sexta-feira, 31 de julho de 2015

Hildebrando Pascoal: questão de justiça

Poderia alegar que não tenho motivos para torcer que a Justiça conceda o benefício da progressão do regime fechado para o semiaberto ao ex-deputado e ex-coronel da Polícia Militar do Acre, Hildebrando Pascoal Nogueira Neto. Mais conhecido como “o homem da motosserra”, Hildebrando Pascoal achava que detinha poder sobre a vida de todos, incluindo a minha, em dois momentos - quando me ameaçou de morte ao entrevistá-lo com exclusividade e quando mandou que seus homens me caçassem em Rio Branco para me matar por imaginar que eu fora o autor da reportagem de capa de uma revista de circulação nacional. Dito isto, gostaria de saber: por que apenas Hildebrando, dentre os que integravam um bando criminoso, continua preso? No grupo havia assassinos comprovadamente mais cruéis do que o ex-coronel. Por que essa gente toda está livre, leve e solta há muito tempo? O benefício da progressão da pena existe, é legal, o ex-deputado tem direito? Por que negá-lo apenas e tão somente a Hilde? A família já espera Hildebrando em casa porque a juíza Luana Campos pode libertar o ex-deputado nesta sexta. "Ele só quer cuidar dos netos. Deixá-lo no cárcere, nas condições em que ele se encontra, é instituir a pena de morte”, diz a ex-mulher Rosângela Gondim, com um neto no braço, no portão de sua casa. Clique aqui e leia reportagem na ContilNet.

domingo, 26 de julho de 2015

Se essa bandeira falasse...


Tentamen

Prédio da Sociedade Recreativa Tentamen, fundada em 11 de novembro de 1924. Tombado como patrimônio histórico do Acre, não demora a desabar.

Sombra da "ponte velha" sobre o Rio Acre


Piquenique

Sem opção de lazer e calor de sobra em Rio Branco, nada melhor do que reunir a família e armar uma rede sob a ponte Juscelino Kubitschek, enquanto os maridos pescam no Rio Acre

Cavalgada acreana


sábado, 25 de julho de 2015

Rainforest Cowboys, de Jeffrey Hoelle


Visita do professor de antropologia na Universidade da Califórnia-Santa Barbara, Jeffrey Hoelle, que desde 2007 pesquisa o crescimento da pecuária e a cultura country e cowboy no Acre. Ele é autor do livro "Rainforest Cowboys”, lançado em maio, no EUA, que analisa a mudança de pensamento, a transformação do uso da terra e o comportamento social em decorrência da atividade econômica da pecuária na região.

Jeffrey Hoelle está de volta ao Acre para acompanhar o que ela chama de “espetáculo” da Feira Agropecuária na terra de Chico Mendes e Marina Silva. O livro do antropólogo expõe, por exemplo, um levantamento segundo o qual quem vive na floresta costuma comer carne de boi menos de uma vez por mês. Porém, pessoas que trabalham nas cidades, principalmente em ONGs e governos, entre as quais ambientalistas, consomem carne de boi até quatro dias por semana. Os pões das fazendas, segundo o levantamento, consomem carne de boi todos os dias, exceto durante a Semana Santa.


- Um seringueiro, colono ou agricultor não passa a criar gado sem que haja uma mudança em sua cabeça. Muita gente tem ignorado ou não quer ver a expansão da mudança econômica e cultural em curso no Estado. Na atualidade, a economia do Acre está ligada nà atividade pecuária e isso tem uma forte expressão na vida cotidiana e popular. Cheguei a imaginar que fosse um fenômeno passageiro, mas a cultura sertaneja, country ou cowboy está cada dia maispresente na vida das sociedades na Amazônia. No Acre, um pouco menos por causa, por exemplo, da simbologia do movimento liderado por Chico Mendes e que chegou a ser reconhecido em políticas públicas do governo. Isso já atraiu muito gente ao Acre. O meu deu desafio como antropólogo nesses anos foi mergulhar para compreender uma realidade que em certa medida tem a ver com minhas raízes de cidadão americano do Texas. Não parti do pressuposto de que os fazendeiros ou pecuaristas são apenas bandidos, vilões, devastadores do meio ambiente. Alguns acreanos, que se declaram de pés rachados, dizem que “isso não é nossa cultura”, porém, os filhos desses mesmos acreanos já assumem como sua toda essa nova cultura em evolução. O Acre ainda tem um cenário favorável, que pode lhe assegurar um futuro mais sustentável do que outras regiões da Amazônia. Para isso, terá que reconhecer as mudanças culturais em curso e aprender a trabalhar com todos, incluindo serigueiros, pequenos agricultores e os grandes pecuaristas. Todos estão atuando na economia rural, cuja demanda decorre do consumo urbano -analisa Jeffrey Hoelle.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Polícia indicia obreiro de igreja evangélica por estupro de imigrante haitiano no Acre

Religioso indiciado pelo delegado Leonardo Santa Bárbara, em caso de denúncia e condenação, está sujeito a pena de seis a 10 anos de prisão


O obreiro de uma igreja evangélica de Rio Branco foi indiciado pela Polícia Civil do Acre por estupro de imigrante haitiano. Laudo do Instituto Médico Legal (IML) confirmou a ocorrência de fissura anal no estrangeiro.

A investigação do caso foi concluída nesta terça-feira (21) e o relatório do inquérito, com pedido de indiciamento, remetido à Justiça pelo delegado da 1ª Regional, Leonardo Santa Bárbara. Indiciado no Artigo 213 do Código Penal, o obreiro, em caso de denúncia e condenação, está sujeito a pena de seis a 10 anos de reclusão.

O haitiano S.J., 26 anos, chegou ao Brasil em janeiro de 2014. Ele desembarcou em São Paulo (SP) com visto e trabalhou na construção civil, posto de gasolina e supermercado, em diversas cidades, até novembro daquele ano. Regressou ao Haiti para visitar a família e decidiu retornar ao Brasil, em abril de 2015, dessa vez entrando pelo Acre.

Acolhido no abrigo de imigrantes de Rio Branco, mantido pelos governos estadual e federal, S.J. conheceu o pastor I.O., 50 anos, e o obreiro E.S.F., 23 anos. A aproximação deles ocorreu durante os cultos que os dois religiosos celebravam semanalmente no abrigo de imigrantes.

Como S.J. já havia morado quase um ano no Brasil e fala fluentemente o português, foi aproveitado pelos religiosos como tradutor dos cultos realizados no abrigo.

Posteriormente, o pastor e o obreiro convenceram cinco imigrantes haitianos, incluindo S.J., para trabalharem nas obras de ampliação da igreja, onde o grupo passou a se alimentar e a dormir.

O imigrante S.J. relatou à polícia que ele e seus compatriotas foram arregimentados para o trabalho, mas jamais receberam remuneração. Por outro lado, o pastor e o obreiro alegaram que os imigrantes foram convidados apenas para realizar trabalho voluntário em troca de alimentação e dormida em colchões nas dependências da igreja.

No começo de junho, o imigrante S.J. passou a dormir no apartamento do obreiro E.S.F., onde o estupro teria acontecido, localizado perto da igreja.

Após uma reunião de evangelização na igreja, segundo relato da vítima, o pastor sugeriu a compra de uma bebida para o grupo. O obreiro e um menor saíram e voltaram com um frasco de iogurte aberto, que foi servido ao imigrante.

De acordo com o relato de S.J., após ter ingerido o iogurte, sentiu sono muito pesado e foi para o apartamento do obreiro. O imigrante contou à polícia que só lembrava de ter acordado no outro dia, deitado na cama do apartamento, se sentindo pesado e com dores no ânus.

S.J. levantou e foi direto para a delegacia, onde foi registrada a ocorrência, tendo sido orientado a ser examinado no IML. Ele suspeitava que tivesse sido estuprado depois de ter sido sedado por alguma substância que pudesse ter sido adicionada ao frasco aberto de iogurte que ingeriu.

O delegado Leonardo Santa Bárbara, que relata tudo isso no inquérito, disse que não foi possível indiciar o pastor porque não ficou evidenciada a sua participação no estupro.

“O fato é que o imigrante foi dormir no apartamento do obreiro e existe um laudo pericial que confirma a ocorrência de fissura anal, ou seja, houve realmente uma relação sexual, sendo que a vítima afirma que foi um estupro, pois estava dormindo. Diante da suspeita de que foi sedado, pedi exame de urina e o resultado está ainda sendo aguardado”, comentou o delegado.

Leonardo Santa Bárbara informou que o obreiro revelou durante depoimento que já havia cumprido condenação por tráfico de drogas no Paraná. O delegado disse que as informações dos antecedentes do indiciado estão sendo coletadas para ser encaminhadas à Justiça juntamente com o resultado do exame de urina da vítima.

Após o registro da ocorrência e exame, o imigrante decidiu pegar seus pertences e abandonar o apartamento do obreiro para se juntar ao grupo de haitianos que estava trabalhando e dormindo na igreja.

Os imigrantes continuaram a trabalhar nas obras de reforma da igreja e a participar dos cultos na expectativa de que seriam remunerados. O pastor e o obreiro chegaram a pedir à polícia para que os imigrantes fossem expulsos da igreja. O delegado Leonardo Santa Bárbara argumentou que isso não era de sua competência.

Por usa vez, a vítima queria que o delegado obrigasse os religiosos a pagar o valor devido pelo trabalho. O delegado também disse que não era de sua competência e o aconselhou a procurar a Justiça do Trabalho.

Outro lado

Consultado pela reportagem, o pastor I.O., que está em missão na África, negou os fatos. “Isso não  é  verdade. A igreja presta  auxílio aos imigrantes, aos dependentes químicos e aos menores infratores já há alguns anos. O haitiano que inventou tudo isso será  processado por calúnia e difamação”.

O pastor pediu que, se possível, a reportagem não  fizesse nenhuma publicação sem o encerramento do inquérito. Ele disse que todos os depoimentos foram tomados, incluindo coleta de material, mas que ninguém teria sido indiciado. “Ainda não  saiu o relatório da polícia”.

“Esse haitiano em questão quer extorquir dinheiro da igreja inventando uma série de mentiras, inclusive de que a igreja teria contratado ele. Em nenhum momento fizemos isso. Pelo contrário, tudo o que fizemos foi ajudá-lo”, acrescentou.

Informado pela reportagem que o relatório do inquérito policial estava concluído e havia sido enviado para a Justiça, o pastor disse que “ainda não temos ciência do resultado”.

“Assim que tomarmos ciência do assunto vamos tomar as devidas providências. Gostaria que o senhor não mencionasse nome de igreja. Temos um nome a zelar na cidade e isso não pode, de forma alguma, macular todo o trabalho feito pela igreja em todos esses anos. Nossa comunidade não aprova isso e nem concorda com ações dessa natureza, seja lá de quem for. Conto com a sua discrição sobre esse assunto, por favor”, pediu o pastor.

A reportagem esteve duas vezes na igreja onde o acusado congrega, na terça, para tentar ouvir E.S.F.. Localizado por telefone, o obreiro disse que não queria "falar sobre isso”. Ele afirmou que confia na atuação da Justiça. “A verdade vai vir à tona e o nome de Deus será glorificado”, concluiu.

sábado, 4 de julho de 2015

Academia Acreana de Letras convida o povo do Acre ao uso do gentílico acreano

POR LUÍSA LESSA 

Verbete do dicionário Caldas Aulete

Por que o povo do Acre escreve com /i/ o seu gentílico? A resposta a essa pergunta não encontra eco na história, na tradição, nos tratados linguísticos. Assim, não há lei capaz de mudar o gentílico de um povo. Nós somos ACREANOS. Vamos respeitar um gentílico que faz parte dos costumes, história, tradição do Acre há quase dois séculos.

Alguém poderia responder o seguinte: o Acordo Ortográfico nos obriga a isso. A resposta: não é verdade. Ainda não tivemos o Acordo Ortográfico sancionado por todos os países da lusofonia, embora aprovado em 1990, encontra-se, hoje, em discussão no Senado Federal. Acordo significa que todos concordam. Não é o que acontece.

Leia mais:

Defesa do uso do gentílico acreano: cada um fala como quem é

Academia Acreana de Letras: 137 anos consagra o gentílico acreano

Esse Acordo Ortográfico foi aprovado em 1990, há dez anos, mas nem todos os países da lusofonia o homologaram. Há grande resistência a ele nos três continentes. Portanto, quando alguém abole o trema, porque o trema é desnecessário, está cometendo uma violência. Igualmente quando alguém escreve acriano está atentando contra a nossa identidade, cometendo uma violência à cidadania acreana. Ademais, essa mudança se configura como uma atitude discriminatória, porque o Acordo Ortográfico ainda não está em vigor.E, mesmo que estivesse, não nos obrigaria a romper com as nossas tradições, que estão acima de todos os acordos.

Ditas essa palavras iniciais, compreende a Academia Acreana de Letras que o gentílico acreano é forma consagrada pelo uso regional desde o século XIX, segundo dados colhidos nas obras: Revista do Instituto do Ceará - ANNO XLIV – 1932; Revista do Instituto do Ceará - ANNO LIII – 1939; Revista do Instituto do Ceará - ANNO LIV – 1940; em Subsídios para a História do Alto Purus e Separata da Revista do Instituto do Ceará, Tomo LIV – Ano LIV -- Editora Fortaleza, de autoria de Soares Bulcão.

Também esta Casa cotejou o Folheto Unitas, publicado na typ. e Enc. de A. Loyola, 8 Pará, 1900, em cuja capa traz os seguintes dizeres: “ A Questão do Acre. Manifesto dos Chefes da Revolução Acreana  ao venerando Presidente da República Brazileira, ao povo brazileiro e às praças do commercio de Manaos e do Pará”, com a seguinte legenda: “Os brasileiros livres nunca serão bolivianos”. Independência ou Morte! Viva o Estado Independente do Acre!

Esta Corte, parafraseando a patriótica legenda, diz: “Somos acreanos, nunca acrianos! Isso porque no ano de 1900,  em março, no Pará, um grupo de revolucionários formou a “Comissão Acreana”, em defesa deste solo até, então, boliviano. Neste grupo estavam os nobres heróis criadores do gentílico acreano: Antonio de Sousa Braga, Rodrigo de Carvalho e Gastão de Oliveira. Concordaram e secundaram o manifesto: Hypólito Moreira, Pedro da Cunha Braga, Joaquim Alves Maria, Manoel Odorico de Carvalho, Antonio Alencar Araripe, Joaquim Domingues Carneiro, Luís Barroso de Sousa, Francisco Manuel de Ávila Sobrinho e Raimundo Joaquim da Silva Vianna.

Considera a Academia Acreana de Letras que um gentílico não se muda por força de Acordo, Decreto, Lei, porque um gentílico pertence à população do lugar, é nome sagrado que se guarda como um tesouro raro, que dá voz ao adjetivar um povo. E nesse particular, consagrou-se no meio linguístico, em todos os tempos, as sábias palavras do grande gramático Fernão de Oliveira (1536) que “os homens fazem a língua, e não a língua os homens”. Assim, segundo o mestre, “cada um fala como quem é”. E, aqui, no extremo oeste do Brasil a população é acreana, desde o nascimento.

Aqui, no Acre, a AAL é a guardiã do idioma pátrio. O Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa busca unificar a língua no mundo da lusofonia, ao tempo em que respeita e preserva os aspectos culturais, sociais e históricos da população lusófona. Não tem por objetivo tratar de questões morfológicas no processo de formação de palavras. Esse caso dos gentílicos em -iano é considerado um desvio no Acordo.

Digo por ser fundamental, no caso acreano, olhar dois lados: o histórico e o linguístico. O histórico assegura a manutenção de acreano, pela consagração do uso da forma ao longo de 137 anos. Do lado linguístico deve-se considerar que o próprio Acordo está repleto de concessões ou exceções que permitem dupla grafia, palavras com acento agudo ou circunflexo, palavras com consoantes mudas, entre as muitas quebras de unidade entre o cânone europeu e o brasileiro.

Além de toda discussão, o Acordo diz que os nomes registrados e consagrados pelo uso permanecem. Isso me faz lembrar a última Reforma Ortográfica que fez o Brasil, em 1971, quando determinava a retirada do /H/ da Bahia. Os baianos nunca aceitaram e o /h/ permanece até hoje. Portanto não há, Lei, Decreto ou Acordo que seja capaz de violar os costumes e tradições de um povo. Quanto ao gentílico acreano, ele traduz a alma, a própria identidade da população dessa terra que se fez brasileira.

O próprio Acordo diz que os nomes registrados e aqueles que guardam tradições e costumes permanecem inalterados. Por tudo isso, as Ciências Humanas, por mais magníficos e atraentes que sejam seus argumentos lógicos e dialéticos, não propiciam arcabouço seguro para tirar dessa terra acreana o seu gentílico consagrado: acreano. Dito isso tudo, conclamo os acreanos à preservação do nosso gentílico em todos os meios de comunicação, com maior força nas redes sociais.

Acreano não é uma palavra para ser vista pelas vogais que a compõem, átonas ou não, mas por todo o conjunto que personifica os costumes, a história e a tradição do lugar. Ser acreano é algo único, é aptidão revolucionária, é a caracterização de um povo, e isto não é mutante. Ser acreano é perene. É uma lição de amor, igualmente a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.

Devemos hastear nosso gentílico, sempre.

Luísa Galvão Lessa Karlberg  é pós-doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal (Canadá), doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Filologia, membro imortal da IWA e presidente da Academia Acreana de Letras.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Embaixada do Brasil no Haiti cobra propina por vistos, denunciam imigrantes

Relatos comprometem funcionários; governo do Acre vai comunicar a situação aos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores 

No abrigo de imigrantes, em Rio Branco, Malio Joseph com os filhos John e Thamara

Haitianos recebidos no abrigo de imigrantes, mantido pelos governos estadual e federal em Rio Branco, relataram nas últimas duas semanas que funcionários da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, capital do Haiti, cobram propinas que variam de US$ 1,5 mil a US$ 2 mil na concessão de vistos para que possam viajar com destino ao Brasil em busca de trabalho.

Os relatos têm sido feitos às equipes de servidores das secretarias de Desenvolvimento Social e de Justiça e Direitos Humanos, do governo do Acre, que atuam na gestão do abrigo. Os secretários Gabriel Gelpke (Desenvolvimento Social) e Nilson Mourão (Justiça e Direitos Humanos) receberam as informações dos servidores e disseram à reportagem que vão relatar a situação aos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores.

A cobrança de propina para concessão de vistos já foi relatada por 20 imigrantes haitianos nas últimas semanas. Essas denúncias sempre foram evidenciadas em entrevistas específicas de pesquisadores sobre o fluxo migratório, mas nunca haviam sido registradas de modo formal pela a administração do abrigo.

A partir do último convênio celebrado pelo Ministério da Justiça com o governo do Acre, para transporte rodoviário de imigrantes com destino às regiões Sul e Sudeste e melhorias na infraestrutura do abrigo, as autoridades decidiram reformular o questionário preenchido com as informações socioeconômicas e pessoais dos imigrantes que chegam ao Estado.

A substituição do formulário simplificado por um mais extenso tem revelado as razões pelas quais os imigrantes optam pela viagem do Haiti ao Brasil, via Acre, sem visto obtido na Embaixada em Porto Príncipe. O novo questionário indaga o por quê do imigrante não ter obtido o visto no Haiti.

Ao responder ao quesito do formulário, os imigrantes relatam as dificuldades para serem atendidos na Embaixada, a exigência de pagamento de propinas por haitianos para ocuparem vagas nas longas filas que se formam no entorno do prédio e também a exigência de pagamento de propinas para funcionários brasileiros da Embaixada.

O fluxo constante e crescente de imigrantes pela fronteira do Acre permanece ininterrupto mesmo que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tenha iniciado uma série de reuniões e tratativas para desarticular as redes de coiotagem que transportam homens, mulheres e crianças. Esse esforço visa a ampliação do fornecimento de vistos no Haiti e a parceria dos governos do Equador, Peru e Bolívia para o combate aos coiotes.

Desde dezembro de 2010, tem prevalecido a entrada pela fronteira do Acre, que já recebeu e distribuiu mais de 40 mil haitianos. Os imigrantes percorrem uma rota que inicia no Haiti, passa pelo Panamá, Equador, Peru e eventualmente pela Bolívia.

Trata-se de um percurso longo, demorado, perigoso, dominado por coiotes, funcionários e policiais corruptos que atuam nas estradas e fronteiras desses países. Em alguns casos, os imigrantes chegam a pagar mais de US$ 10 mil à cadeia de corrupção e extorsão, sendo que, caso tivessem acesso ao visto no Haiti, chegariam ao Brasil em avião, de modo rápido e seguro.

Drama de Malio Joseph

Malio Joseph (esquerda) durante depoimento em vídeo à professora Letícia Mamed, com auxílio do tradutor haitiano Esdras Hector

O relato mais contundente dessa realidade foi feito à reportagem pelo haitiano Malio Joseph, 28 anos, que ingressou no Brasil em 2012, deixando em Porto Príncipe a mulher Mona, 25, e os filhos Jonh e Thamara. Ele chegou ao Acre, obteve o visto humanitário e seguiu para Porto Alegre (RS), onde trabalha e reside.

Seis meses depois, a mulher veio para sua companhia. Posteriormente, nasceu o filho Sendes, gaúcho, atualmente com um ano e dois meses. Os outros dois filhos - John, 6, e Thamara, 4, - continuaram no Haiti sob os cuidados de familiares da mulher dele.

Malio Joseph trabalha como operário numa fábrica de embalagens plásticas. Tem carteira do trabalho assinada, ganha R$ 1,5 mil e gasta R$ 600,00 com o pagamento do aluguel de um pequeno apartamento. Além disso, enviava mensalmente, em média, R$ 500,00 para os cuidados da família com as duas crianças que havia deixado no Haiti.

Com saudade dos filhos, que não via há três anos, decidiu ir buscá-los. Comprou passagem aérea de ida e volta no trecho de Porto Alegre a Porto Príncipe e chegou lá no dia 20 de maio. No Haiti, ficou surpreso porque na casa em que as crianças ficaram havia mais de 20 pessoas que passaram a viver às custas dos R$ 500,00 que ele mandava para as despesas de seus filhos.

No Haiti, os primeiros passos de Malio Joseph forampela retirada do passaporte das crianças. no país, a burocracia classifica a expedição dos documentos em normal, urgente e extramente urgente. Ele explicou que em decorrência da grande procura por esses documentos se estabeleceu no país uma cadeia de corrupção e ele teve que pagar pelos documentos.

Dias depois, o jovem imigrante, com os dois filhos nos braços, se dirigiu à Embaixada do Brasil em Porto Príncipe para tentar obter os vistos das crianças. “A fila ela imensa. Havia mais de 400 ou 500 pessoas também em busca de vistos. Depois de algumas horas, fui avisado por uma funcionária brasileira da Embaixada que o chefe não estava e que eu deveria voltar outro dia”, relatou.

Uma semana depois, sem os filhos, Malio Joseph voltou à Embaixada do Brasil e se posicionou na fila para atendimento dos casos de encontro familiar. Havia outra para os que pretendiam obter visto para trabalhar no Brasil. Ele contou que as filas eram tão gigantes quanto as que viu na semana anterior. Chegou às 4 horas da manhã e conseguiu ser atendido por volta das 9 horas.

“Conversei com o cônsul, contei que tinha vindo buscar os meus filhos. Apresentei vários documentos que eu tinha levado do Brasil, como comprovante de residência e emprego, cartas de recomendação do meu patrão, do padre, e até de gente da prefeitura de Porto Alegre. O cônsul me explicou que havia muitos pedidos na frente e que demoraria muitos meses para eu obter vistos para as crianças. O cônsul disse que se eu quisesse obter os vistos em quinze dias, eu teria que pagar US$ 1,7 mil dólares por cada visto”, afirmou Malio Joseph.

O imigrante contou que ficou surpreso com a proposta e que teria respondido ao cônsul que precisava conversar com sua mulher para ver se teriam condições de pagar US$ 3,4 mil.

“Ganho apenas R$ 1,5 mil. Os dois vistos custariam mais de R$ 10 mil. Saí da Embaixada muito triste, sem saber o que fazer. Conversei com minha esposa e percebemos que pagando essa quantia ao consulado, mais as passagens aéreas das crianças, nós teríamos um gasto de quase R$ 15 mil. Então, decidi pegar os meus filhos e fazer a viagem até o Acre, sem documentos”, acrescentou.

Malio Joseph, que percorreu essa rota em 2012, decidiu fazer a viagem com os dois filhos sem recorrer aos serviços das redes de coiotes. O custo da viagem do Haiti ao Acre foi de apenas US$ 2,5 mil. Ele próprio comprou a passagem aérea do Haiti até o Equador e a passagem de ônibus do Equador até Peru e de lá até a fronteira do Acre.

“Foi uma viagem muito difícil, pois eu estava sozinho e tive que cuidar e carregar as duas crianças e as malas durante cinco dias. Na verdade a viagem foi dramática. O momento mais difícil foi na travessia da fronteira do Equador com o Peru. Em 2012, eu ingressei no Equador pelo aeroporto. Recebi um carimbo de entrada, mas quando eu saí do território equatoriano, por uma trilha alternativa, guiado pelos coiotes, não recebi o carimbo de saída no meu passaporte. Com as duas crianças, os policiais equatorianos me questionaram demais e fiquei com medo de ser detido e deportado de volta ao Haiti com meus filhos. Depois de muita conversa, de apresentar todos os documentos levados do Brasil, os policiais entenderam que eu já estava com minha vida organizada e me deixaram seguir viagem”, acrescentou o imigrante.

À exemplo de outros imigrantes, Malio Joseph, a partir do novo quesito do formulário, contou toda a sua história. O relato foi documentado pelo diretor da Secretaria de Desenvolvimento Social, Antônio Crispim, além de gravado, em áudio e vídeo com 1h40m de duração, pela professora Letícia Mamed, da Universidade Federal do Acre, pesquisadora da questão migratória.

Malio Joseph não escondia a felicidade de estar na companhia dos seus filhos e de poder viajar gratuitamente para Porto Alegre em ônibus fretado pelo governo federal. “Estou muito feliz com a reunião de minha família depois de tantas preocupações e dificuldades. Quero estudar, dar estudos para meus filhos e crescermos juntos no Brasil”, sonha o imigrante, que se dispôs a prestar os esclarecimento para ajudar o governo brasileiro a combater a cobrança de propina na Embaixada do Brasil no Haiti.

Outro lado

Na quinta-feira (2), a reportagem telefonou três vezes para a assessoria de imprensa do Itamaraty na tentativa de obter alguma manifestação sobre a denúncia. As atendentes perguntaram qual era o assunto a ser tratado e todas as vezes lhes foi explicado. Na primeira vez, disseram que o assessor de imprensa estava ausente, pediram o número de telefone para contato e prometeram retorno. Na segunda, disseram que o assessor estava ao telefone e que em seguida falaria com a reportagem. Na terceira, disseram que existtem vários assessores e que nenhum deles estava presente para tratar da questão.

Atualização às 14h43 - Nota do da Assessoria de Imprensa do Ministério das Relações Exteriores:

“Prezado Senhor Altino Machado,

Sobre o texto veiculado em seu Blog com data de hoje, 3 de julho, informamos que denúncias semelhantes de cobrança de valores indevidos para concessão de vistos ocorreram em 2012 e 2013.

Carece de fundamento qualquer alegação de envolvimento de funcionários da Embaixada em cobrança de quantias indevidas.

Trata-se de locais - sem conexão com a Embaixada em Porto Príncipe e atuando fora de seu espaço físico - que buscam intermediar solicitação de vistos para grupos e destes cobram taxas indevidas com o objetivo de supostamente facilitar obtenção de visto para o Brasil.

Quando fatos semelhantes chegam ao conhecimento da Embaixada, são prontamente notificados às autoridades locais.

Queixas formais por parte de solicitantes de atendimento consular podem e devem ser encaminhadas à Ouvidoria Consular do MRE.

Solicitamos inclusão da resposta do MRE no texto publicado em seu Blog.

Atenciosamente,

Assessoria de Imprensa do Gabinete
Ministério das Relações Exteriores”