segunda-feira, 25 de maio de 2015

MPT aciona Justiça contra governo por calamidade humanitária de imigrantes

Rotas clandestinas alimentam rentável rede de tráfico internacional de pessoas, que alavanca o comercio ilegal de arregimentação ilícita de trabalhadores 

Fotos: Altino Machado
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou na manhã desta segunda-feira (25), na 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco, uma ação civil pública inédita para exigir do governo federal a adoção de políticas públicas para efetivo acolhimento das pessoas que ingressam no país mediante solicitação de refúgio.

Nos últimos cinco anos, o Acre é a porta de entrada de fluxo migratório contínuo e crescente de estrangeiros “endividados e transtornados” que percorrem a rota Haiti-Brasil, após passagem pela República Dominicana, Panamá, Equador, Bolívia e Peru.

“Temos, no Acre, uma situação de calamidade humanitária de imigrantes caribenhos e africanos que ingressam em território brasileiro em busca de trabalho. O espírito de nossa ação é federalizar as políticas públicas de acolhimento aos trabalhadores migrantes e adoção de medidas eficazes de combate ao tráfico de pessoas pelo governo federal”, afirmou o procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre, Marcos Cutrim, em entrevista exclusiva.

As rotas clandestinas de acesso ao Brasil, pelo Estado do Acre, estão a alimentar uma rentável rede de tráfico internacional de pessoas, que alavanca o comercio ilegal de arregimentação ilícita de imigrantes, de acordo com investigação do MPT.

Tendo sua vontade anulada pela situação de penúria em que se encontram, acrescenta o MPT, os imigrantes apresentam-se como presas fáceis dos exploradores inescrupulosos que hoje atuam nos países de origem, trânsito e de destino.

Preocupava ao MPT as informações obtidas nos abrigos de estrangeiros improvisados no Acre nos últimos cinco anos, marcados por falta de políticas públicas adequadas para os trabalhadores migrantes e sua famílias.

Outro foco de preocupação foi a ocorrência das mais perversas formas de contratação pelas empresas do centro-sul do país, que se dirigiam ao Estado em busca de mão de obra haitiana e de outras nacionalidades.

Os trabalhadores eram selecionados entre homens jovens, por exemplo, pelo porte físico, espessura da canela, condições da genitália e idade inferior a 38 anos.

Médico a serviço de frigorífico seleciona trabalhador haitiano em abrigo de imigrantes no Acre

No Acre, os imigrantes são recebidos em um acampamento público, improvisado como abrigo, “mantido” pelos governos federal e estadual. Essa estrutura assegura a regularização e preparação deles como força de trabalho apta a seguir viagem e ingressar de modo particularmente precarizado no mercado laboral brasileiro.

Ao longo dos últimos cinco anos de fluxo migratório constante pela fronteira acreana, via redes de tráfico e coiotagem, não se observou nenhum debate e ação contundente por parte do governo brasileiro e dos demais países fronteiriços.

A omissão favorece a ramificação dessas redes pelo Acre e pelo Brasil, por meio de agentes que, estabelecidos no território nacional, incluindo as dependências do abrigo de imigrantes em Rio Branco, passaram a assegurar a articulação de informações necessárias para a manutenção do fluxo e do importante negócio que ele representa.

Até abril, 37,3 mil imigrantes haitianos, senegaleses e de outras 13 nacionalidades, desde 2010, ingressaram no Brasil a partir da fronteira com Bolívia e Peru, segundo dados do governo do Acre. Até setembro do ano passado, de acordo com a Polícia Federal, 39 mil haitianos haviam entrado no país, tanto pela via considerada legal como pela via ilegal.

“Nesse norte, (re)ordenar esse fluxo migratório, tornando condizente com a política internacional de proteção do homem-migrante, de modo a estancar a ação desses intermediadores, arregimentadores, aliciadores, “coiotes”, contrabandistas e traficantes internacionais de pessoas, é medida essencial a ser alcançada pela presente ação coletiva. A não ser assim, a decisão judicial favorável que vier a ser concedida servirá tão somente como elemento contemporizador das drásticas consequências oriundas desse mal originário, que é o tráfico internacional de pessoas”, argumenta o MPT.


Pesquisadores que acompanham os desdobramentos do fenômeno na Amazônia têm alertado sobre o custo em pagamentos à rede de tráfico e corrupção estruturada com o movimento migratório via Acre nos últimos cinco anos.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que realizou missão com seus oficiais e analistas, percorrendo a rota desde o Haiti até o Acre, estima que o  fluxo migratório já movimentou US$ 60 milhões. Cada imigrante, em média, paga de US$ 2 mil a US$ 5 mil à rede internacional de tráfico humano e coiotagem.

Encabeçada pelo procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre, Marcos Cutrim, a ação civil pública tem ainda como signatários os procuradores do Trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, Jonas Ratier Moreno, Luiz Carlos Michele Fabre, Renata Vieira Coelho e Cícero Rufino Pereira. Eles pedem à Justiça do Trabalho que o governo federal “seja condenado liminar e definitivamente”.

Imigrante toma banho no abrigo mantido em Rio Branco pelos governos federal e estadual

A ação civil pública, com mais de 1,8 mil páginas, reúne 35 documentos. Um dos mais relevantes, escrito a pedido do MPT, é o relatório de campo da professora Letícia Mamed, da Universidade Federal do Acre (Ufac), que desenvolve pesquisa de tese na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre a recente migração haitiana para o país.

Cutrim, que acompanha desde 2012 a situação dos imigrantes de passagem pelo Acre, por diversas vezes visitou os abrigos, em Brasileia e Rio Branco, e realizou ações de articulação interinstitucional. Ele participou de reuniões no Conselho Nacional de Imigração (CNig), nos anos 2013 e 2014, no intuito de propor soluções extrajudiciais sobre a crise migratória em curso no Acre.

“Já naquela ocasião constatou-se a necessidade do governo federal assumir a gestão dos abrigos do Acre, bem como do serviço de intermediação de mão de obra, pois é dele a responsabilidade pela definição da política migratória. No entanto, as ações tem se limitado a permitir o acesso”, afirma o procurador-chefe do MPT em Rondônia e Acre.

Procurador Marcos Cutrim
Segundo Cutrim, apesar de amplos debates no CNig, o governo federal não se mostrou capaz de dar um passo além. “O efetivo acolhimento dos trabalhadores não tem sido assumido por nenhum órgão público, salvo o governo do Acre, que até esse mês geriu as ações humanitárias de acolhida imediata. Todo o mais foi relegado a ONGs como as Pastorais do Migrante, sem uma postura decisiva do governo federal”, critica o procurador.

Na avaliação de Cutrim, a gestão do abrigo no Acre começou a falhar novamente no início deste ano, e, em razão do agravamento das condições precárias do ambiente, um grupo de procuradores do Trabalho decidiu por priorizar a atuação na questão, definindo-se a proposição de ação civil pública.

“Assim, justamente no momento em que os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ficam alarmados com reaparecimento de ônibus cheios de trabalhadores com pedido de refúgio, gerando discussões inócuas sobre quem avisou ou quem deixou de avisar, o MPT comparece para mostrar seu posicionamento, amadurecido por quase dois anos de reflexão”, acrescentou Marcos Cutrim.

Pesquisa documental da professora Letícia Mamed confirma proporcionalidade direta entre o volume do fluxo migratório e o valor total das remessas dos imigrantes haitianos aos seus parentes que permanecem no Haiti. As remessas dos imigrantes superam as exportações haitianas, sendo o país o oitavo mais dependente de remessas externas do mundo, algo que representa entre 20 e 25% do seu PIB.

Mais de um terço da população adulta do país recebe remessas regulares, sendo a maior parte proveniente dos Estados Unidos. Com a intensificação da imigração após o sismo de 2010, dados do Banco Interamericano de  Desenvolvimento indicam que o volume delas apresenta-se em crescimento: em 2010 era de apenas US$ 1,3 bilhão; em 2011, foi de quase US$ 2,1 bilhões; em 2012, alcançou US$ 1,82 bilhões. Ainda não existem dados específicos divulgados das remessas dos imigrantes para o Haiti a partir do Brasil.

Conheça os dez pedidos do MPT à Justiça do Trabalho:

1) Instituir, no prazo de dias, um serviço gratuito adequado incumbido de prestar auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, assumir a gestão financeira e institucional do(s) abrigo(s) social(is) localizado(s) no Estado do Acre e atualmente destinado(s) a albergar contingente de trabalhadores imigrantes de diversificadas nacionalidades, sobretudo caribenhos (haitianos e dominicanos), africanos (senegaleses) e asiáticos, garantindo condições materiais de subsistência e acomodação dignas, salubres e não degradantes, enquanto permanecerem em situação de documentação e trânsito naquele Estado;

2) Garantir, no prazo cinco dias, atendimento médico por profissionais especializados com conhecimento das doenças endêmicas das regiões de procedência dos trabalhadores que acedem ao Brasil pela rota do Acre;

3) Assumir, no prazo de cinco dias, por meio de seus órgãos públicos (Força Aérea Brasileira, por exemplo) ou através do fretamento de ônibus, nos termos da Lei 8.666/1993 e legislação pertinente, o transporte interestadual de trabalhadores migrantes para que possam reestruturar suas vidas em nossa sociedade e em grandes centros onde haja demanda por mão de obra, contribuindo para a proteção e promoção de seus direitos fundamentais, e de modo a evitar a superlotação do(s) Abrigo(s) de Estrangeiros existente(s) no Estado do Acre;

4) Assumir, no prazo de cinco dias, o serviço de encaminhamento para o emprego (Sistema Nacional de Emprego – SINE), que neste caso é de alçada federal, porque conexo com a política migratória humanitária brasileira, mediante a criação de unidades de atendimento que realizem as atividades necessárias à prevenção da vitimização dos trabalhadores e empregos de qualidade duvidosa;

5) Comprovar em Juízo, no prazo de 90 dias, a assunção plena de ações estatais de recepção, documentação, inserção no mercado de trabalho, assim como capacitação e disponibilização de pessoal técnico e correspondentes estruturas operacionais destinados ao atendimento do trabalhador imigrante. Sucessivamente, caso não seja cumprida a obrigação descrita no sobredito item “4”, postula-se a fixação judicial, segundo prudente arbítrio e sob critérios de razoabilidade e proporcionalidade, da universalidade das sobreditas ações político-administrativas, inclusive instituindo-se os executores das precitadas ações/tarefas, sob a vigilância do Ministério Público do Trabalho;

6) Destacar nas subsequentes Leis Orçamentárias Anuais, percentual mínimo de recursos do orçamento público federal, que deverá ser destinado às ações de acolhimento de trabalhadores migrantes em situação de vulnerabilidade e seus familiares;

7) Realizar ações concretas para coibir o trafico internacional de pessoas (trabalhadores imigrantes), mediante efetiva mobilização da Polícia Federal e dos órgãos responsáveis pela cooperação jurídica internacional, para a concretização de ações de investigação e punição dos responsáveis (“coiotes”, traficantes e contrabandistas) pela gestão das rotas terrestres;

8) Realizar ações concretas para coibir o tráfico internacional de pessoas (trabalhadores imigrantes), mediante efetiva mobilização nos serviços diplomáticos, para coibir a consolidação ou criação de novas rotas de entrada no país que impliquem a vulneração da dignidade do trabalhador migrante;

9) Indenizar a sociedade no valor de R$ 50 milhões por dano moral coletivo, na forma do artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública, cujo montante será destinado futuramente à promoção de políticas públicas de acolhimento para trabalhadores migrantes portadores de visto humanitário, a serem indicadas oportunamente pelo Ministério Público do Trabalho, no decorrer da tramitação da ação civil;

10) Fixar, pelo descumprimento da decisão antecipatória e da decisão definitiva, o pagamento de multa diária no valor de R$ 100 mil por obrigação descumprida, cuja destinação deverá atender, na máxima medida possível, a reconstituição dos bens jurídicos lesados, a critério do Ministério Público do Trabalho.

NA ROTA Até o Acre, imigrantes são vítimas de roubos, cárceres, espancamentos, estupros e mortes

No denso e detalhado relatório de campo que a professora Letícia Mamed produziu para o MPT, ao qual a reportagem teve acesso, consta que do Haiti ao Brasil, os imigrantes pagam, em média, de US$ 2 mil a US$ 5 mil pela viagem em grupos até o Acre. Ao todo, a viagem do Haiti ao Brasil tem uma duração média de 15 dias a 20 dias, podendo, em alguns casos, se estender até mais de um mês.

Os imigrantes saem, em sua maioria, da capital haitiana, Porto Príncipe, e seguem de ônibus até Santo Domingo, capital da República Dominicana, que fica na mesma ilha, onde compram passagem de avião ou barco e seguem até o Panamá. Da Cidade do Panamá, prosseguem de avião para Quito ou Quayaquil, as duas maiores cidades do Equador.

Ao desembarcarem no Equador, os imigrantes passam pelo serviço de fiscalização do aeroporto como turistas, se reorganizam durante alguns dias e seguem em viagem para Lima, capital do Peru, em ônibus ou veículo fretado, segundo alguns relatos, com trechos percorridos a pé.

Nesse percurso, evitam a cidade peruana de Tumbes, na fronteira entre Equador e Peru, onde há o serviço policial de migração dos dois países. Para tanto, os coiotes conduzem os grupos de imigrantes por rotas alternativas (florestas, ramais, travessia de rios a nado) até o ingresso em território peruano.

No Peru, passam pelas cidades de Mâncora, Talara, Piura, Chiclayo, Trujilo, Chimbote, Huaraz, até chegarem a Lima, após viagem terrestre com duração, em média, de 25 a 30 horas. Em Lima, também há uma reorganização da viagem durante alguns dias, mas ela segue por via terrestre, pela rodovia Interoceânica, responsável pela ligação do Peru ao Brasil.

Partindo de Lima, passam por Cusco e chegam a Puerto Maldonado, capital do departamento de Madre de Dios, que faz fronteira com o Acre. A viagem de Lima até a fronteira dura cerca de 25 horas. Em Puerto Maldonado, os coiotes definem o prosseguimento em táxi ou em carros alugados, que levam os imigrantes até Iñapari, cidade peruana separada de Assis Brasil (AC) pelo Rio Acre. Nesse trecho a viagem dura mais quatro horas.

No Posto Alfandegário de Assis Brasil, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, os imigrantes se apresentam ao serviço de controle migratório da Polícia Federal, para registrar em seus passaportes a data de ingresso em território brasileiro.

Após isso, pela mesma rodovia Interoceânica, seguem até as cidades gêmeas de Epitaciolândia e Brasiléia, onde existe a delegacia de Polícia Federal responsável pela região de fronteira, unidade na qual dão entrada à solicitação de refúgio. De Epitaciolândia até Rio Branco, onde existe um abrigo, são 235 quilômetros na BR-317, e os imigrantes enfrentam mais duas ou três horas de viagem de táxi.

Sem dinheiro, alguns percorrem parte do trecho a pé pedindo carona. Excetuando os haitianos, os imigrantes das demais nacionalidades, que não se beneficiam do visto humanitário, fazem o mesmo percurso fugindo da fiscalização. Quando chegam em Rio Branco, os imigrantes buscam a sede da Superintendência da Polícia Federal para se regularizarem e seguir viagem para outras regiões do país.

Até abril de 2014, estava sediado na cidade de Brasileia o acampamento público de acolhida dos imigrantes. Entretanto, após a mudança dessa estrutura de serviço para Rio Branco, depois de passarem pela PF, os imigrantes se dirigem até o novo endereço do abrigo.

“O trecho da viagem pelo território peruano, além de ser o mais longo, também é indicado pelos entrevistados como o mais perigoso, em razão das práticas de extorsão contra os imigrantes. De acordo com inúmeros relatos e denúncias, agentes da própria polícia peruana, associados a informantes, coiotes e motoristas, compõem essa rede de tráfico e corrupção, assegurando a dinâmica migratória pela região”, assinala a professora Letícia Mamed.

Em relatos mais pontuais sobre a viagem, imigrantes lembram que nesse trecho muitos se tornam vítimas de roubo, cárcere, espancamentos, estupros e até mortes, situação que é agravada pelo desconhecimento da rota, do idioma local e especialmente pela condição de indocumentados. “Assim, ao chegarem ao Acre, muitos apresentam problemas de saúde decorrentes da longa viagem e estão psicologicamente transtornados pela violência que sofreram no caminho”, acrescenta a professora.

Letícia Mamed assinala que a consolidação da rota migratória inaugurada pelos haitianos até o Acre despertou a chegada de imigrantes de outros países ao acampamento montado em Rio Branco.

Segundo dados oficiais divulgados recentemente, 13 diferentes nacionalidades, além do Haiti, possuem registro de passagem pelo local: Bahamas, Bangladesh, Camarões, Colômbia, Cuba, Equador, Gâmbia, Gana, Mauritânia, República Dominicana, Senegal e Serra Leoa. “Mas, independente das rotas percorridas, todos chegam em grupos e a partir do contato com as redes de tráfico de pessoas”, afirma a pesquisadora.

Ela destaca a presença dos imigrantes advindos do continente africano, especialmente os senegaleses, cujo número vem crescendo de modo considerável desde o ano de 2013, fazendo deste o segundo maior grupo de estrangeiros presentes no Acre.

Entretanto, embora a chegada ao Acre seja, em grande parte, pela mesma rota entre Equador, Peru e Brasil, e todos sejam recebidos igualmente no acampamento de imigrantes, a convivência entre eles nem sempre é cordial e solidária.

A rota percorrida pelos imigrantes africanos inicia de avião, em Dakar, capital senegalesa, e inclui escala em Madri, na Espanha, e prossegue para o Equador. Ao chegarem em Quito ou Guayaquil, os imigarantes passam então a seguir a mesma rota dos haitianos até o Acre, via Interoceânica.

Situação de todos os banheiros do abrigo de imigrantes

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Samaúma

Em Rondônia, no cenário de devastação ao longo da BR-364, a beleza das samaúmas resiste na paisagem

terça-feira, 12 de maio de 2015

‘Minha liberdade feriu liberdade de outros. Errei’, diz vocalista que queimou Bíblia

O vocalista da banda Violação Anal, Roberto Oliveira, que queimou um exemplar da Bíblia Sagrada durante apresentação no sarau do 4º Encontro Nacional dos Ateus e Agnósticos, realizado há uma semana no campus da Universidade Federal do Acre (Ufac), divulgou uma carta em resposta à carta aberta que o reitor da catedral Nossa Senhora de Nazareth e coordenador da Pastoral Diocesana em Rio Branco, padre Mássimo Lombardi, escreveu e publicou nas redes sociais sobre a polêmica atitude.

Acadêmico de filosofia na Ufac e chapeiro de sanduíche numa lanchonete, Roberto Oliveira foi demitido após a patroa ser pressionada nas redes sociais com a alegação de que clientes deixariam de comer no estabelecimento caso ele continuasse empregado.

Leia a carta de Roberto Oliveira ao padre Mássimo Lombardi:

"Querido Padre Massimo,

Fiquei muito feliz em ler a sua carta direcionada para mim. Pois, desde sempre, o senhor é um referencial em minha vida. Um exemplo como cristão, sempre dedicado a seu serviço e ao amor aos seus semelhantes. Desta maneira, suas palavras me tocaram, pela sensibilidade e carinho em cada letra.

Pela minha formação cristã, pois, também, sou ex-seminarista, como bem sabe, vejo-o como o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas, que deixa as 99 ovelhas que estão apascentadas e vai em busca daquela única ovelha que se perdeu.

Na minha busca incessante pela afirmação de minha vida, existência e ideais, acabei me afastando de alguns valores e posicionamentos, acabei adquirindo uma visão mais crítica em alguns pontos, o que acabou por me endurecer um pouco mais e que me levaram a cometer este protesto. Acabei por incorrer em um solipsismo.

Na tentativa de combater um fundamentalismo extremado por meio de uma performance artística, acabei me posicionando de forma equivocada, pois meu ato se configurou desrespeitoso, principalmente, devido a visão sensacionalista de parte da mídia, que julgou, sem ao menos saber os motivos do meu protesto.

Digo que se configurou, pois em mim não existia a intenção de ofender ninguém. Deixo claro meu respeito por toda as religiões e reconheço o papel fundamental que o cristianismo teve em minha formação. Busquei apenas chamar atenção para os abusos que sofremos diariamente por parte de religiosos extremistas e radicais.

É certo que, no exercício da minha liberdade de expressão, acabei por ferir o direito à liberdade de outros, agora vejo e compreendo isso. Compreendo que errei. Não no conteúdo de minha crítica, mas na forma. Neste ponto, concordo plenamente com o senhor, precisamos buscar outros meios de combate ao fundamentalismo, com diálogo e o respeito mútuo. Do contrário, corremos o risco de nos tornarmos iguais ao que combatemos.

E, por mais que eu possa e tente me explicar, sinto não poder aplacar a fúria e o julgamento, também extremado, daqueles que se posicionam contra meu ato, contra minha pessoa. Em meio a isso tudo, consigo compreender o verdadeiro significado do que seja a intolerância. E isso me faz refletir, que a tolerância e o respeito são essenciais em todas as esferas da sociedade, porquê a sua ausência pode trazer à tona o que existe de mais feio e pernicioso na natureza das pessoas.

Estou sendo perseguido, afrontado e constantemente atacado por pessoas que se dizem cristãs. A luz de tudo o que já vivenciei, acredito que elas não entenderam a verdadeira mensagem de Jesus, pois, se me recordo bem, o princípio fundamental do cristianismo é o amor, incondicional. Pessoas que tiram fotos com suas Bíblias com tom ameaçador e me enviam por redes sociais com ofensas, ou que proferem palavras de ódio a mim, não acredito que vivam plenamente este amor. Por isso, sua carta me tocou tanto e me levou a uma profunda reflexão.

Se me recordo bem, outro importante ensinamento que o senhor me deu, no decorrer de minha formação, é o que devemos ser rápidos em perdoar e lentos em condenar. Todos somos passiveis de incorrer em erro e a possibilidade de nos corrigirmos geralmente vem seguida de perdão.

Da mesma forma que me posiciono contra as coisas que não acredito, existem outros que o fazem, e entendo toda esta revolta de alguns que se dizem cristãos. Reconheço, padre, que posso ter exagerado, porém, creio que, mesmo de maneira equivocada, acabei por trazer à tona um importante debate para a sociedade em que vivemos, o da tolerância, principalmente, em um mundo que o fundamentalismo parece crescer. Neste sentido, a performance surtiu efeito. Por outro lado quero pedir desculpas a todos os Cristãos não radicais que se sentiram ofendidos, pois, definitivamente, esta não foi a intenção.

Exemplo melhor disso, são as muitas pessoas dignas do meu respeito, que mesmo não aceitando o que fiz, entenderam o que busquei denunciar e me apoiam neste momento tão complicado de perseguição. Já perdi meu trabalho e, como já disse, estou recebendo diversas ameaças, inflamadas por personalidades religiosas públicas e pela mídia sensacionalista.

Não acredito que ferir um princípio constitucional de liberdade de crença, pudesse, além de me imputar uma penalidade, fazer surgir uma inquisição. E isto, em pleno século XXI, me deixa assustado e me faz pensar, que meu ato não foi vazio de razão.

Espero que toda esta polêmica tenha servido para algo, esta também é a função da arte. Que nem sempre é puro entretenimento e também tem a função de incomodar e trazer a reflexão. Lembremos do ocorrido com o atentado na revista Charlie, quando o mundo debateu os limites da arte e o perigo do crescimento do fundamentalismo religioso, no caso Islâmico.

Pelo menos, o que desejo, é que as pessoas possam ter refletido e tirado algum aprendizado e reflexão. Para mim, todo o ocorrido, só fortaleceu alguns conceitos que tenho previamente estabelecidos: de que existe muita coisa podre na política, que a mídia usada de má fé pode ser algo totalmente destrutivo e trazer prejuízos irreversíveis e que o fundamentalismo religioso também e outras formas impositivas de posicionamento, devem ser combatidas prioritariamente no campo das idéias, mas com o bom uso da razão.

Para mim, seu apoio neste momento é fundamental, pois meu caso, ultrapassa os limites da simples compreensão das pessoas, uma vez que se percebe um jogo de interesses bem maior em torno da questão, que já não diz respeito somente aos cristãos e a queima da bíblia, mas ao oportunismo político em torno dos fatos.

Assumo as consequências dos meus atos e reconheço que minha crítica poderia ter sido feita de uma outra forma, menos agressiva. Por fim, querido padre, obrigado por suas palavras, pois reacende a esperança em meu coração e a certeza que nem todos os religiosos são fundamentalistas e que acreditar o contrário é cair no mesmo erro.

Sem mais, deste que sempre irá lhe admirar enquanto sacerdote, mas acima de tudo como o ser humano, amigo verdadeiro e modelo para aqueles que se dizem cristãos."

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Governo vai mudar regras de arrecadação do ICMS e preocupa empresários do Acre

Secretária Floras Valadares

A equipe econômica do governo do Acre se movimenta com pressa para apresentar à Assembleia Legislativa novo regulamento de fiscalização e cobrança do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias (ICMS).

A secretária de Fazenda, Flora Valadares Coelho, confirmou a informação, mas ponderou que “a proposta ainda não está fechada” e depende do diálogo que foi aberto com as entidades que representam o setor produtivo do Estado.

“Não fechamos o projeto, estamos ainda com algumas reuniões, ouvindo os empresários de grande, pequeno e médio porte. Faremos alguns ajustes para facilitar e dar mais racionalidade e legitimidade à nossa cobrança. Quando a lei foi aprovada, em 1998, o tamanho do Estado era um, mas agora é outro”, afirmou a secretária.

Por causa da disposição do governo em mudar a lei do ICMS estadual, o presidente da Associação Comercial do Acre (Acisa), Jurilande Aragão, começou a convocar nesta segunda-feira (11) uma reunião, para às 19h, com todos os associados.

“A maneira de fiscalizar e cobrar, que começou na gestão do governador Jorge Viana, será modificada e isso terá um impacto muito forte. O que está mais me preocupando é o pequeno comerciante, sendo que muitos não têm sequer noção do que vai ser. Nós queremos evitar que nos acusem de estar preocupados apenas com os grandes. O governo vai sugar o sangue de quem já está anêmico”, afirmou o presidente da Acisa.

A reportagem apurou que o Estado do Acre, em dificuldade orçamentária e sem margem para contrair novos empréstimos, pretende desencadear nos próximos meses, após a aprovação da mudança da lei do ICMS, uma ampla operação de arrecadação.

Nos últimos dias, a toque de caixa, o governo decidiu fazer alterações no sistema da Secretaria de Fazenda com vistas a cobrar mais de 400 mil notas que não foram internalizadas. Nem todas vão gerar imposto por causa, por exemplo, de operações de devoluções e troca. O fato é que os procedimentos têm que permitir ao fisco correr o olho em toda e qualquer nota que o próprio fisco autoriza.

De acordo com a lei, se o contribuinte compra uma mercadoria fora do Estado, mas não for notificado no prazo de 60 dias pelo fisco para o recolhimento do ICMS, o contribuinte tem a obrigação de procurá-lo e declarar a nota para que seja apurado o ICMS a ser recolhido.

“Nós nunca aplicamos isso, mas agora, em tempos de crise, será cobrado o ICMS devido mais 75% de multa pelo fato do contribuinte não ter procurado o fisco. Isso é uma judiação? É lei? Sim, é lei, mas os Estado tem o dever de difundir a educação fiscal, difundir o risco fiscal, e esse tipo de campanha não se vê, infelizmente. Estamos nos preparando para choro e ranger de dentes nos próximos meses ”, relatou uma fonte do governo em tom de  autocrítica.

Em 2013, o Ministério Público do Acre pediu a relação e situação dos 300 maiores devedores do ICMS do Estado, motivado por uma denúncia de favorecimento de algumas empresas junto ao fisco. Do total, o MPE solicitou os processos de pedido de crédito, com os respectivos encontros de contas, de oito contribuintes. Os dados foram todos entregues, mas o resultado é desconhecido após dois anos.

O governo quer mudar para o sistema que achava arcaico e vulnerável, em 1999, e agora os empresários querem permanecer com o modelo que tanto criticavam.

Queda da arrecadação de ICMS nos primeiros quatro meses de 2015

R$ 92.678.991,31 (janeiro)
R$ 83.133.800,10 (fevereiro)
R$ 87.717.591,38 (março)
R$ 70.554.152,33 (abril)

sábado, 9 de maio de 2015

Comando do 4º BIS vai identificar militares que jogaram lixo em APA de Rio Branco


O comando do 4º BIS (Batalhão de Infantaria de Selva) assumiu posição de franqueza, transparência e humildade para esclarecer a respeito da guarnição formada por três soldados que usaram caminhão do Exército para despejar lixo quartel, às 15h40 desta sexta-feira (8), na estrada da APA (Área de Proteção Ambiental) Raimundo Irineu Serra, em Rio Branco.

A reportagem foi procurada pelo capitão Tássio Oliveira, oficial de Comunicação Social do 4º BIS, que enviou uma nota de esclarecimento em nome do comandante, o tenente coronel Medeiros Júnior.

De acordo com a nota, “medidas administrativas estão sendo tomadas para identificar os responsáveis e evitar que atitudes como esta voltem a ocorrer”. “O Comando do Batalhão ratifica que o Exército não pactua com qualquer ação que venha a macular o meio ambiente”.

“Ao mesmo tempo em que foram iniciados os procedimentos para apurar os responsáveis, o Comando do Batalhão determinou que fossem tomadas medidas para a imediata limpeza do local, buscando minimizar o impacto ambiental do evento”, acrescenta a nota.

O oficial de Comunicação Social do 4º BIS agradeceu pela divulgação do fato. “Caso não tivesse sido noticiado, o nosso comandante não teria como saber a respeito do fato”, afirmou o capitão Tássio Oliveira.

A nota assinala que o Exército Brasileiro é uma instituição que se preocupa com a gestão ambiental e que “o Comando de Fronteira Acre/4º Batalhão de Infantaria de Selva, sediado em Rio Branco (AC), possui um plano de gestão ambiental que normatiza e regula as atividades relacionadas a este assunto”.

O comando do 4º BIS afirma que o lixo jogado na APA Raimundo Irineu Serra “foi um fato isolado, contrário às normas específicas do comando do Batalhão”.

Leia a nota na íntegra:

MINISTÉRIO DA DEFESA
EXÉRCITO BRASILEIRO
COMANDO FRONTEIRA ACRE/4º BIS
(4ª Cia Fron/1956)
BATALHÃO PLÁCIDO DE CASTRO

NOTA À IMPRENSA

Lixo em Área de Proteção Ambiental 

 
O Exército Brasileiro é uma Instituição que se preocupa com a gestão ambiental, tanto que o Comandante do Exército aprovou e fez entrar em vigor a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (PGAEB), em consonância com a Política Nacional de Meio Ambiente, visando assegurar o aperfeiçoamento contínuo do desempenho do Exército no tocante à preservação, proteção e melhoria da qualidade ambiental.

O Comando de Fronteira Acre/ 4º Batalhão de Infantaria de Selva, sediado em Rio Branco-Acre, possui um plano de gestão ambiental que normatiza e regula as atividades relacionadas a este assunto.

Na manhã deste sábado (9), o Comandante do Comando de Fronteira Acre/ 4º Batalhão de Infantaria de Selva tomou ciência que militares do Batalhão haviam despejado lixo em Área de Preservação Ambiental, no município de Rio Branco (AC).

Ao mesmo tempo em que foram iniciados os procedimentos para apurar os responsáveis, o Comando do Batalhão determinou que fossem tomadas medidas para a imediata limpeza do local, buscando minimizar o impacto ambiental do evento.

Como é notório nas áreas militares da região, o 4º BIS empenha-se na preservação, proteção e melhoria da qualidade ambiental, o que comprova que este foi um fato isolado, contrário as normas específicas do comando do Batalhão.

Enfatizamos, ainda, que medidas administrativas estão sendo tomadas para identificar os responsáveis e evitar que atitudes como esta voltem a ocorrer.

O Comando do Batalhão ratifica que o Exército não pactua com qualquer ação que venha a macular o meio ambiente. 

Outros esclarecimentos poderão ser obtidos junto à Seção de Comunicação Social do Comando de Fronteira Acre/ 4º Batalhão de Infantaria de Selva, por intermédio dos telefones: (68) 3216-2916, 9905-7607; ou pelo e-mail: comsoccfacbis@gmail.com.

Atenciosamente,

COMANDO DE FRONTEIRA ACRE/ 4º BATALHÃO DE INFANTARIA DE SELVA
EXÉRCITO BRASILEIRO
BRAÇO FORTE – MÃO AMIGA


Opinião do blogueiro

Que o trabalho da Seção de Comunicação Social do 4º Batalhão de Infantaria de Selva sirva de exemplo a mais gente no Acre, sobretudo àqueles que costumam atacar jornalistas em casos semelhantes.

No Acre, soldados do Exército jogam lixo do 4º BIS em Área de Proteção Ambiental


Uma guarnição formada por três soldados do Exército Brasileiro, em caminhão toco do 4º BIS (Batalhão de Infantaria e Selva), se deslocou do quartel para despejar lixo, às 15h40 desta sexta-feira (8), na estrada da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra.

A vergonhosa operação dos homens do 4º BIS foi presenciada pelos moradores da APA. A Estrada Raimundo Irineu Serra chegou a ficar obstruída e os moradores tiveram que deslocar a montanha de lixo para a margem, restabelecendo o tráfego no final da via, que não é asfaltado.

Uma equipe da Semeia (Secretaria Municipal de Meio Ambiente) foi acionada, vasculhou o lixo, mas anunciou aos moradores que nada poderia ser feito porque não havia indícios que pudessem permitir a identificação de qual batalhão é a autoria do crime.

Na manhã desta sábado (9), à luz do dia, ainda continua exposto na estrada documentos do Exército Brasileiro, camisetas, cabos de impressoras, disco rígido, controle remoto, livros e outros materiais descartados pelos militares.


Num dos documentos, intitulado “Quadro da rede rádio do comando de fronteira Acre 4º BIS”, além da escala, consta os telefones para contato dos “destacados”. No final do documento, trecho da Oração do Guerreiro da Selva: “Mas se defendendo esta brasileira Amazônia/ Tivermos que perecer, ó Deus/ Que façamos com dignidade/ E mereçamos a vitória! Selva!”.

Os moradores esperam que a Promotoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica do Baixo do Acre, chefiada pela promotora de Justiça Meri Cristina Amaral Gonçalves, adote as providências que julgar necessárias para apurar a ação criminosa dos homens do Exército Brasileiro.

Também esperam que o comandante do 4º BIS, tenente coronel Medeiros Júnior, identifique qual de seus subordinados ordenou que a guarnição fosse jogar lixo na estrada da Área de Proteção Ambiental.




sexta-feira, 8 de maio de 2015

Suspensão de saraus, violação de direitos e tirania na Universidade Federal do Acre

POR GERSON ALBUQUERQUE

O teor do "comunicado" da reitoria (veja), publicado no site oficial da Universidade Federal do Acre (Ufac), desde a última terça-feira (15), causa certo mal-estar por sua tonalidade autoritária e por, em princípio, tratar todos os estudantes da instituição e demais pessoas que organizam ou participam dos saraus (shows musicais e outras atividades artísticas) no interior da instituição como potenciais "depredadores do patrimônio" ou, se seguirmos os muitos sentidos dicionarizados do verbo depredar, depauperadores, destruidores, arrasadores, assoladores, arruinadores, saqueadores etc, etc, etc…

"É sabido", diz a reitoria da Ufac, na abertura de seu comunicado. Mas, quem sabe? Com quem a administração dialoga? Que lógica patriarcal e de controle dos movimentos estudantis presidiu a ação da reitoria que, de acordo com suas palavras, "nos últimos dois anos (...) buscou auxiliar e orientar as representações discentes" na organização de eventos culturais ou festas de "socialização e integração" no interior do campus universitário? Creio que seria de bom alvitre trazer ao conhecimento público essas práticas assistencialistas ou, por que não dizer, clientelísticas, reproduzindo em âmbito interno, as conhecidas trocas de favores à base do "toma lá, dá cá" que tem norteado o mise en scène de gestores da “res publica” no Estado do Acre e no país, no passado e no presente.

Fiel à sua linha de abstração, segue o comunicado da reitoria, afirmando que "constataram-se acontecimentos desagradáveis, principalmente referentes à depredação patrimonial". Quem constatou? Quais "acontecimentos desagradáveis" foram constatados? Quem os tipificou? Quem os promoveu? Quem são os sujeitos da "depredação patrimonial"?

Não obstante ao seu caráter atravessado, tal comunicado não apenas coloca sob suspeição uma parte significativa da comunidade universitária e demais participantes dos saraus, mas interdita o espaço público, ao "suspender" ou, o que dá no mesmo, desautorizar, proibir o uso e ocupação dos espaços coletivos dos estacionamentos e praças públicas no interior do campus universitário da Ufac para manifestações de natureza artístico-culturais e políticas, se levarmos em consideração o teor das propostas de bandas e grupos que têm se apresentado em saraus nesta instituição, à exemplo das bandas: "Violação Anal", "Os discordantes", "Mártires", "Camundogs", "Raul Seixas Experiência", "Mogno", "Psicofloral", "ZooHumanos", "Filomedusa", "Parafal", "Guerilha", Rock Accalim, Caligulove, Pink Pussy, Renegado’s, Boldo & Menta, Rasta Crew, entre outras.

É completamente paradoxal que a "Administração Superior" da Ufac, para justificar a interdição, mesmo que temporária, dos espaços públicos da instituição, se utilize do argumento de que está preocupada em garantir "condições adequadas à segurança dos participantes nos eventos internos e resguardar o patrimônio", tendo ciência que o campus sede não dispõe sequer de um Plano ou Sistema de Segurança cotidiana ao patrimônio público e, fundamentalmente, a todos os servidores e estudantes que integram a comunidade universitária ou às pessoas da comunidade que frequentam a instituição diariamente.

Mais paradoxal ainda é lermos que a "Administração Superior" informa que "a realização de saraus ou atividades correlatas está suspensa até o momento em que sejam institucionalizados mecanismos necessários ao bom funcionamento de tais eventos". É estranho ler tais palavras logo em seguida ao seu signatário entoar sua suposta preocupação com a "segurança dos participantes" dos saraus, bem como do patrimônio. Será que vem aí mais uma obra alienígena, uma espécie de "saraulódromo", com seguranças terceirizados fortemente armados e toda uma parafernália de iluminação e sinalizadores leds, regulando horários de entrada e saída, comportamentos e vestimentas adequadas para adentrar aos saraus, proibições de beijos, fumos, bebidas e outras manifestações “pecaminosas”?

O fato é que a reitoria da UFAC, ao suspender a realização dos saraus, passa por cima do próprio Regimento Geral, cujos aspectos disciplinares e absurdos artigos que dizem respeito ao acesso e permanência nos campi da instituição, foram ciosamente reformulados no início de sua gestão, inclusive, conferindo à vigilância o poder de “encaminhar” possíveis retardatários para fora dos espaços/ambientes institucionais, de forma voluntária “ou com auxílio policial, se for necessário”. Além do mais, não podemos esquecer que as “novas” normas institucionais – e inconstitucionais – atribuem ao reitor o poder de “determinar, excepcionalmente, a suspensão preventiva” de alunos acusados de “infrações cometidas com fortes indícios de autoria”.

A decisão de interditar os espaços públicos da instituição, constante do Comunicado em questão, é autoritária em todos os sentidos e deixa transparecer o que está por trás da máscara da "reitoria dos alunos", que administra a instituição de maneira “moderna” pelo virtual mundo do Facebook e WhatsApp. Uma gestão que, incapaz de dialogar com os contrários, ou seja, incapaz de conviver com pensamentos, opiniões e valores diferentes dos seus, trata de silenciar-lhes ou, "democraticamente", intimidar-lhes valendo-se, fortuita e equivocadamente, das prerrogativas do mandato legal, exercitando-se com base naquilo que Lima Barreto, em sua obra “Triste fim de Policarpo Quaresma”, classificou como uma "tirania doméstica. O bebê portou-se mal, castiga-se".

Nessa direção, o "Comunicado da reitoria" é explícito: durante os dois primeiros anos, a administração da Ufac "buscou auxiliar" os alunos na realização dos saraus e, enquanto os mesmos "comportaram-se bem", tal auxílio estava assegurado, inclusive com "mimos" institucionais. Porém, a partir do momento em que, por razões que o Comunicado não explicita, os alunos “comportaram-se mal”, os mesmos merecem o castigo da interdição ou suspensão de seus direitos e liberdades até que aqueles que sabem o que é bom para todos, ou seja, até que a irmandade de “administradores superiores” formulem e apliquem regras/mecanismos e sanções institucionais "necessários ao bom funcionamento de tais eventos".

Encerro entrecruzando minhas veredas com as de Guimarães Rosa, para quem “aprender-a-viver é que é o viver mesmo”. Aprendemos a viver vivendo nossos pontos de vista e nossas opiniões como parte dos nossos compromissos com as causas e com os homens de nosso tempo: fazemos escolhas e as minhas são contrárias ao silêncio pusilânime e à omissão frente às artimanhas de “podres poderes” que violam as liberdades e impõem o tacão institucional, difundindo suas fantasias na vã tentativa de controle das mentes e dos corpos e na contramão dos princípios que devem nortear a gestão de uma instituição pública de ensino.

Gerson Albuquerque é professor associado ao Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Centro nobre de Rio Branco

Palácio da Justiça, Catedral Nossa Senhora de Nazareth, Palácio do Bispo, Palácio Rio Branco, além de fuscas, jeep, maverick e pick up na Av. Getúlio Vargas, no centro de Rio Branco (AC), em 1970. Do acervo de Orlando Testi.

Ponte Juscelino Kubitschek, em Rio Branco

Construção da ponte Juscelino Kubitschek em foto do amigo italiano Orlando Testi, ex-padre em Rio Branco, autor de outras imagens históricas quando de sua passagem pelo Acre na juventude

A Pernambucana

Do tempo em que os pais sonhavam que os filhos fossem funcionários do Banco do Brasil ou das lojas A Pernambucana. "Cores firmes", "Completo sortimento", "Preços fixos". Na Av. Getúlio Vargas.

Rio Branco em cartão postal

Vista aérea de Rio Branco na segunda metade da década de 1970, em foto de Américo de Mello


Américo de Mello

Fotógrafo que haverá de completar 88 anos no dia 2 de junho, dono de um acervo memorável de imagens do Acre, que está sob os cuidados do filho Antonio Mello, em São Paulo. Na sequência, dois cartões postais com vista aérea de Rio Branco na segunda metade da década de 1970, de autoria do velho Mello, que não larga sua Nikon e a quem desejo vida longa.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Rio Branco (AC), Av. Ceará

Trecho da Av. Ceará, entre a Rua Mal. Deodoro e Av Getúlio Vargas, tendo ao fundo, à esquerda, o prédio onde funcionava a Universidade Federal do Acre, possivelmente na década de 1970.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Na “República dos Procuradores”, vice ganha mais do que governador do Acre

Edinei Muniz

Que o Acre é um Estado atípico não se discute. Já tivemos a República de Galvez, a República de Chico Mendes, e, atualmente, temos a República dos Procuradores do Estado, que estão aboletados nos principais cargos públicos do Poder Executivo. Desde o início do governo petista, em 1999, com Jorge Viana, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) vem sendo tratada como a prima-dona, a menina dos olhos do governo.

Órgão consultivo e responsável pela defesa do Estado (lato sensu), a PGE vem, sistematicamente, passando por um processo de modernização e, deste modo, está se tornando um órgão de excelência, o que é bom e louvável. O problema ocorre em detrimento das demais secretarias do governo que não recebem, nem de longe, o mesmo tratamento. E o que é pior: em detrimento da independência funcional.

Conta com lei orgânica (LCE 45/1994) que, entre outras prerrogativas, atribui, por exemplo, recebimento de diárias de viagens, por todos seus membros, com valor equivalente aos secretários de estado. Não se submete ao teto salarial do governador do estado (como todos os outros servidores), tampouco ao teto estabelecido na Constituição Federal. O teto deles, com base em interpretação deles próprios, é o valor dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, hoje R$ 33.763,00.

Atualmente, no governo da Frente Popular, os procuradores de estado ocupam os principais cargos na administração estadual, o que, claro, não é ilegal, mas não deixa de ser tremendamente estranho e danoso para a institucionalidade, eis que atinge o que ela mais precisa para bem defender os interesses do Estado do Acre (e não do grupo de poder instalado): a independência funcional.

Não percam a conta: a procuradora Márcia Regina ocupa a chefia da Casa Civil do governo. Tem ainda à sua disposição o subchefe da pasta que, por lei “inventada” pelos próprios procuradores para ampliar o já amplo nicho de poder que ocupam, deve ser ocupada por um procurador de estado. O subchefe da Casa Civil é o procurador Marcos Mota. A Casa Civil, numa linguagem popular, é a cozinha do governador e de onde irradia boa parte do poder do cargo.

Vamos em frente. A procuradora Nazareth Araújo, como todos sabem, é  a vice-governadora. Gosta tanto da procuradoria que optou pelo salário de procuradora, no caso dela, R$ 33.763,00. A vice ganha hoje mais que o governador Tião Viana. O salário do governador é R$ 30 mil. Conta ainda com a assessoria de Edson Manchini, que é procurador e já foi Controlador-Geral do Estado.

Na Secretaria de Saúde, palco permanente de sérios embates judiciais entre a Defensoria Pública e a Procuradoria do Estado, temos o procurador Armando Melo.

Numa outra esfera do poder petista, temos o Paulo Barreto, que é procurador do estado, ocupando o cargo de subchefe da Casa Civil da prefeitura de Rio Branco.

O ex-presidente do Tribunal de Justiça, Roberto Barros, como todos sabem, era procurador de carreira e foi indicado para o cargo de desembargador na vaga do quinto constitucional da OAB em razão do lobby de duas procuradoras: Marcia Regina e Nazareth Araújo.

E a fome de poder da procuradoria não cessa. O próximo integrante da República dos Procuradores será o procurador Cristovam Messias. Irá para a Direção-Geral do Departamento de Estradas e Rodagens do Acre, conforme anúncio informal do próprio governador.

O Deracre, a mais nova conquista da PGE, é hoje o maior “cliente” da Procuradoria-Geral do Estado, em especial, em razão de demandas que se avolumam no Tribunal de Contas da União envolvendo fatos assombrosos, a imensa maioria, a revelar a forma nada republicana como se gasta dinheiro público no Acre.

Forçando um pouco a barra (irão entender em seguida a forçada), temos ainda a procuradora Maria Lídia na Procuradoria Geral e Cristovam Messias como Procurador-Geral Adjunto, cargos que, pela Lei da PGE, nem precisam ser necessariamente ocupados por um procurador de carreira.

O interessante é que a mesma lei que diz não serem tais cargos, o de Procurador-Adjunto e o de Procurador-Geral, privativos de “procuradores” diz também que o cargo de subchefe da Casa Civil - em flagrante incoerência, mal calculada pela sede de poder dos procuradores – só pode ser preenchido por procurador de carreira. Essa, apesar do enorme esforço, não consegui entender. Será uma pequena reserva de poder para o futuro, quando a República dos Procuradores voltar a se chamar Estado do Acre?

O estranho nisso tudo é que nenhum deles, e vejam que são muitos, quando empossados, optou pelo salário (vencimento) da pasta. Porque será?

Pois é por tudo isso que repetimos: o Acre é mesmo atípico. No Acre, o mesmo onde o governador do estado amplia a dívida pública em mais de R$ 1 bilhão em apenas oito meses - e em pleno período eleitoral - supostamente estuprando a Lei de Responsabilidade Fiscal, a procuradoria do estado virou, com todo respeito à instituição e aos demais integrantes do órgão, banca de advocacia do poder, confundindo e misturando, perigosamente, os limites entre os interesses do “Estado do Acre” com os “interesses políticos” do atual grupo de poder.

Com todo respeito à instituição PGE, mas transmutação do caráter “consultivo” do órgão em “instância de decisão política”, como ocorre na prática em razão vácuo deixado pela fragilidade de Tião Viana, pode ser extremamente destrutivo à institucionalidade. O poder político se desfaz, mas a instituição, mais que necessária ao Estado de Direito, precisa sobreviver.

Deixarei, por fim, uma indagação, como estímulo à reflexão: com a PGE tão próxima do poder político, não seria de se esperar um maior equilíbrio, uma maior lucidez nas ações do governo no tocante à ética e a probidade pública? O que faz a PGE tão perto, tão parte? Assessoria de poder político ou defesa dos interesses constitucionais do Estado do Acre?

Edinei Muniz é professor e advogado