quarta-feira, 31 de março de 2010

BAND EXIBE A ORIGEM DO DAIME


O Jornal da Band exibirá (sexta-feira, 2, e sábado, 3) duas longas reportagens de Valteno de Oliveira e do cinegrafista Eliésio Rodrigues sobre a polêmica a respeito do uso da ayauhuasca (daime) no país.

O Jornal da Band realizou a proeza de entrevistar os dirigentes dos dois centros mais tradicionais do daime - dona Peregrina Gomes Serra, viúva do mestre Raimundo Irineu Serra, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo, e Francisco Hipólito de Araújo Neto, do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz.

Embora avessos a qualquer tipo de divulgação sobre o uso do daime, Peregrina Serra e Francisco Hipólito consideraram oportuna a abertura de seus respectivos centros para a equipe do Jornal da Band após o assassinato do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em São Paulo.

Ao tratar da polêmica sobre o uso do daime, com destaque para os centros de origem, que não enfrentam problemas de ordem pública, o Jornal da Band exibirá o depoimento do senador Tião Viana (PT-AC), pré-candidato ao governo do Acre.

Além da defesa da doutrina do daime, o futuro governador do Acre relata a experiência que teve ao tomar ayahuasca com os índios.

Como esteve no Acre na semana passada, quando não havia concentração ou hinário nos dois centros, o Jornal da Band vai exibir imagens inéditas cedidas pelo Alto Santo. Entre elas, da colheita da folha chacrona e do cipó jagube e do feitio do daime.

É reportagem pra valer, feita por quem busca as fontes. Bem
diferente da ficção com máscara de jornalismo que tem imperado na mídia a respeito da doutrina fundada pelo negro maranhense Irineu Serra.

Na foto, dona Peregrina Serra, dignitária do Ciclu-Alto Santo, ao lado das bandeiras do Acre, Brasil e Maranhão.

UMA REFLEXÃO SOBRE DROGAS E DAIME

Arnaldo Bloch

Estive pensando em como a questão das drogas, por si só, provoca distorções de percepção, por mais careta que seja, ou esteja, a pessoa que se envolve em discussões sobre o assunto. Por exemplo, o Jojó entorna uns chopes, dá dois num baseado e passa uma cantada grosseira numa senhora de boa família. A grande maioria dos observadores dirá que o Jojó agiu assim por causa do bagulho e da gelada. Só uns gatos pingados dirão que o Jojó é assim mesmo, inconveniente, que o goró tem pouco, ou nada, a ver com o caso.

Se, por outro lado, o Jojó for para casa e, antes de puxar um ronco, telefonar para o Retiro dos Artistas anunciando uma doação gorda para a Páscoa dos velhinhos, os que souberem de seu ato dirão que o Jojó é generoso, um cara legal, um santo. Poucos atribuirão seu impulso à maconha e ao álcool, a não ser, é claro, que o Jojó seja um tremendo mão-de-porco que só coça o bolso quando bebe e fuma. Assim caminha o senso comum. E o senso comum é ótimo quando não exclui a inteligência. Quando manipulado para criar verdades absolutas sem reflexão, torna-se uma arma perigosa.

Difundir em massa, por exemplo, que a morte do cartunista Glauco é uma evidência incontestável de que o Daime produz assassinos impiedosos é manipular o senso comum. Quantos assassinos os círculos que tomam o chá “produziram” nas últimas décadas? Há outros casos suspeitos relatados? Por outro lado, quantas são, comparativamente, as mortes provocadas por uso indevido de remédios e álcool? Alguém já investigou a influência de surtos de ansiedade por ingestão de litros de café por jornada de trabalho num comportamento criminoso?

Dizer que o ayahuasca (a bebida indígena utilizada pelo Daime e outras congregações, a maior parte religiosas) agrava surtos de esquizofrenia (doença da qual o assassino de Glauco sofria) é chover no molhado. A ingestão de qualquer substância que amplie os sentidos pode agravar uma psicose. Um indivíduo diagnosticado como esquizofrênico deve ser resguardado de ingerir qualquer coisa que não sejam as drogas receitadas por seu psiquiatra. Se, contudo, a família decide que ele pode frequentar cultos de Daime e seus líderes o recebem com o propósito de curá-lo, é um risco calculado por todos. Isto, é claro, não garante, nem de longe, que o ato que levou à morte de Glauco esteja associado ao processo que ele viveu naquela comunidade, inclusive porque o assassino, usuário de cocaína e crack, drogas que consumiu a caminho do local da tragédia. Usar tais correlações categóricas para questionar o fato de o ayahuasca ser hoje uma bebida legalmente utilizada é tão irresponsável quanto o eventual mau uso da substância.

Já tomei o chá em dois âmbitos. Da primeira vez, com uma tribo no Acre, durante uma noite inteira, no meio da floresta, sem qualquer ligação com o culto do Santo Daime. Interessava-me mais beber com os índios, num ambiente dissociado do caráter sincrético-religioso que em muito desvirtua o sentido de seu uso original. Da segunda vez, no Rio, participei de uma celebração do Daime com quase trinta pessoas. Não experimentei, nas duas ocasiões, nem êxtase nem desespero. Não senti alterações na noção do tempo. O que vivi, ao contrário, foi um longo percurso de exame existencial em estado de alta consciência, e, em paralelo, um conjunto de visões que, entre si, formavam uma lógica de integração dessas percepções individuais com o que estava à minha volta (sobretudo na Amazônia, embalado pelos sons e o céu da floresta).

Nas duas experiências, só vi, no comportamento dos outros, ímpetos de comunhão e busca de paz. A culpa que havia ali estava na consciência de cada um, confrontada com um sentido ampliado do inconsciente e da ancestralidade. O que chamo de ancestralidade, independentemente de estar ou não relacionada com espíritos ou entidades (como creem os índios) ou com Jesus e Maria (como creem os cultores do Daime) integra o conjunto de símbolos que constroem a psique humana em sua marcha civilizacional, transmitida de geração em geração. Símbolos que, estimulados pela bebida, desfilam ante o pensamento, que traduz as metáforas num léxico que muito ensina sobre o que somos, o que fomos e o que podemos vir a ser. A maioria de pessoas que tomaram o chá com quem conversei relatam, em essência, a mesma coisa. Algumas creem que divindades estão presentes. Outras, como eu, pensam que isso nada tem de sobre-natural. E que tem tudo a ver com evolução.

Foi a experiência mais significativa que vivi. Se eu morrer hoje, já terei visto aquilo que precisava ver. Sou judeu e tenho uma tendência ao agnosticismo que inclui ciclos de maior e menor aproximação com a ideia de Deus. Bem sei das mazelas que a religião, com ou sem chá, podem provocar. Bem sei, também, que o ayahuasca pode precipitar, em alguns casos, problemas psíquicos ainda não manifestos num indivíduo, como outros estímulos, químicos ou emocionais, podem fazer.

Sei também que, embora entorpeça e provoque vivências dolorosas dentro desse exame que uns chamam de “trabalho”, não intoxica, não pesa no fígado, e, na maior parte das vezes só traz boas emanações, num espectro coletivo. Por incrível que pareça, não conheço relato de alguém que tenha burlado a proibição de se vender o ayahuasca, o que é um tanto misterioso. E raríssimos relatos de uso individual, sem assistência, desta poderosa poção que se populariza mundo afora.
Glauco, certamente, sabia disso. A infelicidade que se abateu sobre sua família e sua comunidade não justifica invalidar-se, com meia dúzia de loquazes fórmulas preconceituosas, tudo de bom que se acumulou através do uso de um chá milenar, já conhecido de civilizações pré-colombianas de alto saber, e que tem muito mais história que as vozes desejosas de parar o tempo através da amplificação consciente do medo e da ignorância.

Fonte: O Globo – Segundo Caderno 27/03/2010

terça-feira, 30 de março de 2010

POLÍTICA NO ENTERRO DE ARMANDO

O ex-governador do Acre Jorge Viana (PT) não dá o braço a torcer nem na hora da morte.

No cemitério São João Batista, no Rio, durante o enterro do jornalista Armando Nogueira, aproxima-se de Alfredo Sirkis, um dos coordenadores da campanha da senadora Marina Silva (PV-AC) à Presidência.

- Sirkis, no Acre a Marina nunca perdeu uma eleição com a gente. Quero ver como será agora, com vocês.

- Mas era diferente, Jorge - tentou argumentar o ex-guerrilheiro.

- Diferente, não. Era mais difícil, Sirkis - insistiu Viana.

segunda-feira, 29 de março de 2010

ARMANDO NOGUEIRA

José Augusto Fontes

Cadê você, Armando? Hoje, amanhã e depois, o esporte vai carecer do teu olhar comprido, o futebol vai querer o teu passe preciso, toda mídia vai lembrar do teu jeito querido, e a gente vai sentir a tua falta, vai procurar pela tua inspiração de menino peralta contido, vai querer sentir a tua experiência de homem apaixonado, encantado, articulado e vivido.


Sim, a razão foi sempre tua, e o Rio Acre é teu, como também é tua a princesinha Xapuri em que você nasceu. Agora mesmo, sinto que o nosso rio já teceu umas rendinhas de emoção e começa a seguir ao teu encontro, passeando pela imensidão dessa Amazônia, vagueando do Aquiri para o Rio de Janeiro, com ondinhas de imaginação, para beijar o teu segundo berço, para roçar o leito da tua despedida, levando a mesma mensagem do velho rio que te banhou a infância, que é mistério e consolação, a mensagem de passar sem sair do lugar, como as águas do teu Acre, que fingem partir, sem deixar de estar.

Cadê você, Armando? Hoje, amanhã e depois, lances geniais vão carecer do teu comentário, o povo vai querer o teu imaginário, a platéia vai lembrar da tua tática incomparável, a gente vai sentir falta da tua revelação memorável. Na tua ausência física, teremos que matar a saudade no peito e driblar a emoção. E essa emoção é única.

Sim, você foi aviador, músico e mágico. Sempre houve um drible qualquer em teu olhar, no teu pensar. Havia uma espécie de firula no teu escrever poético, um passe longo e certeiro no teu dizer arteiro, e isso vai ficar. Havia um gesto quase tímido, havia uma procura e um amor, havia um homem dedicado, resolvido, decidido. E por tudo isso, para bem adiante do momento, há um sentimento coletivo que vai ficar. Como vai ficar a velha vontade de contigo conversar, por isso escrevo esta mensagem da floresta, por isso sei que o céu está em festa.

Cadê você, Armando? Já está chegando outra Copa! Há craques para você ver, segredos para dizer, anseios para sofrer. Há uma multidão te esperando, uma nação já quase te escutando, os minutos estão passando. Quem vai ganhar, Armando? Ah, você já sabe. Mas você não diz, pra não perder a graça. Tudo bem. Isso mesmo, disfarça, assiste lá do alto, comenta do além. Isso mesmo, é tudo ilusão, está tudo passando. Ou permanecendo. Até parece que a gente está vendo você abrindo os braços e correndo outra vez nos gramados, assim tabelando com sonhos e driblando o passado. Isso mesmo. As jogadas da vida são bolas de fogo que você, um craque dos tempos, chutou como ninguém. Até parece que a gente está vendo, ouvindo, sentindo. É tudo enfeite, é um jogo, e no video tape do sonho, a história gravou.

Nota: A referência ao Rio Acre ser do Armando, vem desde o texto “Este Rio É Meu - Ciúme”, escrito por mim em 2003, após visita dele ao Acre, durante as comemorações do centenário do Tratado de Petrópolis (importante marco histórico da independência do Acre), ocasião em que, emocionado, o Armando disse: “este rio é meu!”. O referido texto está publicado no meu livro "Páginas da Amazônia – Proseando na Floresta". Foi feito para o Armando e ele mesmo o fez publicar no Jornal do Brasil e em vários outros diários, como em A Gazeta do Espírito Santo. Ele foi muito gentil e cordial, apesar de nossas conversas terem sido apenas por e-mail.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

JORGE VIANA - ENTREVISTA

"Política do PT e PSDB, a partir de SP, é prejudicial para o Brasil"


O engenheiro florestal Jorge Viana, 50, se afasta nesta quarta-feira, 31, da presidência do Conselho de Administração da Helibrás, a maior fabricante de helicóptero da América do Sul, para estar apto a concorrer pela primeira vez a um mandato parlamentar.

Ex-prefeito de Rio Branco e ex-governador do Acre por dois mandatos, Jorge Viana é considerado um candidato imbatível para uma das duas vagas ao Senado no Estado.

Viana é principal protagonista de uma engenharia política que que já assegurou ao PT do Acre uma marca histórica: o partido governa o Estado há três mandatos consecutivos e o senador Tião Viana, irmão de Jorge, também já é considerado candidato imbatível ao governo estadual. Quando tanto poder terá fim?

- Eu não posso fazer previsão de quando terá fim. O que eu posso dizer é que ainda existe uma necessidade muito grande desse trabalho seguir em frente. Esse é um trabalho que tem o dedo, o corpo e o empenho pessoal do presidente Lula. Ele anda aqui no Acre desde 1980. De um jeito ou de outro, ajudou na formação de todos nós.

Viana não esconde o saudosismo quando menciona a aliança do PT com o PSDB, durante seu primeiro mandato, quando o seu vice era o tucano Edson Cadaxo. A aliança se desfez com a saída de Fernando Henrique Cardoso do governo.

O ex-governador acha ruim para o Brasil a política feita a partir do enfrentamento do PT e do PSDB em São Paulo.

- Acho muito prejudicial para o Brasil essa política feita a partir dos interesses de São Paulo, o que contamina a política no plano nacional. Isso é muito forte no PSDB e acontece até em parte no PT.

Leia os principais trechos da entrevista no Blog da Amazônia.

AULA DE ARITMÉTICA

Armando Nogueira

Férias. Quem nunca tirou não sabe como é bom. Quinze dias de contemplação, manso sinônimo de preguiça. Conheci um poeta chamado Juvenal Antunes. Minha conterrânea Glória Perez sabe de quem estou falando. O poeta Thiago de Mello, também sabe. Juvenal passava o dia a recitar versos, quase sempre, cantando a beleza de Laura, a musa inspiradora de sua aventura poética. A voz esganiçada ressoava pelos barrancos do rio Acre: "... Perdoa, Laura, o meu atrevimento/ Lê esta carta, rasga e solta ao vento!"

Sem a lira de Juvenal Antunes, eu não teria saco pra enfrentar a cara de fuinha do professor Ernani. A aula de aritmética do professor Ernani era o grande suplício de minhas manhãs. Menos mal que minha vizinha de carteira era a morena Isabel, em cujos cabelos longos, lisos e lustrosos eu me refugiava da chatice elevada ao quadrado do professor Ernani. Que Deus o tenha!

Nas curtas férias que acabo de gozar, evitei sempre conversas de esporte. Não dava nem pra ouvir falar de futebol. Estava cheio de ver tanta bola no ano de 2001. Cheguei a pensar em sair de bigode postiço e peruca. É natural: neguinho te vê, se lembra da televisão e quer logo saber se o Juninho vai dar certo no Flamengo.

Quando pousei em Parati, outro dia, o guarda-campo me perguntou do Felipão. Respondi que não era quem ele estava pensando. Somos muito parecidos. Há até quem diga que somo gêmeos. Na verdade, nem nos conhecemos. Disse que me chamo Almir, que sou botânico de profissão. E fui logo engrenando uma segunda: meu ramo é outro. Cuido de flores. Vendo mudas de buganvília, exporto bromélias pra Europa e orquídeas pros Estados Unidos. O mais engraçado, digo eu, é que somos iguais fisionomicamente, mas muito diferentes em questão de gosto: eu não ligo a mínima pra futebol.

Na curtição da minha honrada vagabundagem, volta e meia, eu me lembrava do poeta boêmio que escandalizava a cidade de Rio Branco, com seu robe-de-chambre de florões e seus pileques de gin com vermute, a declamar poemas na porta do hotel Madrid. Juvenal Antunes era Promotor Público, mas nunca aparecia no trabalho. Tinha tanto horror ao Fórum quanto eu ao colégio. Acabamos tendo outra afinidade: eu também fiquei apaixonado pela doce Laura que nunca fiquei sabendo quem fosse. Com uma pequena diferença de sorte: o que seria o meu primeiro ardor amoroso, puro devaneio, seria o derradeiro de Juvenal Antunes. Ele morreria pouco tempo depois, de melancolia.

Em Juvenal Antunes, descobri a cadência musical de um verso decassílabo: "Em tudo, me dás vida e me engrandeces/ E te vejo mais linda a cada passo." Com ele, aprendi, ainda, a preciosa lição de que, seja qual for o destino à tua frente, uma aula de aritmética, um caso de amor mal parado, haverá, sempre, um sopro de poesia pra apaziguar teu coração.

Nesta primeira crônica de volta ao trabalho, repito, em louvor das férias findas, os versos que Juvenal Antunes recitava, como se fosse pra mim, quando eu, desconsolado, ia pra mais uma aula de aritmética: "Bendita sejas tu, Preguiça amada/ E não consintas que eu me ocupe em nada."

O REENCONTRO DA INFÂNCIA

Armando Nogueira

O sol nasce pra todos, diz o provérbio. Não é uma verdade irrefutável, mas todos fazemos de conta que é. Não custa nada a criatura - acordar, cada dia, com a esperança de que vai chover na sua horta.

Na hora de fazer o balanço do ano - que passou, a voz mais ouvida é a do alivio: 2003 já foi tarde! Poucos rendem ao tempo recém-findo uma palavra de gratidão pelas coisas que poderiam ter sido e que acabaram sendo.

No meu caso pessoal, não me lembro de outro ano mais generoso na minha vida adulta. Não ganhei no bicho, sequer tentei a mega-sena, não cai nas graças de ninguém. Só não diria que passei em brancas nuvens porque a imagem não faria justiça ao doce enlevo de tantos vôos, meu aviãozinho e eu, a triscar estratos de algodão pelo céu de tantas rotas.

Foi um ano de reencontro. Viajei ao Acre, minha terra querida. Revi - a gameleira secular em cuja sombra afetuosa transcorreu a parte melhor de minha infância.

Um dia, eu era o próprio Leônidas, o "homem de borracha" fazendo gol atrás de gol, na Copa de 58. Só não fazia gol de bicicleta pra ninguém achar que estava exagerando. No dia seguinte, eu trocava de pele. Vestia a túnica de general ateniense e, sob o mesmo nome de Leônidas, estava derrotando o exército persa, nas batalhas do desfiladeiro das Termópilas.

Passei horas de uma madrugada, em Rio Branco, a relembrar a voz gasguita do poeta Juvenal Antunes, na frente do Hotel Madrid, declamando, aos berros, seus poemas de amor: "Perdoa, Laura, o meu atevimento/Lê esta carta, rasga e solta ao vento."

Tinha eu, se tanto, dez anos de idade. Matava aula pra ficar ouvindo o canto de um poeta enfeitiçado, a quem devo a descoberta de duas paixões. Venerei Laura em cada verso que o bardo recitava à beira do rio Acre. Amor sem corpo, abstração de um poeta de água doce.

A segunda descoberta foi o meu súbito amor pela palavra. Juvenal Antunes apurou meu ouvido pra magia da palavra. Ele alternava cânticos de êxtase e de irreverências: "Bendita sejas tu, preguiça amada/Que não consentes que eu me ocupe em nada."

Aprendi com ele que a preguiça é um nobre sentimento que habita o coração dos poetas. Preguiça, teu verdadeiro nome é contemplação.

Na viagem que fiz ao Acre, fiquei amigo do governador Jorge Vianna, um moço que está fazendo na minha terra uma revolução sem armas. Sublimação da epopéia acreana em que uma geração de seringueiros anônimos morreu na floresta pela cívica teimosia de ser cidadão brasileiro. Não é uma simples retórica de poeta o verso do hino acreano: "Fulge um astro na nossa bandeira/que foi tinto com sangue de herois." Correu sangue, de fato, nos combates de ferro e fogo contra o exército regular da Bolívia.

O neologismo florestania, em lugar de cidadania, é uma bolação de Jorge Vianna, inspirada, certamente, nos ideais de Chico Mendes, cujo martírio converteu-se em bandeira da floresta.

Visitei Xapuri, cidade em que nasci. Reencontrei, confluentes, em doce comunhão, os rios Acre e Xapuri, cúmplices ambos de um remoto devaneio que os anos acabam de me trazer de volta, íntegros. Águas silenciosas que nunca choraram por mim. Nelas, nada mudou. A fluidez é a mesma; mesmo é o remanso, em cujo vagaroso rodeio, até hoje, voltejam as minhas essências.

Louvado seja 2003, o ano que me devolveu a minha infância.

DA TERRA DA CAXINGUBA

O jornalista Armando Nogueira, que aparece na foto do time do Ginásio Acreano, mora no Rio desde os 17 anos. Os pais dele, Rodovaldo e Maria Soares, vieram parar no Acre fustigados pela seca cearense. Casaram e tiveram dois filhos. Armando, o mais novo, começou as primeiras letras ainda em Xapuri, onde nasceu, mas logo mudou para Rio Branco, onde fez o ginásio e o comercial. Em 1944, ele foi sozinho para o Rio, com uma pequena mesada concedida pelo pai.

Em 1950, iniciou intensa atividade jornalística em jornais e revistas, escrevendo, entre outros, para o Diário Carioca, O Cruzeiro, Manchete e Jornal do Brasil. Como comentarista esportivo, dedica-se, também, ao telejornalismo (TV-Rio, Rede Globo de Televisão, TV-Bandeirantes e Globosat).

Todos os seus livros têm como tema o universo do futebol. O estilo poético, marcado pela simplicidade, sofreu forte influência do poeta potiguar Juvenal Antunes, que viveu no Acre, autor do "Elogio da Preguiça".

O poeta, o Ginásio Acreano e a famosa Xapuri estarão presentes na próxima minissérie da Rede Globo, que está sendo escrita pela acreana Glória Perez.


Além de Armando, outros ilustres nasceram em Xapuri: o cardiologista Adib Jatene, o humorista Zé Vasconcelos, a cantora Nazaré Pereira, o seringueiro Chico Mendes e o ex-ministro Jarbas Passarinho, que não esconde o desconforto quando alguém lembra do fato.

No Acre, Xapuri é alvo das mesmas piadas que os brasileiros fazem contra Pelotas (RS). É conhecida como a Terra da Caxinguba, uma figueira arbórea apreciadíssima pelos cervídeos. Há, ainda, quem prefira chamá-la de Princesinha do Acre.

MORRE ARMANDO NOGUEIRA

O jornalista Armando Nogueira morreu nesta segunda-feira, 29, no Rio de Janeiro. Os pais dele, Rodovaldo e Maria Soares, vieram parar no Acre fustigados pela seca cearense. Casaram e tiveram dois filhos. Armando, o mais novo, começou as primeiras letras ainda em Xapuri, onde nasceu, mas logo mudou para Rio Branco, onde fez o ginásio e o comercial. Em 1944, ele foi sozinho para o Rio, com uma pequena mesada concedida pelo pai, Segue uma crônica de 1958:


Sepetiba, o campeão do mundo da minha infância

Armando Nogueira




Sepetiba era o terror dos bolivianos, prêto de raça que nunca fugia do jôgo, fôsse em Rio Branco ou em Cobija, em cujos campos costumava sangrar uma terrível rivalidade de fronteira.

Estávamos sempre juntos e eu sentia de perto a bravura de Sepetiba, entregando as pernas às chuteiras de couro cru, amarelas, que os bolivianos costumavam desembainhar naqueles amistosos vulcânicos de Cobija, Brasiléia (naquele tempo, era Brasília, a doce cidadezinha nos limites do Brasil com a Bolívia). Era o terror dos bolivianos o prêto Sepetiba, meu bom amigo Euclides da Costa.

Embora se diga que no interior não se joga futebol, embora tudo o que se inventa por aqui sobre a qualidade de jôgo nos campinhos longe do Rio, posso dizer que foi por lá, no Acre, vendo o Sepetiba, o Chico Banha, o Dudu, o Marajó, o Severo - foi vendo essa gente tôda que descobri o gôsto do futebol. Espremendo razões, chegarei à conclusão de que a êles, ao Sepetiba, devo eu a sorte de ter chegado até a Suécia para assistir à "Copa do Mundo".

Sepetiba não jogava bonito, soltava o pé, era valente; clássico era o Severo, espécie de Danilo dos pobres, visão de craque que trago da infância. Mas, o que me empolgava mesmo, era o coração do Euclides, o Sepetiba.

Correu o tempo, transferi-me para o Sul, não tive mais contato com os amigos, meus ídolos do campo do Rio Branco, que era a coqueluche do major Isidoro e do Geraldo Mesquita. Do Mesquita, tenho tido notícias, ele aparece, às vezes, por aqui, é botafoguense. Dos outros, ficaram-se, apenas, umas pontas de saudade que vêm à tona quando à tona me vêm a infância e um pedaço da adolescência, vividas entre o barro vermelho de Penápolis e aterra fina de Rio Branco, onde aprendi a fazer "embaixadas" de canhota com bola de borracha importada de Santarém.

Ontem, um amigo me trouxe de Rio Branco um pacote e uma carta. Presente do Sepetiba: a miniatura de uma péla de borracha com os nomes dos campeões do mundo gravados a fogo e uma dedicatória singela: Ao amigo Armando, um lembrança da "Copa do Mundo".

Revi, no presente, meu bom amigo Euclides, esguio, comprido e simples; reencontrei, na péla de borracha, minha terra e nela o menino que fui eu.

A "Copa do Mundo", que vi tão de perto, nos campos de Gotemburgo, Estocolmo, Udevala - aquela conquista de Solna me deu grandes e belas emoções. Nenhuma, porém, é tão minha quanto essa que me veio de Rio Branco.

Sepetiba devolveu-me a minha infância: o campo do Rio Branco, as meninas do ginásio de uniforme azul-e-branco na arquibancada, e a cidadezinha carregando em triunfos o "center-half" Sepetiba, o campeão do mundo dos meus 10 anos.


"Caro Altino, fazendo uma varredura em alguns documentos, encontrei uma crônica escrita por Armando Nogueira, que àquela época, em agosto de 1958, usava o pseudônimo "Arno" na coluna "Bola Pra Frente", do Jornal do Brasil. Ele homenageia meu pai, o famoso Pedro Sepetiba. Digitalizei o pequeno texto, mas o título saiu apagado, mas aqui eu te esclareço: "O campeão do mundo da minha infância". O nome do meu pai era Euclydes Barbosa da Costa, nascido no Seringal Catuaba com o nome de Pedro, dado por minha avó, dona Lídia Barbosa da Costa, nascida numa senzala da Ilha de Marajó (PA), após a assinatura da Lei Áurea. Bem, mas por essas razões do coração ou do destino, quando veio para Rio Branco ser batizado, a madrinha de apresentar achou o nome Pedro impróprio. Ao que parece, baseada nas andanças de Euclydes da Cunha por aqui, mudou o nome de meu pai para Euclydes (com y), mas o nome Pedro lhe acompanhou por toda sua vida vida, e pelos idos de 1940, numa partida de futebol, na cidade de Xapuri, lhe pespegaram o apodo "Sipitiba", daí o nome Pedro Sepetiba, conhecidíssimo em Rio Branco, e até na Bolívia, jogando futebol pelo Rio Branco. Enfim, meu pai se foi em 1994, mas sei que seu nome até hoje é lembrado com carinho por todos os que o conheceram.

Abraços

Edson Carneiro da Costa"

domingo, 28 de março de 2010

FAZEI ISSO EM MEMÓRIA DELAS

POR JOSÉ BESSA FREIRE

São mulheres de diferentes cidades do Brasil. Algumas amamentavam. Outras, grávidas, pariram na prisão ou, com a violência sofrida, abortaram. Não mereciam o inferno pelo qual passaram, ainda que fossem bandidas e pistoleiras. Não eram. Eram estudantes, professoras, jornalistas, médicas, assistentes sociais, bancárias, donas de casa. Quase todas militantes, inconformadas com a ditadura militar que em 1964 derrubou o presidente eleito. Foram presas, torturadas, violentadas. Muitas morreram ou desapareceram lutando para que hoje nós vivêssemos numa democracia.

As histórias de 45 dessas mulheres mortas ou desaparecidas estão contadas no livro “Luta, Substantivo Feminino”, lançado quinta-feira passada, na PUC de São Paulo, na presença de mais de 500 pessoas. O livro contém ainda o testemunho de 27 sobreviventes e muitas fotos. Se um poste ouvir os depoimentos dilacerantes delas, o poste vai chorar diante da covardia dos seus algozes. Dá vergonha viver num mundo que não foi capaz de impedir crimes hediondos contra mulheres indefesas, cometidos por agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte.

Rose Nogueira - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje. “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”.

Izabel Fávero - professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.

Hecilda Fontelles Veiga - estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará. “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’. (…) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”.

Yara Spadini - assistente social presa em 1971, em São Paulo. Hoje, vive na mesma cidade, onde é professora aposentada da PUC. “Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala de tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar”.

Inês Etienne Romeu - bancária, presa em São Paulo, em 1971. Hoje, vive em Belo Horizonte. “Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”.

Ignez Maria Raminger - estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde. “Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”.

Dilea Frate - estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora. “Dois homens entraram em casa e me sequestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”.

Cecília Coimbra - estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense: “Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não pode estar acontecendo: é um pesadelo… Eu não estou aqui…’, pensei. Vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados em suas casas, presos e torturados”.

Maria Amélia de Almeida Teles - professora de educação artística presa em 1972, em São Paulo. Hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo. “Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques”.

São muitos os depoimentos, que nos deixam envergonhados, indignados, estarrecidos, duvidando da natureza humana, especialmente porque sabemos que não foi uma aberração, um desvio de conduta de alguns indivíduos criminosos, mas uma política de Estado, que estimulou a tortura, a ponto de garantir a não punição a seus autores, com a concordância e a conivência de muita gente boa “em nome da conciliação nacional”.

No lançamento do livro na PUC, a enfermeira Áurea Moretti, torturada em 1969, pediu a palavra para dizer que a anistia foi inócua, porque ela cumpriu pena de mais de quatro anos de cadeia, mas seus torturadores nem sequer foram processados pelos crimes que cometeram: “Uma vez eu vi um deles na rua, estava de óculos escuros e olhava o mundo por cima. Eu estava com minha filha e tremi”.

Os fantasmas que ainda assombram nossa história recente precisam ser exorcizados, como uma garantia de que nunca mais possam ser ressuscitados - escreve a ministra Nilcea Freire, ex-reitora da UERJ, na apresentação do livro, que para ela significa o “reconhecimento do papel feminino fundamental nas lutas de resistência à ditadura”.

Este é o terceiro livro da série “Direito à Memória e à Verdade”, editado pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O primeiro tratou de 40 afrodescendentes que morreram na luta contra o regime militar. O segundo contou a “História dos meninos e meninas marcados pela ditadura”. Eles podem ser baixados no site da SEDH.

O golpe militar de 1964 que envelhece, mas não morre, completa 46 anos nos próximos dias. Essa é uma ocasião oportuna para lançar o livro em todas as capitais brasileiras. No Amazonas, as duas reitoras - Marilene Correa da UEA e Márcia Perales da UFAM - podiam muito bem organizar o evento em Manaus e convidar a sua colega Nilcea Freire para abri-lo. Afinal, preservar a memória é um dos deveres da universidade. As novas gerações precisam saber o que aconteceu.

A lembrança de crimes tão monstruosos contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade feminina, contra a vida, é dolorosa também para quem escreve e para quem lê. É como o sacrifício da missa para quem nele crê. A gente tem de lembrar diariamente para não ser condenado a repeti-lo: fazei isso em memória delas.

O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti .

quinta-feira, 25 de março de 2010

NÓS E AS RELIGIÕES

Taeco Carignato

Os assassinatos do cartunista Glauco Vilas-Boas e de seu filho Raoni chocaram a nação, despertando polêmicas diversas, às vezes banais, sobre religião, drogas e esquizofrenia. Condena-se o Santo Daime pelo uso de chás alucinógenos em seus rituais, por admitir psicóticos entre os seus seguidores, pelos surtos psicóticos e comportamentos violentos de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes (assassino confesso de Glauco e Raoni). Sem dúvida, não se pode deixar de associar a Igreja Maria do Céu à tragédia que ceifou a vida de seu fundador, mas fazer uma relação direta de causa e efeito entre o uso de alucinógenos pelos daimistas e o comportamento violento do jovem Carlos Eduardo é fazer uma análise superficial e rasteira. Pois não se leva em conta as circunstâncias e o longo caminho percorrido por Carlos Eduardo para chegar ao ato.

Em primeiro lugar, não é necessário que se administre um chá alucinógeno para que se desencadeiem surtos psicóticos. Ocorreram e ocorrem casos de surtos psicóticos em portadores de esquizofrenia e outras formas de transtornos mentais que são ou foram seguidoras de outras seitas religiosas, altamente respeitadas. Um rito, palavra ou atitude de um líder religioso pode desencadear comportamentos violentos. Afinal, os papas João Paulo XX e Bento XVI também não foram vítimas de atentados? E todas as religiões possuem rituais.

Leia o artigo completo na Terra Magazine.

SENSATEZ DE TIÃO VIANA


O senador Tião Viana (PT-AC) considera "injustas e superficiais" as últimas reportagens sobre o daime.

- Trata-se de uma religião como tantas...merecedora de elevado respeito - escreveu no Twitter.

Católico, Tião Viana lembrou o caso do padre André Ficarelli, ocorrido no Acre. Um homem jogou álcool e queimou o padre dentro da igreja.

- Nem por isso se condenou o catolicismo - concluiu o senador.

Tião Viana é um dos entrevistados da reportagem especial do Jornal da Band sobre o daime, que vai ao ar na próxima semana.

Editorial da Folha de S. Paulo, na edição de quarta-feira, 25, sobre a ayahuasca:

"Era previsível que as mortes trágicas do cartunista Glauco e de seu filho Raoni reanimassem a controvérsia sobre o uso do chá alucinógeno ayahuasca, também conhecido como hoasca ou daime. Glauco fundou uma das igrejas que usa a bebida em rituais. Seu assassino confesso frequentava cerimônias, mas, ao que se sabe, teria ingerido o chá pela última vez semanas antes de cometer o crime.

Há que evitar, em primeiro lugar, a polarização entre a apologia da hoasca e sua demonização. Assim como não há evidência científica dos poderes curativos e transcendentais que seguidores lhe atribuem, tampouco as há para apoiar o pressuposto de críticos acerbos de que o chá cause dependência, faça mal à saúde ou desencadeie ações violentas.

A bebida contém potentes compostos psicoativos diluídos em água. Eles são obtidos de duas plantas, o cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e a erva chacrona (Psychotria viridis).

A ingestão tem efeitos sobre o metabolismo de importantes neurotransmissores, como a serotonina. Estimula o surgimento de visões, que os seguidores do Santo Daime chamam de "mirações". É uma droga, sob qualquer definição, como o álcool ou o tabaco -e seu uso deve submeter-se a normas.

A utilização do chá no contexto religioso é autorizada pelo Estado desde 1987. Questionamentos redundaram sempre na confirmação da legitimidade do consumo ritual. A mais recente ratificação se deu em janeiro, com a Resolução n.º 1 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.

O Conad faz uma série de recomendações -de um cadastro das igrejas à obrigatoriedade de os líderes religiosos realizarem entrevistas com candidatos a participar dos cultos. Incentiva, também, a realização de pesquisas sobre os efeitos da ayahuasca.

São providências sensatas e preferíveis à repressão ou à proscrição de seitas que acolhem desajustados e desequilibrados entre seus fiéis -como pedem alguns, de maneira oportunista."

A ABSOLVIÇÃO DE UM RÉU CONFESSO

Frank Batista


Quer a revista Veja absolver um homicida confesso? Esta é a pergunta que as pessoas vêm fazendo após a matéria na capa da última semana sobre a morte do cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho Raoni, ambos assassinados por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes. Uma reportagem sem elementos consistentes, agressiva à história de um povo e tendenciosa à intolerância e à minimização do ato criminoso de um réu confesso.

Na sua intolerância, irresponsabilidade, desinformação e direção tendenciosa, a reportagem de Veja sobre o crime contra o cartunista Glauco e seu filho não busca investigar a vida e o roteiro mental do autor de duplo homicídio que já tem passagem pela polícia e contra esta dirigiu também atos criminosos, atirando e ferindo policial após roubar um veículo.

A revista Veja assume caminhos perigosos quando decide atuar como juiz antes mesmo que a polícia pudesse apurar os fatos com a conclusão das investigações e do inquérito policial, assumindo a versão do advogado de defesa de que os atos do réu confesso foram desprovidos de lucidez (das boas faculdades mentais) e por essa razão o criminoso deve ser considerado sem condições de ser punido pelo nosso código penal.

Por outro lado, sem nenhuma confirmação científica que efetivamente sustentem suas afirmações, a reportagem torna-se especulativa ao incriminar o Daime, uma bebida utilizada no Acre por comunidades que possuem total identidade com a formação social, política e cultural do Estado.

Há mais de meio século a construção histórica do povo acreano é entrelaçada com as comunidades tradicionais que utilizam o Daime como sacramento religioso.

Nestas comunidades não sem apresentam situações de saúde duvidosa, como loucura ou surto, em conseqüência de participação religiosa nos centros ancorados nos troncos fundadores desta religião genuinamente amazônica, reconhecida nos três mestres Raimundo Irineu Serra, Daniel Pereira de Matos e José Gabriel da Costa, cuja essência comum está pactuada na afirmação de princípios claros num documento assinado e denominado Carta de Princípios.

Estes princípios assumidos determinam a ética, a moral, a espiritualidade, a cultura a preservação dos bons costumes e da boa conduta, formando homens preparados que ocupam lugares destacados em toda a sociedade nos mais diversos ofícios.

Médicos, professores, engenheiros civis e florestais, arquitetos, pedreiros, padeiros, carpinteiros, enfermeiros, administradores, geógrafos, historiadores, empresários, comerciantes, comerciários, servidores públicos ou da iniciativa privada, juízes e promotores de justiça, entre tantos outros ofícios em que atuam homens e mulheres filhos destas comunidades.

Estes, regularmente são ainda destacados para postos no executivo, no Poder Judiciário ou mesmo no Poder Legislativo, cumprindo perfeitamente suas funções sem distorção ou com falta de lucidez, porque não é conseqüência do Daime deixar as pessoas sem sanidade. Pelo contrário, muitas pessoas conseguem retomar o curso da vida à partir da vivência com a Doutrina orientada nestes centros, ao ponto de podermos encontrar numa mesma comunidade, quatro gerações da mesma família: do bisavô ao bisneto todos com saúde.

Homens e mulheres formados nestas comunidades apresentam a boa saúde física e mental, além da saúde ética, moral e de boa conduta, tão raras nos dias de hoje, conforme mostram os noticiários deste Brasil.

Ao tentar agredir e denegrir a imagem, de maneira indiscriminada, dos que praticam esta religião, Veja age de maneira inconstitucional que nos torna um Estado Laico, abusando de seu poder de imprensa e ainda fere a imagem de instituições governamentais federais sérias que basearam-se em estudos para tomarem uma decisão conscientes de que o Daime não causa dependência química e não agride nem o organismo físico e nem o sistema nervoso daqueles que o utilizam.

Os jornalistas omitiram ainda que nos Estados Unidos esta religião já tem reconhecimento e lá, como aqui no Brasil, o Daime não integra lista de substâncias proscritas, sendo utilizado como sacramento religioso.

É preciso ficar claro que no auge da intolerância a Veja arvorou-se a agredir e incriminar uma religião fruto da cultura amazônica, ao mesmo tempo em que se posiciona pela anistia da culpa do criminoso confesso de 24 anos de idade.

Também é preciso ficar claro que a agressão, no Acre, é contra a identidade e contra a história singular de um povo que possui grandes virtudes, além da história intimamente ligada à floresta e sua sabedoria, através das comunidades que influenciam e são influenciadas pela sociedade na vida política, econômica e cultural desse Estado.

Frank Batista é formado em história na Universidade Federal do Acre, assessor da prefeitura de Rio Branco e membro do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O PROFESSOR E O FUTEBOL

José Augusto Fontes

O futebol é uma paixão brasileira, encanta, cria sonhos, gera alegrias aqui, tristezas ali, e paga muito bem. Com esses sonhos e paixões, o futebol movimenta uma realidade bastante lucrativa para uns poucos, enquanto muitos se alimentam de passes trocados e de ilusões encantadoras. Para alguns, fora das quatro linhas, a torcida não é organizada.

Um técnico de futebol, como o recém demitido do Palmeiras, ganhava mais de R$ 500 mil por mês. Logo, numa simples conta, se vê que ele ganhava mais de R$ 16 mil por dia. É semelhante ao que ganha o Luxemburgo, no Atlético Mineiro, ele que também foi demitido do Palmeiras. Vamos tabelando pra frente. Se a gente articular a jogada para cada dia de jogo efetivo do time, aí o ganho do técnico dispara como um chutão pra cima.

Um time joga aproximadamente oito vezes por mês (na media anual), e isso dá mais de R$ 60 mil por jogo. Tudo bem, é possível argumentar que o técnico não trabalha só em dia de jogo, pois tem os treinos etc. O treino seria, mais ou menos, como o planejamento que um professor faz, para chegar na sala e dar aula, não é mesmo? Mas, quanto ganha um professor? A responsabilidade de um professor é menor? E será que o professor precisa planejar menos?

Tudo bem, vamos distribuir a jogada pelos flancos. Um técnico de futebol nem sempre ganha os jogos ou os títulos, mas geralmente ganha bem, quando se trata de salário. E ainda tem o bicho. Vejamos uns números do Muricy Ramalho, no Palmeiras: 34 partidas, 13 vitórias, 11empates, 10 derrotas e um resumo de apenas 49% de aproveitamento.

Já um professor, que em linhas gerais trabalha todos os dias, em jornadas que podem ir adiante de quatro horas diárias, além do trabalho que leva pra casa, tem responsabilidade com uns 40 a 50 alunos em cada sala (se não for professor infantil), às vezes até mais. Mas um professor não recebe bons salários. Isto é a regra e quase ninguém xinga das arquibancadas.

Aliás, não se vê muita gente querendo mudar esse jogo. Só que o professor sempre ganha, todo ano, de goleada, em relação à quantidade de alunos que prepara para a vida, que capacita para as diversas competições sociais que os pupilos enfrentarão. E o professor é quase sempre formado, esteve pelas academias, fez testes de seleção, sentou em bancos de escolas (sem reservas), teve que trabalhar esquemas e dar muitas firulas nas variadas adversidades. E o técnico?

Por razões óbvias, é claro que aqui não vamos abordar a prancheta do Joel Santana, em se tratando de planejamento. De outro ângulo do jogo, se vê que a economia brasileira deve ser mesmo uma potência. Se o Brasil tem capacidade de pagar salários especiais para Ronaldo, Adriano e Robinho, por exemplo (todos formados nas melhores academias futebolísticas do Brasil: Cruzeiro, Flamengo e Santos e todos vencedores na vida, pois têm origem humilde e venceram sem estudar), através de variados clubes, deve ter igualmente capacidade para pagar bem aos professores, milhares também vencedores na vida, de origem humilde e de projeção não muito animadora, pois seus títulos não serão convertidos em grandes lucros. O que está faltando para o Brasil sair da retranca e fazer gols de placa na educação?

Isso pode ser comentado de outra maneira, dentre várias. Vamos narrar a peleja assim: um técnico de futebol que ganha mais de R$ 500 mil por mês ou um desses atletas que ganham, no Brasil, em torno de R$ 1 milhão por mês (jogador de futebol ganhando mais de R$ 10 mil por dia, no Brasil, tem aos montes, e mais de R$ 30 mil, tem alguns), podem guardar, em quantia líquida, por ano, infinitamente mais do que um professor, na imensa maioria dos casos, poderá guardar durante toda a vida! O que você acha disso? Quando você crescer, vai querer ser professor ou técnico? E o Brasil, será o quê?

Vamos mudar o jogo? Parece que ainda não. Ainda há muito tiro de meta pela frente. Nosso celeiro de craques da educação parece que ainda vai ter que aguardar no estaleiro. Curioso é que a galera do futebol costuma dizer que a carreira é curta e que por isso ganhar bem é preciso. Ora, a bola está entrando pelo outro canto e o gol vai ser contra!

O que dirá então o professor, cuja carreira é sempre longa? Como explicar isso para quem precisa trabalhar sempre muito mais e ganhar sempre muito menos? Será que é falta de talento? Mas, talento para quê? Afinal, o fato de o professor não ter panetone nas meias ou verba na cueca não significa que os mestres precisam ir para escanteio! Esse jogo indica precisar de outro tipo de prorrogação.


Por que esse deslumbrante futebol tem que ser mais valorizado que o ato de ensinar, e de forma assim tão gritante? Dizem que ensinar é sagrado. Mas precisa ser pobre? Dizem mais, que o professor se regozija com a felicidade dos alunos, que sua compensação é espiritual, íntima. Pode até ser. Ocorre que a vida passa pra todos. Tanto os gols quanto as aulas vão ficar na memória, algum dia. Mas há lances que ficarão guardados em cofres mais robustos, não é mesmo? Será que o professor vai ter que levar o filho para aprender a jogar bola ou aprender a “treinar”, deixando de lado a educação escolar? Por que a sorte, a artimanha ou o drible devem pesar mais do que o estudo e a dedicação, se a economia deveria disponibilizar ingresso pra todos?

Em uma economia que se disfarça de grande, o professor precisa se fantasiar de geraldino e receber bola nas canetas? Luxemburgo, Muricy ou Joel Santana não precisaram estudar. E o professor, precisa se conformar? Será que não pode melhorar? Não sei, mas parece que a nossa paixão pelo futebol pode alimentar essas coisas, um pouco. Talvez eu vire a camisa. Talvez não. Parece que no vôlei é muito parecido. E no hóquei, há um cara que joga lá no Canadá (onde ocorreram as Olimpíadas de Inverno), que ganha mais de R$ 1 milhão por mês. Tem cada coisa. Só não quero pagar o ingresso que movimenta isso. Nem quero torcer pelo time errado.

Algumas jogadas de efeito só se transformam em gol contra ou em bola pro mato, em jogo de campeonato. O professor não deveria ser apenas artilheiro de ilusões pessoais ou familiares, de sonhos guardados, de bola murcha. Sua torcida calada precisa reagir. Se há economia para transações mirabolantes, deve haver disponibilidade para um plano de aula mais estimulante.

Professor não é sinônimo de perna de pau nem é adjetivo para boleiro. E muito boleiro precisa estudar para saber o que é adjetivo, ou o que é sinônimo, não é mesmo? O professor atua fora das quatro linhas, mas há quatro paredes em que ele é artilheiro. Suas jogadas são pensadas em equipe e seus títulos precisam se converter em gols, para que ele não tabele apenas com sonhos. E para que ele possa sair do impedimento.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

MPF DE OLHO NO 3G

Filipe Serrano

Para apurar problemas com a oferta de banda larga pela rede 3G das operadoras, o Ministério Público Federal abriu uma consulta pública para colher informações dos usuários da internet móvel no Brasil. O MPF quer saber quais os tipos de problemas pelos quais os usuários têm passado ao usar os modens 3G, como por exemplo falta de sinal, velocidade baixa e assistência técnica ruim.

A consulta pública faz parte de um inquérito civil aberto depois que a associação Proteste entrou com uma representação contra os serviços de internet oferecidos pelas operadoras de celular. O MPF pretende investigar qual o tipo de prejuízo gerado pela má prestação dos serviços.

O MPF vai receber as reclamações, sugestões ou contribuições por 60 dias (até as 16h do dia 18 de maio) pelo e-mail consultapublica_mssa@prsp.mpf.gov.br ou por cartas para o endereço Rua Peixoto Gomide, 768, São Paulo-SP, CEP 01409-904. No envelope deve estar escrito “consulta pública procedimento 1.34.001.004236/2009-18”.

Fonte: Link

terça-feira, 23 de março de 2010

DAIME NO JORNAL DA BAND


A polêmica a respeito do uso da ayauhuasca (daime) trouxe ao Acre o jornalista Valteno de Oliveira e o cinegrafista Eliésio Rodrigues.

A equipe do Jornal da Band esteve com o jornalista Antonio Alves no túmulo do mestre Raimundo Irineu Serra, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo.

Após o assassinato do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em São Paulo, a Band está interessada em mostrar as polêmicas sobre o uso do daime, com destaque para os centros de origem que não enfrentam problemas de ordem pública.

A reportagem deverá ser exibida na próxima semana. A conversa sobre a história da doutrina do daime prossegue na varanda de minha casa.

AYAHUASCA É DROGA?

Do blog Ciência em Dia, do jornalista Marcelo Leite, colunista da Folha de S. Paulo:

"Três perguntas para Draulio de Araujo e Sidarta Ribeiro, co-autores de pesquisa do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) sobre efeitos do chá do Santo Daime no cérebro e na mente. Como as respostas foram só parcialmente aproveitadas na reportagem abaixo, reproduzo-as na íntegra recebida por e-mail:


1. A ayahuasca pode e deve ser classificada como droga? Perigosa, talvez?

Draulio de Araujo - A Ayahuasca pode ser classificada como uma droga, sim, usando o entendimento de que ela contém substâncias químicas que alteram os mecanismos de neurotransmissão cerebral de forma direta. Baseado na mesma definição também podemos incluir nesse conjunto, o tabaco, o álcool, o café, e o chocolate. Como qualquer outra sub stância psicoativa, há algumas considerações importantes a serem feitas para balizar uma avaliação sobr e o risco associado ao seu uso. A primeira diz respeito ao seu poder de dependência química. No caso da Ayahuasca, que age sobre o sistema serotonérgico, não há comprovação científica sobre a eventual dependência química causada pelo seu uso. O segundo, as alterações sobre o sistema nervoso autonômico. No caso da Ayahuasca, há evidências que as mudanças de pressão arterial, frequência cardíaca, e respiratória, além da temperatura do corpo, permanecem dentro de limites considerados normais. Por outro lado, sabe-se que é importante evitar o uso da Ayahuasca nos casos em que o indivíduo esteja fazendo uso de medicamentos que alteram os níveis de serotonina, como é o caso de alguns anti-depressivos que estão baseados na inibição seletiva de recaptação de serotonina , por exemplo, o PROZAC.

Sidarta Ribeiro - Droga certamente, como o LSD, a maconha, o álcool e o café. Perigosa.... depende de muitas variáveis. Certamente é uma droga muito mais benigna para o organismo do que a heroína e a cocaína, pois não há overdose conhecida, nem adição pronunciada. Entretanto acredito que existam grupos de risco que não devam experimentar.

2. Foi sábia a decisão de permitir seu uso, legalmente?

Draulio - Creio que a decisão de permitir seu uso foi acertada, por três motivos. Primeiro, a Ayahuasca tem alguns efeitos interessantes que agora começam a ser desvendados pela ciência. De certa forma, essas pesquisas avançam a passos largos tendo em vista a legislação em vigor, e seus resultados tem demonstrado vários efeitos positivos. Por exemplo, estudos realizados na USP de Ribeirão Preto, coordenados pelo Prof. Jaime Cecílio Hallak, tem encontrado resultados bastante animadores quando a Ayahuasca é utilizada em pacientes com depressão que não respondem bem ao tratamento convencional. Ainda, outros estudos tem apontado em uma direção curiosa: a Ayahuasca parece ter um papel importante para livrar do vício dependentes químicos em outras drogas, como o crack e o álcool. Estas, sim, com um prejuízo in dividual e social tremendo. Segundo, os riscos associados à Ayahuasca, que vem sendo testada há séculos, são baixos (há indícios que seu uso ocorra desde 2000 a.C). Por fim, ela já tem um papel importante na expressão cultural do povo Brasileiro.

Sidarta - Acho que sim. A Ayahuasca é essencial para algumas religiões, e seu uso no contexto religioso me parece muito benigno, como o peyote entre os Navajo. Tornar ilegal uma planta sagrada me parece absurdo.

3. Acredita que o assassinato do cartunista Glauco poderá de alguma forma alterar a percepção pública sobre a relativa inofensividade da ayahuasca?

Draulio - Alterar, sim. Para qual lado, não sei. Depende da maneira como esse caso evolua. Meu temor é que a falta de informação e o juízo preconcebido acabem por pautar as discussões.


Sidarta - Espero sinceramente que não, pois o caminho para o "problema das drogas" não é proibir, e sim regular. O assassinato do Glauco não pode ser debitado na conta da Ayahuasca, pois o assassino usava "n" coisas diferentes, e parece ter psicotizado ao longo do tempo. Acredito porém que os grupos de risco para Ayahuasca não estão bem definidos. Psicóticos bordeline, gestantes e crianças deveriam ser impedidos de tomar o chá, na minha opinião."

LIMPEZA DE RIO BRANCO


Quem visita Rio Branco costuma ficar impressionado com a limpeza da cidade, sobretudo nas ruas do centro e dos principais bairros. Recentemente, uma equipe da prefeitura de Porto Velho (RO) passou por aqui para assimilar a experiência acreana.

Fiquei particularmente impressionado com o fato de o prefeito Raimundo Angelim (PT) ter conseguido transformar o interior e agora o entorno do Mercado Municipal Elias Mansour.

Cenas assim nos dão a doce ilusão de quem nem vivemos mais no Acre.

domingo, 21 de março de 2010

O ACRE NO ALTAR

MOISÉS DINIZ


A revista Veja acaba de publicar uma sensacionalista reportagem sobre o assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25. Na reportagem, sem nenhuma base material, a revista acusa o criminoso Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24, Cadu, de ter ingerido ayahuasca, levando-o a cometer o crime.

De forma irresponsável e leviana, a revista acusa o uso da ayahuasca como causa do crime e passa a agredir a história dos três líderes que, aqui no Acre, fundaram religiões amazônicas, de raízes indígenas: o mestre Raimundo Irineu Serra, o mestre Daniel Pereira de Matos e mestre Gabriel.

Na tentativa de dar base científica à reportagem, a revista Veja produz um Frankenstein de intolerância religiosa, de desinformação e de preconceito com religiões amazônicas e indígenas. Em nenhum momento cita um estudo científico, com suas fontes e suas provas acadêmicas.

Quando cita a Associação Brasileira de Psiquiatria, não apresenta nenhum especialista, nenhuma fonte demonstrativa ou qualquer prova do que escreve na reportagem. Apenas apresenta a caricatura de um "bacana" com transtorno psíquico, esquizofrênico, que fumava maconha, e que tinha uma mãe e uma tia-avó também esquizofrênicas.

Não apresenta outros casos semelhantes pelo Brasil afora. São mais de 200 centros, entre União do Vegetal e Santo Daime, com mais de 30 mil seguidores. Por que o caso Glauco deveria servir de regra para uma religião que já completou mais de meio século sem um único caso de violência ou morte entre aqueles que a praticam?

Aqui no Acre, entre as igrejas do Alto Santo, Barquinha e União do Vegetal, são milhares de seguidores gozando de elevada qualidade de vida, respeitados socialmente e livres das pragas do alcoolismo e do consumo de drogas.

Aqui no Acre, entre os seguidores do Santo Daime, da UDV e da Barquinha, há juízes e promotores, jornalistas renomados, deputados e prefeitos, médicos e economistas, empresários, professores de universidades, delegados, policiais, membros de academias e de instituições laicas e respeitadas.

Homens e mulheres que estudam, acessam as bibliotecas e estão informados sobre os avanços da ciência, as curvas da economia e da política e as reportagens fantasiosas, levianas, preconceituosas, anticientíficas e mentirosas de Veja.

Milhares de jovens escaparam das grades dos presídios e até da morte porque abraçaram a religião dos entes mágicos da floresta, das ancestrais aldeias indígenas e da fraternidade de viver como irmãos nos dias de louvor, sob a simplicidade de seus hinos e do consumo ritualístico da ayahuasca.

Não há um único caso de agressão física, de violência, de distúrbio ou de morte entre os seguidores da UDV, do Santo Daime ou da Barquinha, em mais de meio século de religião, entre milhares de seguidores.

A revista Veja deturpou tudo: a história e a resistência dos líderes religiosos, o papel espiritual e social que cumpre as igrejas ayahuasqueiras, a origem indígena milenar e a longa tradição de vida saudável de seus membros. A revista Veja só não esqueceu daquilo que está lhe ficando peculiar: escrever com preconceito e leviandade. Veja sequer respeitou a história.

A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria.

Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.

O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.

As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2 mil a.C.

A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.

Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, nos autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.

Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade.

Não custa nada ficar alerta para essa esquizofrenia da grande mídia em atacar o uso ritualístico-religioso da ayahuasca. É mais fácil roubar um pão numa padaria do que uma hóstia no altar, mesmo que os dois sejam feitos do mesmo trigo. Por que tanto interesse em dessacralizar o uso da ayahuasca?

A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.

Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares.

Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o “vinho das almas” como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação.

Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram “miscigenar” sua fé.

Não foi necessário fazer como os negros escravos, que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra e das almas.

É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.

A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.

Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.

A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.

Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas.

A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio, nesses séculos de consumo da ayahuasca, deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés.

A ayahuasca não é "taliban", seus usuários não constituem nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico.

O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.

Depois de 4 mil anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca, os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do "contato" aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos.

Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.

Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o “cipó dos mortos”, por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins.

A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor "civilizaria" das eras pós-colombianas.

A ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural. Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica e indígena.

Encerro esse ensaio com um relato da experiência física de quem fez uso ritualístico-religioso da ayahuasca:

Lembro de tudo nitidamente. Eu via seres de luz carregando lixo da floresta para dentro de uma caminhonete. Muitos seres e muito lixo. Então perguntei para um deles:

- O que é isso?

Um dos seres me respondeu:

- São as suas máscaras, você não pode ver ainda.


Moisés Diniz é autor do livro O Santo de Deus e deputado estadual pelo PCdoB do Acre.

Nota do blog: Clique aqui e leia os manifestos (de março de 2006) do Centro Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo e do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, os mais tradicionais do Acre.

sábado, 20 de março de 2010

MARINA: A CARA DO BRASIL


Senadora Marina Silva (PV-AC) durante entrevista coletiva na sexta-feira, 19, em Cuiabá (MT). Em seguida, a presidenciável foi aplaudida de pé após conferência sobre até onde vai o desenvolvimento que não considera os limites ambientais, no 3º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental. Poucos conseguiram conter o choro durante o discurso. Com bastante público, a senadora participa de vários eventos na cidade, inclusive de reunião com empresários.

quinta-feira, 18 de março de 2010

REFERENDO POPULAR

Por causa do fuso horário, eleitor do Acre terá duas urnas para votar em outubro

Os eleitores do Acre terão que votar em duas urnas no próximo dia 3 de outubro. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, e o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Acre , desembargador Arquilau Melo, já estabeleceram entendimento em relação ao referendo popular que será realizado sobre a mudança do fuso horário do Acre.

Ficou definido que primeiramente o eleitor acreano votará em uma urna eletrônica para escolher seus candidatos a deputado estadual, deputado federal, dois senadores, governador e presidente da República.

Em seguida, o eleitor votará em outra urna eletrônica para responder à pergunta: “Você é a favor da recente alteração do horário legal promovida no seu Estado?”

A utilização de duas urnas eletrônicas é considerara pela Justiça Eleitoral medida que facilitará o voto do eleitor, além de garantir maior segurança ao sistema de votação.

A Justiça Eleitoral realizará audiências públicas para formação de comitês extra-partidários contra e a favor da mudança do fuso horário. Os comitês disporão de espaço gratuito na mídia para que possam fazer suas respectivas campanhas.

Leia mais no Blog da Amazônia.

quarta-feira, 17 de março de 2010

CONGRESSO DE JORNALISMO AMBIENTAL



Perdi um vôo na madrugada e agora tenho que correr pra não repetir a dose e conseguir chegar ainda nesta quarta-feira, 17, em Cuiabá, onde serei um dos moderadores do 3º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental. Minha participação será na quinta-feira, 19, data do Patriarca S. José.

8 horas (Mesa Redonda)
Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA): o Brasil precisa dessas obras?
Moderador: Altino Machado (Terra Magazine)
Palestrantes: Ely Arima Takasaski (Ministério do Planejamento), Alcides Faria (Coalizão Rios Vivos/ECOA)

16 horas (Conferência)
Até onde vai o desenvolvimento que não considera os limites ambientais?
Moderador: Altino Machado (Terra Magazine)
Palestrantes: Senadora Marina Silva e Sérgio Henrique Guimarães (ICV)

Dias bons para reencontrar novos e velhos amigos.

Saiba mais no site do 3º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental.

Inté.

ALÉM DE SI MESMO

Li somente agora o artigo semanal da senadora Marina Silva (PV-AC), publicado na edição da Folha de S. Paulo desta segunda-feira, 15. Parece se referir à Cuba, mas a opinião dela se adequa perfeita ao Acre:

"A liberdade, um dos direitos básicos da vida, é algo tão visceral e tão intrínseco à condição humana que, em determinadas situações, não poder usufruí-la é como tornar-se um morto-vivo, individual e coletivamente. Quando algumas pessoas chegam ao ponto de subtrair aquilo que é essencial ao corpo, que é o próprio alimento, estão usando o que lhes resta para apontar para essa morte social anterior.

A palavra é tão importante quanto o pão. Há outros alimentos que são vitais, a que chamamos de direitos humanos, que incluem a liberdade de expressar opinião, a liberdade de divergir. O direito de não ser tiranizado. Ainda que a greve de fome seja um ato extremo, muitos encontram nela a última forma de protesto. Por meio dela encerraram-se injustiças, salvaram-se vidas e despertaram-se a consciência e a solidariedade. Historicamente ganhou destaque mundial com Gandhi e sua batalha contra a opressão colonial inglesa na Índia.

Embora meus códigos pessoais e religiosos sejam contrários à ideia de dispor da vida, não há como desconsiderar sua semelhança com o sacrifício de tantos mártires da humanidade que, em defesa de seus ideais e causas, chegaram ao extremo de perder a própria vida.

Para G. K. Chesterton, o mártir se preocupa tanto com alguma coisa além de si mesmo que se esquece de sua vida pessoal. Em suas palavras, o mártir é um portador de princípios e atitudes nobres “porque morre para que alguma coisa viva”.

Nesse caso, o sacrifício acaba desencadeando um processo inescapável de interação, de corresponsabilidade, não só pela vida de uma pessoa, mas pela sobrevivência de valores basilares pactuados pela humanidade. É por isso que a política da não ingerência de um país nos assuntos internos de outro não pode significar a relativização de certos valores, mesmo que defendê-los possa nos criar alguns incômodos. Igualmente inaceitável é desqualificar o expediente e quem está expondo a ferida.

Uma forma de ser respeitoso e solidário é, às vezes, mostrar que nem sempre aqueles que são objeto de nossa lealdade estão certos. Nossa opinião sincera é também uma forma de lealdade.

Quando as contradições são empurradas para debaixo do tapete, em nome de quaisquer alinhamentos incondicionais, não existe parceria, e sim uma relação empobrecida de assimilação. Nesse caso, a cumplicidade mata, por inanição, a coragem para mudar e tornar o mundo melhor, onde quer que isso se coloque como desafio."

terça-feira, 16 de março de 2010

"NUNCA FALAREI MAL DE MARINA"

Candidata à reeleição no Pará, a governadora petista Ana Julia Carepa não vê problema em ter aliança com o peemedebista Jader Barbalho


A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), que concorrerá à reeleição, não costuma medir elogios à senadora Marina Silva , pré-candidata do PV à Presidência. Assim como no Acre, onde o PV apoiará o senador Tião Viana (PT-AC) ao governo estadual, no Pará está quase tudo acertado para que o partido formalize apoio à reeleição da governadora.

- Tenho imenso respeito, mas imenso respeito mesmo, pela Marina. Tenho uma amizade pessoal com ela, o que ajuda muito também, independente de meu partido ter ou não candidato. É obvio que vou votar na candidata do meu partido, mas nunca ouvirão eu falar mal da Marina.

Ana Júlia disse que, embora possa ter alguma divergência com a presidenciável Marina Silva, acima disso está o seu “imenso respeito” à contribuição dela à sustentabilidade ambiental do país.

- Desconhecer essa história seria um absurdo. Isso jamais vai acontecer de minha parte - acrescentou.

Mas a governadora do Pará apoiará e votará mesmo é na correligionária Dilma Roussef, com o argumento de que a atual ministra da Casa Civil reúne condições para dar continuidade ao governo do presidente Lula. Ana Júlia Carepa prefere enxergar os pontos fortes da candidata petista, mas arrisca apontar uma vulnerabilidade:

- Diria que o ponto fraco dela é o fato de ser ainda um nome pouco conhecido.

A governadora do Pará disputará a reeleição com apoio do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), famoso como protagonista de escândalos nacionais.

- Eu lido com isso com muita tranqüilidade. Não vou discutir a moral do meu eleitor. Não vejo problema em ter aliança com Jader Barbalho. O deputado é uma liderança reconhecida no Pará.

Leia os melhores trechos da entrevista no Blog da Amazônia.

segunda-feira, 15 de março de 2010

ANA JÚLIA CAREPA E BINHO MARQUES

Uma sutil diferença

A partir daqui, de Rio Branco, capital do Acre, telefonei no sábado, 13, para a assessoria da governadora do Pará Ana Júlia Carepa (PT) e solicitei entrevista com a governadora sobre política, desenvolvimento regional, sustentabilidade etc.


Sempre gentil, na tarde desta segunda-feira, 15, a governadora paraense telefonou para este blogueiro e respondeu sem afetação à todas as perguntas. Foi a terceira vez que entrevistei Ana Júlia Carepa ao telefone.

Faz quatro anos que recorro, em vão, à assessoria do governador do Acre Binho Marques (PT) na tentativa de entrevistá-lo com exclusividade sobre os mesmos temas.

Minha última tentativa aconteceu no dia 4 de fevereiro, no Mercado Velho de Rio Branco, durante o lançamento do projeto Floresta Digital.

Velho amigo de teatro e pichação, aproximei-me de Binho Marques e apelei:

- Binho, conversa com o governador do Acre. Faz quatro anos que tento uma entrevista com ele.

- Você sabe que o governador é muito tímido - respondeu Marques, sorridente.

- Mas tente, Binho - insisti.

Meia hora depois, o governador telefonou para avisar que concederia a entrevista, mas teria que "ver a agenda direitinho".

Apesar da timidez, Binho Marques toda semana, no rádio, responde com desenvoltura perguntas da apresentadora do programa estatal "Dois dedos de prosa com o governador", além de aparecer todos os dias nos demais veículos de comunicação do Estado.

IRRESPONSABILIDADE AÉREA


O pesquisador Evandro Ferreira, do blog Ambiente Acreano, viajou de Tarauacá para Rio Branco em avião bimotor com excesso de passageiros.

Alguns passageiros estavam sentados em cima de malas, acocorados ou sentados em banquinho de madeira no corredor, sem cinto de segurança.

Veja no Ambiente Acreano.

sábado, 13 de março de 2010

ARTE E CONSUMO


Na terça-feira, 16, às 19h30, no auditório da Biblioteca da Floresta, lançamento dos documentários “Consumo e Violência”, de Sérgio Carvalho, e “Igarapé Fundo – Um igarapé no meu quintal”, de Gilberto Ávila. Ambos foram realizados coletivamente durante oficinas de cinema realizadas no ano passado.

“Igarapé Fundo – Um igarapé no meu quintal” apresenta o cotidiano, a memória e as perspectivas das famílias que moram ao redor, nas margens e até mesmo dentro do Igarapé Fundo. O documentário foi realizado por jovens moradores das proximidades do igarapé, sob a coordenação de Gilberto Ávila.

“Consumo e Violência” mostra reflexão de jovens sobre a violência consumista presente em seu cotidiano através das mídias. O documentário foi realizado por jovens moradores do bairro Nova Estação, sob a coordenação de Sérgio Carvalho.