A quase totalidade veio com aquela máxima de que todos são iguais perante a lei. Nessa eu me dei bem, pois, nunca vi, nem ouvi falar de homem que praticasse aborto em si próprio.

Agora chega de atalhos. O que quero dizer é que a Lei Maria da Penha se impôs diante da emergência. E veio tarde! No entanto, não se pode excluir do Código Penal as possibilidades da defesa, das legítimas defesas. É importante que nas delegacias, sejam de homens, de mulheres ou de adolescentes, a presença do serviço social, da psicologia, da conciliação, enfim, de mecanismos que, se não podem resolver tudo, ao menos saibam bem encaminhar os inquéritos.

No mais, o juiz decidirá, com penas alternativas, ou não, o destino dos acusados, réus, ou coisa que o valha. Seu Faustão foi liberado sob fiança. Isso resolve? E se ele foi culpado? E se Juliete não largar a droga? Viverão na mesma casa? Quem matará quem? Apenas pergunto.

OUCREBAMOLA



Tenha atenção ao dirigir, mas não esqueça de admirar a obra acima quando visitar Fortaleza do Abunã (RO), na divisa com o Acre. A foto foi tirada por Josenilson Lima. Aceito comentários dos exegetas que servem ao blog.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

MIL DESCULPAS

Leila Jalul

O mandatário acreano assumiu aquela cadeira apenas por imposição legal. Consciente, como deveriam ser conscientes todos os mandatários, sabia que, em trinta e um dias de poder, nada lhe restava senão assinar os atos rotineiros e voltar para casa. Voltar no outro dia, assinar os papéis, e voltar para casa. E repetir isso, até que o próximo dono da cadeira assumisse o posto.

Para não ter trabalho de perguntar sobre há quantos dias estava no poder, nem quantos faltavam para sair, ele mesmo, de próprio punho, munido de um pincel atômico, uma folha de cartolina, sem régua, sem nada, desenha o mês de março e, todos os dias, ao entrar no gabinete, assinalava. De tarde, ao sair, outra tarefa indispensável era fazer um "X" atravessado. E assim, o "X" da manhã virava quase um asterisco de tarde. Um sinal da cruz quando saía e muito carinho e respeito com os seus auxiliares.

O poder atrai. Os poderosos são alvos de atração. Ainda que por pouco tempo, o poder é como azougue. Chupinhas fazem fila, normalmente para a obtenção de cargos. Não, isso não houve. Todos resolveram aguardar o outro que logo assumiria. Também foram dispensados os necessitados que vinham em busca de óculos, tijolos, alumínio e madeira.

Mesmo assim, em tão pouco tempo, não esteve de todo livre do assédio. Todos os dias, invariavelmente, por volta das 9 horas, tocava o telefone e uma voz de mulher perguntava se meu superior estava. Entregava-lhe o fone e saía do gabinete discretamente. Pensava eu que fosse a esposa ou a filha. Eu já sabia que ser discreto é regra básica na vida. No serviço público é dever.

Certa feita, após uma dessas ligações, o mandatário me solicita que, se ligasse aquela “voz” e perguntasse se o duodécimo havia chegado, que respondesse negativamente. Estava mal humorado, visivelmente com raiva, cenho franzido, quase amedrontador.

O que mestre manda, marinheiro faz. Fiquei antenada, olhando o relógio e aguardando o toque. Quando ocorreu o previsto, minha resposta estava na ponta da língua.

- Você sabe quando ele chega?

- Desculpe, senhora, não sei.

- Será que até o dia 30 chega?

- É possível, senhora, é possível.

- Obrigada, depois eu ligo.

- Por nada. Disponha.

Sem entrar em detalhes sobre o caso, o doutor pareceu mais aliviado. Por pouco tempo. Felicidade tem prazo.

A mulher surpreendeu a todos. Naquele mesmo dia, já no turno da tarde, creio que com um lenço no fone, a pergunta de sempre.

- Sim, respondi.

- Desde quando?

- Desde a semana passada, ora!

Com a retirada do lenço, lá se vem o grito.

- E como é que você me disse hoje que não tinha chegado? Tá bom. Vou aí. Agora!

Bateu o telefone na minha cara. E agora, digo eu. E agora?

- E agora, fique lá fora esperando. Diga que estou numa reunião muito importante - recomendou o mandatário, enquanto eu tremia como vara verde. Ele dava risadas. Não entendi nada. Era risada nervosa.

- Preste atenção: ela pensa que duodécimo é uma pessoa. No máximo, em meia hora ela estará aí.

Fui, zonzinha das idéias. Meu Deus, me dê uma luz. Me ajude!

A mulher chegou braba. Assim com cara de “eu pego esse cabra”. E foi logo perguntando:

- Ele está?

- Está em reunião. Posso atender?

- Sim. Quero saber se o duodécimo está aí. Se já chegou.

- Foi a senhora que ligou de manhã?

- Sim.

Olho para a janela e vejo, apontando lá fora, na subida da rampa, um conhecido. Não posso chamá-lo de amigo. Até aquele momento, pelo menos.

- Pois é, minha senhora, eu entendi mal. Peço desculpas, entendi a senhora perguntar se o Deoclécio tinha chegado. Mil desculpas, realmente foi um engano.

Ela acalmou-se e já se voltando para regressar para sua casa, adentra no recinto o Deoclécio. Quase se cruzaram. E eu feliz, quase abraço o moço, mas me contive. Apenas perguntei em voz alta:

- Tudo bem, Deoclécio?

- Tudo, e com você?

- Tudo!

Nada me foi perguntado. Segui a rotina do gabinete e lembrei que mais um dia estava vencendo naquele período de interregno - mais um "X" no calendário. Boa tarde e até amanhã.

UM TIRO NO PÉ

Marcos Lopes

Uma das maiores aberrações religiosas veio à luz recentemente, quando a Assembléia Legislativa do Acre aprovou o Projeto de Lei n. 51/2003, de autoria do deputado Helder Paiva (PSDB), instituindo feriado estadual, a data de 23 de janeiro como o Dia do Evangélico. O que está por trás disso? É preciso raciocinar para entender que estamos vivendo um momento perigoso. Exponho a seguir alguns pontos relevantes de reflexão.

Em primeiro lugar, o referido Projeto de Lei cavado, obviamente, pela Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (Ameacre), fere um princípio religioso perseguido duramente pelos evangélicos históricos, que é o da independência entre igreja e estado. Os evangélicos do Acre, criando, um novo feriado, estão de alguma maneira interferindo na vida do estado, fazendo uma imitação barata do Catolicismo Romano, que de maneira escancarada interfere na vida do estado brasileiro com seus inúmeros feriados, dando a nação brasileira um prejuízo de milhões. Feriado traz prejuízos mesmo. Os feriados católicos são completamente inconstitucionais (o mais inconstitucional deles é o de 12 de outubro, dia da “padroeira” do Brasil, uma herançazinha do período da ditadura militar), visto que o estado é laico e não tem religião. Esse feriado sem graça criado pelos evangélicos também o é. Que mau exemplo! A história nos ensina que quando a Igreja se une ao estado ela se torna um monstro nojento. Se não vejamos: foi assim quando a Igreja católica se uniu ao Império Romano; Foi assim quando a Igreja Luterana se uniu ao estado na Alemanha; foi assim quando a Igreja Presbiteriana se uniu ao estado na Escócia (dizem que também fez alianças com a maçonaria); foi assim quando os anglicanos unidos ao estado inglês mataram, perseguiram, prenderam e desterraram; foi assim quando a Igreja Ortodoxa tornou-se oficial na Grécia. Algumas dessas aberrações (uniões entre igrejas e estados) começaram com pequenas intenções e depois o monstro era gerado. A igreja aliada ao estado é uma das piores tragédias que um povo pode presenciar.

Em segundo lugar os evangélicos envolvidos na obtenção da aprovação do tal projeto, sem perceber, criaram uma grande complicação para a nação, para o estado do Acre e para si mesmos. Talvez isso não seja percebido facilmente em um futuro próximo. Porém, movimentos e tendências religiosas dentro da história são melhor avaliados uma geração depois do seu início. Que males e benefícios terão causado é um tema importante nessas avaliações. Mas no caso do feriado do Dia do Evangélico, alguns desses males já podem ser facilmente previstos. Por exemplo, se o evangélico pode ter o seu feriado, por que razão o Espírita também não pode? E o budista? E o umbandista? Ou seja, está aberta a temporada de criação de feriados religiosos. Como os evangélicos idealizadores do bendito feriado se sentirão quando as outras religiões quiserem os seus feriados também? Se trinta religiões entrarem com pedidos de feriados e eles forem aprovados, o estado fica com um mês menos. E os futuros governadores vão sancionar novas leis para novos feriados? E quando os evangélicos de outros estados quiserem imitar o Acre? Ele está delirando, alguns podem dizer. Porém, para que cada novo projeto de feriado seja feito, basta que a religião interessada tenha um deputado que a represente.

A situação toda precisa ser interpretada também dentro de um contexto político. Ultimamente, os políticos têm tido livre acesso a muitos púlpitos evangélicos e muitas igrejas têm escancaradamente apoiado candidatos em suas campanhas políticas. É bem verdade que isso tem ocorrido muito mais dentro do meio pentecostal, mais alguns pastores tradicionais também entraram nessa. Que vergonha! Alguém precisa dizer a todos esses que igreja não é palanque, muito menos curral eleitoral. Eu soube de um político famoso que subiu no púlpito de uma igreja pentecostal estando embriagado. O oportunista estava tão “chapado” que na hora de fazer os agradecimentos trocou o nome da igreja. Estou dizendo essas coisas porque essa idéia maluca foi levada a cabo por alguns políticos (político não dá ponto sem nó, e esse projetinho sem graça será cobrado por muitos anos) e pela Ameacre, que se viram no direito de representar a classe evangélica sem consultar a mesma com respeito a estarem ou não a favor de ter o seu nome em um feriado completamente inconstitucional. A propósito, a Ameacre não congrega todas as tendências evangélicas locais. Talvez não congregue nem a metade. É bem provável que a maioria não concordasse se soubesse do que realmente se trata. Mais proveitoso do que criar mais um feriado inconstitucional seria ter coragem para derrubar aqueles que já existem.Refiro-me aos feriados religiosos.

Quanto ao respaldo bíblico, nem de longe tal projeto encontra apoio das Sagradas Escrituras. Os cristãos, pelas suas próprias crenças, não estão aqui para serem homenageados em um feriado que leva o seu nome. O dia deles ainda não chegou. Quem lê o Novo Testamento, e é honesto nas suas convicções cristãs, não tem nem dificuldade em ver que o próprio Jesus não apoiaria esse projeto inoportuno. O pregador galileu das praias e o seu primo (João Batista) dos desertos compareceram aos palácios, mas para serem julgados pelas autoridades por terem denunciado alguns dos seus pecados. Não para estarem buscando favores delas.

Assim, conclamo em primeiro lugar aos meus irmãos que criaram esse feriado. Que se arrependam pela tentativa de serem homenageados pelos governantes terrenos, mas também àqueles que congregam nas mais variadas igrejas a não se iludirem e saírem por aí dizendo que esse projeto é uma bênção. Isso não é uma bêncão, isso é um tiro no pé! Por fim, conclamo a advogados políticos, promotores, pastores sensatos e a cidadãos conscientes que pelos meios legais encabecem um movimento para derrubar esse feriado monstruoso. Assim estarão fazendo um grande favor à nação, ao estado do Acre, aos evangélicos e à democracia. Vou orar para não vomitar. Perdoem-me a franqueza. Graças a Deus terei o prazer de dizer aos meus amigos, aos meus filhos e esposa, bem como a igreja que pastoreio, que fiz o meu dever. Que muitos outros possam fazer o seu!


Marcos Lopes é pastor da Igreja Batista Memorial do Residencial Mariana em Rio Branco. O artigo foi publicado hoje na seção de opinião do jornal Página 20. Impressiona que Jorge Viana, que contava com vários evangélicos batistas na assessoria, tenha sancionado o projeto dos pentecostais.

O TEMA DA REDAÇÃO É...

Edson Carneiro

Ainda não tenho a mania de abreviar as palavras na web e não sei se isso é bom ou não. Ao ler os jornais de domingo, deparei com o artigo da Leila Jalul reproduzido de seu blog, e fiz uma viagem no tempo, e põe tempo nisso. Já vou chegando aos 60 e estou preocupado, não com a vida nem com a morte (o futuro a Deus pertence), mas em deixar alguns escritos de fatos passados em nossa Rio Branco. Os tais fatos, se não forem escritos e publicados, certamente nossa memória ficará mais curta ou menos extensa, como queira.

Hoje [ontem], falei com a Lígia, irmã da Leila, na Justiça do Trabalho. Ela me disse do teu blog, onde constam muitos artigos que ela tem lido e recomendado a amigos dos velhos tempos. Não tenho quase disponibilidade de tempo para surfar (é esse o termo?) na web, mesmo porque, creio, que lixo não é para ser tocado e nem remexido. No entanto, quando se trata de coisas de meu Estado do Acre, me sinto apaixonado, tendo em vista que várias vezes tive oportunidade de lograr aprovação por conhecer um pouco a história do Acre - aquele Acre exigido nas escolas de 1º e 2º graus.

Passo a relatar uma delas, mesmo sem ter sabido acessar o blog, site, sei lá o quê, que a Ligia me disse, mas sei que se responderes esse e-mail, com certeza deixarei de ser analfabeto em procurá-lo.

Em 1970, fui procurado por um amigo, o Jordan, durante um final de semana em que nos encontramos para fazer serenatas para algumas moças, dentre elas, a Olga, filha do fotógrafo Américo Mello. Ele me perguntou quanto eu ganhava como datilógrafo na Secretaria de Educação do Estado. Respondi que era o salário mínimo, e ele me disse que eu fosse à Fundação SESP, onde trabalhava, pois haveria um concurso para datilógrafo e o pagamento era bem maior que no Estado.

Fiz minha inscrição, mas não levava muita fé, tendo em vista que era para cargo público federal e até há bem pouco tempo sempre se falou aqui em Rio Branco, que todo concurso, era jogo de cartas marcadas, pistolão etc. - aquele velho papo que todos bem conhecemos.

Marcado o dia do inicio das provas, no sábado de Carnaval, então fiquei lendo, pela enésima vez, "Um Caudilho Contra o Imperialismo", pois não sabia qual seria a matéria, além do fato de sentir que a escolha daquele dia por si só anularia muitos candidatos que certamente se entregariam aos prazeres da folia em detrimento de um retiro forçado, se não para estudar, pelo menos para se manter sóbrio com o pensamento livre, física e mentalmente.

Chegou a prova de conhecimentos gerais, achei que fui bem, mesmo sem saber o resultado. Em seguida, a de matemática, e mesmo sem ser apaixonado por Pitágoras, senti que estava indo bem. Na de português (ultima flor do lácio inculta e bela), tive certeza que estava bem colocado. Houve uma pausa para o almoço. Veio o psicoteste, fui mal, tendo em vista que usei todo o tempo previsto para sua realização, enquanto quase todos os outros, cerca de trinta candidatos, não gastaram nem um quinto do tempo.

Então chegou a tão temida prova de redação. Manhã de um domingo de Carnaval, quase meio dia, o aplicador da prova, um antigo funcionário da FSESP, após chamar os nomes dos que lograram êxito nas provas de sábado, pedindo aos reprovados desculpas por qualquer coisa, nos acomodou, cerca de vinte candidatos, com boa distância uns dos outros. Fazendo um grande suspense, começou a falar que o tema da redação era do conhecimento de todos os que ali estavam, tendo em vista que o povo do Acre era um povo vibrante, alegre. E usou tantos adjetivos e fez tanto suspense que uma amiga minha, da qual ainda lembro o nome, e não o declino por motivos óbvios, se levantou e disse:

- O tema é Carnaval!.

- Não! - replicou o aplicador. - O tema é...

Silêncio sepulcral na sala, todos tensos como se fossem iniciar uma corrida de velocidade, podia-se ouvir o zumbido de uma mosca.

- O tema é Revolução Acreana!

Aquilo foi como um tapa na cara da maioria. Aquela amiga fechou a cara, se encolheu na cadeira, e eu, que, por sorte, passara aqueles dias relendo o livro “Um Caudilho Contra o Imperialismo”, via as letras daquele livro vindo à minha mente e a caneta as reproduzindo por quase cinco páginas de papel almaço pautado.

Sim, era só uma vaga. E eu a conquistei com louvor, segundo comentário dos engenheiros e outros funcionários vindos de Manaus e Belém que aqui trabalhavam. Obtive nota bem acima dos demais candidatos, especialmente na prova de redação. Fiquei ali na FSESP, onde depois passou a ser a Sanacre, até meados de 1971, quando fui para Brasília e fui trabalhar no Itamaraty, mas isso é outra história.

Edson Carneiro é advogado acreano.