quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

FELIZ 2009

Saúde, luz, paz e amor a toda humanidade

Anônimos Leandrius Edson Leila Itaan Toinho Raimari Luiz Marina Fábio Silvana Braga Nena Gean Letícia Carlos Débora Carla Jorge Vera Terri Marcelo Macedo Meirelles Tahska Simony Binho Lhé Tião Perpétua Edvaldo Braña Thiago Luciana Camila Alceu Tiago Cleusa Pedro Anselmo Kleberson Badaró Alexandre Dudé Badate Carioca Myris Oli Cleudo Resende Fátima Cristina Hermington Diogo Margrit Mara Leni Cláudio Bob Raphael Thaís Marcela Diego Zezé Nanda Elson Edegard Marcos João Paulo Yorranna Jurandir Fernanda Dora Zeca Eden Dulce Mathews Sofia Iane Egberto Maria Peregrina Samuel Washington Iara Cosme Jael Beto Demóstenes Erinete Allinny Elson Walescka Dan Kátia Luciano Vaz Sérgio Gleilson Moisés Walmir Selma Sandra Osmar Aleta Daniela Cosmo Palloma Aretusa Nilton Célia Glória Brendha Marly Chico Murilo Aníbal Neto Ângelo Cármen Raquel Kamila Kemis Luis Wálter Genivaldo Heleno Angelim Laura Paulo Henrique Zuenir Edilson Tatiana Juarez Larissa Sanderson Adriana Sara Maurício Élder Sílvio Marcão Carol Márcia Assem Aline Magali Talitha Adaildo Dora Ivone Donato Sílvia Aquinei Bianca Rozana Branco Augusto Caio Celso César Danilo Davi Wolvenar Murilo Bruxinha Gregório Elenira Ilzamar Dely Elaíze Bethânia Fabiana Roney Ermício Fernando Décio Marilza Flávia Gesileu Jacira Jéssica Telma Guerreiro Juliana Silene Vítor Katiana Alessandra Tadeu Lígia Renatta Lucas Valério Liege Léo Carmela Venícius Mariah Mariane Mary Maísa Nadja Orlando Paula Hércules Válber Cazuza Rejane Robson Renata Rodrigo Nathércia Beneilton André Smeraldi Amy Rose Safira Salena Tancremildo Walquíria Verônica Jaqueline Sandra Virgínia Luana... E a todos os demissionários da Prefeitura de Rio Branco, do Governo do Acre e do Tribunal de Justiça.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

ACIMA DO CHÃO, JÁ É CÉU

Juarez Nogueira

Quando chega o fim de ano fico tentado a fazer um balanço de alegrias catalogadas. A vida que poderia ter sido e não foi em meio às bóias e salvaguardas para tantas contravenções cotidianas: no trânsito, na escola, na família, na cama, no chuveiro.

Chega o fim de ano e fico tentado a dar um basta na temerária mesquinhez que vai escalonando as relações inter, multipessoais, sob interesses disfarçados de candura e gentilezas automatizadas com tantos ‘muito obrigado', ‘por favor', 'pois não?'.

Chega o fim de ano e tendo a contar o tempo oracular das insatisfações, dos não ditos e não feitos, dos defeitos inespeciais, espectros atalaias da morte diária e da morte eterna, essa, o grande maior medo dos homens de boa vontade e de má também.

Chega o fim de ano e não quero pássaros na gaiola, nunca os quis aliás, nem gaiolas nem pássaros, senão o vôo, nem votos de felicidade a prosperar nas mensagens ensaiadas, repetidas e guisadas pela farsa sobrevivente da vitória que não foi desta ou doutra vez ainda.

Chega o fim do ano e dispenso brindes, convites, insinuações, ameaças, propostas e sugestões de esperanças blindadas pelo condão de novidade do novo tempo anunciado, apesar dos perigos, apesar dos pesares, apesar de tudo.

Chega o fim do ano e reconheço insuficiente minha secular devoção e a carência de apetite e aptidões para fazer malabarismos e perder uma noite de sono, mais uma, vendo espocar os fogos de artifício da contagem regressiva para, para que mesmo?

Chega o fim de ano e imagino essas duas palavras, fim e ano, anodizadas pelo contínuo da vida sem o pregão das horas, das datas, das agendas, da pressa aliada aos contratempos e contrafazeres, do cafezinho tomado em pé junto ao balcão de negócios da sobrevivência mercante.

Quando chega o ano novo, chega. Mais um pedaço de fim emendado na vida precedida da morte, dádiva e danação, com seu brevê e seu passaporte, suas anuências reverberando alheias ao meu sim ou não, em praga e pão, sina e sorte, inimigo e irmão, a inopinada, clarividente certeza de que, acima do chão, já é céu.

O escritor mineiro Juarez Nogueira é colaborador do blog, autor do "Manual de Sobrevivência na Redação" e "O Menino Alquimista".

BOA SORTE, OLI DUARTE


Muito acertada a decisão do prefeito Raimundo Angelim (PT) de convidar o jornalista Oli Duarte para o cargo de seu assessor de imprensa.

Embora eu seja suspeito, não tenho a menor dúvida de que a assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Branco passará a existir de fato e que a imprensa não ficará a ver navios quando buscar interlocutores na equipe de Raimundo Angelim.


Conheço o gaúcho Oli Duarte desde 1991, ano em que aportou no Acre como aguerrido militante do PT e era infinitamente mais magro do que é hoje. Posteriormente, assessorou Marina Silva como deputada estadual e no primeiro mandato de senadora, além do ex-governador Jorge Viana durante seis anos.

Faço questão de assinalar que o gaúcho nasceu em São Luiz Gonzaga e não em Pelotas, ao contrário do que apregoa a maledicência de seus poucos desafetos.

Com a colaboração de Oli Duarte e outros, fizemos jornais de uma tiragem só nos recentes anos de chumbo no Acre.
Mas foi em Brasília, onde dividimos um apartamento na Asa Sul, em 1997, que pude constatar o quanto ele é generoso, compromissado e leal.

Ao Oli, Felipe e Karol, votos de feliz ano novo.

CAUSA PALESTINA


Abrahim Farhat, fundador do PT no Acre e da assessoria do senador petista Tião Viana, telefona para protestar contra o maior ataque aéreo já lançado por Israel contra alvos palestinos durante operação militar na faixa de Gaza:

- O palestino é meu amigo; mexeu com ele, mexeu comigo.

MAIS UM DIA

Antonio Alves

Decidi dar por encerrado o ano e começar logo outro. Aqui, no íntimo, os dias já mudaram. Terão mudado, talvez, nas boas horas que passei na Terra, curando as bicheiras do Rapaz -aquele cachorro vadio- e olhando o açude encher depois de cada chuva. Já disseram que sou lento, talvez dê certo começar antes.

Também decidi não me preocupar. Um sonho me avisou. Passei muito tempo com medo de não ser suficientemente engraçadinho e diplomático, preocupado em não ferir as susceptibilidades de alguém. Bom, às vezes posso não estar inspirado e dizer palavras inadequadas, mas o importante é que sejam sinceras e o resto se ajeita. De minha parte, também tenho engolido muito sapo e até agora nem morri por isso.

E já não ligo se trezentos me amam e quatrocentos me odeiam, e nem uns nem outros pensam por um minuto no que digo. Resolvi não sofrer, só isso. Palavra é semente que o vento leva e ninguém sabe onde vai brotar. Muito aprendo com as samaúmas.

De todo modo, não é bom a gente ficar se oferecendo. O melhor mesmo é ir passando, cumprimentando a todo mundo com um toque na aba, parando e tirando o chapéu quando encontra padre ou moça bonita. A vida é uma estrada, dizem, e ninguém sabe o que tem lá na frente. Tem gente que se convida ou fica reclamando por não ser convidado. Mas a mim, quem me merece? Eu mereço a estrada e tenho perna é pra andar.

Não gosto de muita festa, mas também não sou de chorar desgraça. A essa altura da vida, já conheço minhas manias e mantenho algumas preferências. Não troco aquele livro velho, lido e relido e trelido, por certas novidades muito apresentadas e de pouco proveito. Não uso enfeite -nem corrente, nem anel- e o melhor relógio é o tempo. Gosto do tabaco preto, não muito velho e ainda molhento, o café forte e amargo, mas tomo de qualquer jeito. O que me dá gastura e desimpaciência é ver gente falando da vida alheia, não é bom pra minha saúde e procuro sair de perto. Tem gente que fala mal até de si mesmo, é uma doença triste.

Os tempos são difíceis, mas são os que temos. Vez em quando tenho que pegar o pau pra me defender ou a algum inocente, mas não saio correndo atrás. Passa um ano, depois outro, a lança vai virando bastão e vou ficando mais retirado até que um dia só me vê quem procura. Mas demora, não é pra esse ano ainda não. Esse que, aliás, tou começando mais cedo porque tenho muita coisa pra fazer.

Estou por aqui.

O poeta e cronista Antonio Alves escreve no blog O Espírito da Coisa.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

MONTEIRO AFASTA-SE DA SEGURANÇA

Em carta, Antônio Monteiro Neto se despede da Secretaria de Segurança Pública do Acre:

"Rio Branco, 29 de dezembro de 2008

Amigos e amigas da área de segurança pública,


Quero através desta informá-los da minha decisão de afastar-me do cargo de Secretário de Estado de Segurança. Esta decisão tem por motivação questões de ordem pessoal e de saúde familiar.

Agradeço-lhes pela forma amiga e respeitosa com a qual me acolheram nestes anos de convivência. Considero que todos estes anos foram fundamentais para a consolidação de uma política de segurança cidadã, fruto da decisão do Governador Binho Marques de eleger a segurança como um dos eixos estratégicos de seu governo, dando seqüência ao trabalho de reestruturação que o ex-governador Jorge Viana fez nesta área.

Levo comigo um profundo respeito e admiração pelo trabalho desenvolvido por todos. Tenho a certeza que muito precisa ser feito para melhorar a segurança do nosso Estado, mas sei que tivemos avanços significativos na gestão do sistema, como por exemplo: Contratação de Gestores, Policiais Civis, Bombeiros, Concursos para Delegados, Escrivães, Peritos e Policiais Militares, Agentes Penitenciários, a regionalização e compatibilização das áreas de atuação das polícias, valorização dos profissionais de segurança publica (elevação do piso, bolsa formação, Centro Integrado de Ensino e Pesquisa em Segurança Publica), autonomia da Polícia Civil, criação do IAPEN, aquisição de um helicóptero, inclusão do Estado no PRONASCI e os inúmeros avanços que aconteceram nestes dois últimos anos.

Gostaria de externar a todos o meu agradecimento pelos momentos de aprendizado e apoio recebido nestes anos de convivência. Desejo que estes próximos anos sejam de consolidação e sucesso nos projetos de governo, em especial os da segurança pública.

Feliz 2009 e um grande abraço,

Atenciosamente

Antonio Monteiro Neto"

ACREANO VIRA ACRIANO

Mudança na virada de ano

Não pense que seja uma daquelas mudanças que tanto seduzem políticos acreanos, êpa!, acrianos. Está no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2009, quando trata do uso das vogais átonas: "O emprego do e e do i, assim como o do o e do u, em sílaba átona, regula-se fundamentalmente pela etimologia e por particularidades da história das palavras".

São estabelecidas variadíssimas grafias, como a seguir:



"Escrevem-se com i, e não com e, antes da sílaba tónica/tônica, os adjetivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula -iano e -iense, os quais são o resultado da combinação dos sufixos -ano e -ense com um i de origem analógica (baseado em palavras onde -ano e -ense estão precedidos de i pertencente ao tema: horaciano, italiano, duriense, flaviense, etc.): açoriano, acriano (de Acre), camoniano, goisiano (relativo a Damião de Góis), siniense (de Sines), sofocliano, torriano, torriense [de Torre(s)]".

- Não direi que sou nem admitirei ser tratado como "acriano". A língua portuguesa é minha. Eu faço dela o que bem entender. Para escrever errado, basta o que já sei. A lei desse Acordo é mais uma que não vai pegar - afirma o jornalista Antonio Alves.

Clique aqui
para baixar o
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O acordo é manchete do jornal Página 20, mas o repórter não menciona a mudança relativa ao Acre. Logo, presume-se, foi censurado ou não leu o documento.

O ASSESSOR DO SENADOR

Domingo, 22 horas. No centro histórico de Rio Branco, o Calçadão da Gameleira ainda está lotado de famílias de bem.

Bêbado, o assessor do senador irrita-se com o motorista que segue lento à frente dele. E começa aquele tradicional bate-boca no meio da rua.

- Você sabe com quem está falando? - indaga o assessor do senador, sendo afastado por um empurrão de duas mãos no peito.

Com dificuldade para se manter em pé, o assessor do senador não desiste. Quer mostrar que é poderoso, que o senador é quem manda:

- Você vai ver o que acontecerá. Vou ligar agora para o senador - insiste, enquanto saca o celular.

O anônimo cidadão perde o controle. De modo impiedoso, lança o assessor do senador ao chão. Ele consegue se levantar com dificuldade, avança, mas volta a beijar o asfato.

- Vai pra casa, asssessor! - grita alguém na platéia.

Cambaleante, o assessor do senador abre a porta do carro. Tenta bater em retirada, mas é contido pelo desafeto. E permaneceu imobilizado até a chegada da polícia.

O assessor do senador costuma apanhar nos fins de semana por causa do excesso de álcool e arrogância.

A AMAZÔNIA DERROTA A IMPRENSA

Do jornalista Maurício Tuffani:

"Salve, grande Altino.

Tudo bem por aí, na Amazônia Ocidental?

Mencionei seu valioso blog no texto
"Números da Amazônia derrotaram a imprensa em 2008", que acabo de perpetrar em meu blog Laudas Críticas.

Acompanho seus textos via RSS. Parabéns pelo trabalho. São jornalistas como você e Lúcio Flávio Pinto que me permitem ter uma visão da Amazônia livre deste enganador enfoque Rio-São Paulo.

Meus votos para um ótimo 2009".

Tuffani, especializado em ciência e meio ambiente, mora em São Paulo. No artigo, afirma: "Ofuscada por estatísticas mensais da degradação florestal, a cobertura jornalística mal se deu conta da área total desmatada de 706,9 mil quilômetros quadrados, que já equivale a quase metade (45,1%) do Estado do Amazonas e corresponde a pouquíssimo menos que as superfícies terrestres da França, da Holanda e da Bélgica somadas." E conclui citando este modesto blog entre "algumas iniciativas de bom jornalismo na internet" na região. Partindo do experiente Tuffani, é uma menção honrosa. Clique aqui e leia.

domingo, 28 de dezembro de 2008

POST DE UM FRACASSADO

Aldo Nascimento

Primeiro, ouvi o que o jornalista Antônio Alves expressou quando recebeu o Prêmio Chico Mendes. Depois, com muita atenção, li o texto. Em blog e em jornal, propagou-se a idéia de que Antônio Alves é uma voz crítica dentro do poder, até Altino Machado concordou com isso.

Se fosse voz crítica, o bom Toinho Alves não estaria no poder. Como permanecer nele se sua fala se opõe à pensão vitalícia dos governadores? Como permanecer nele se sua fala propaga que não houve revolução na educação acreana? Sobre pensão e pseudo-revolução, silêncio.

Quando digo voz crítica, refiro-me a uma voz que emite rupturas. No poder, com seus amigos, Toinho não promove rupturas, mas se conserva no poder para pagar a conta de luz, as compras do mês, o crediário, para receber prêmios - coisa de que não gosta, disse certa vez.

Quando os senhores falarem de voz crítica, por favor, citem Frei Beto, por exemplo. Ele saiu do poder e revelou em livros o que blogs e jornais não publicam.

Neste pequeno mundo chamado blog, deixo aos teus olhos meu último artigo deste ano. Queria muito, minha mãe, que a senhora o lesse para comentá-lo, porque a senhora é a única que acessa minhas vãs palavras. Meu sonho desde criança, a senhora sabe, era ser um Altino Machado para não ser acessado só pela senhora. Paciência, sou um fracassado.

Leia no blog Língua, de Aldo Nascimento, "Do gado da reserva extrativista ao gado do rodeio". Além de blogueiro, Aldo Nascimento é revisor da Tribuna e professor de português na rede pública estadual. Meu comentário: cada um faz o que pode para pagar as contas.

GUARDAR O MUNDO EM SI

José Augusto Fontes

Há pessoas que dedicam a existência a uma causa, a um modo de vida, a um projeto - coisas que abraçam e não largam mais – como se tudo ao redor sejam detalhes ou adjacências da estrada única e do seguir invariável. Desde cedo, têm um fim definido. Essas pessoas me atraem principalmente porque, ao contrário de mim, dão passos contínuos no mesmo caminho, amam uma opção imutável e se entregam totalmente à escolha. São pessoas fiéis a um amor, são de eterna e exclusiva paixão. Eleito o rumo, tudo no percurso vai sendo colhido para enfeitar o destino perene.


Destino perene? Quem ama uma ciência, como a jurídica, ou uma profissão, como o jornalismo, vive querendo enobrecê-la, dela se nutre e para ela se dá. Quem se mete a comentar essas paixões, pode até dizer que há uma simbiose, mas a ciência não ama nem sente, a ciência se diz racional e objetiva. A profissão seria, mais a mais, dita como um meio de ganhar a vida. Será? Quem ama uma ou outra não pensa assim. E é disso que nasce minha atração pelos de querer único, pelos dedicados de toda a vida. Dedicados? Um artesão da palavra ou da música, um jurista ou um jornalista, quem ama a letra enfeitada ou a sonora, a letra positivada ou a letra informativa - e nisso adota um apego, um casamento - impressiona mesmo pela entrega, pelo amor à causa. E quando há também o talento, minhas pequenas palavras calam... Aí, essas pessoas cativam e o seu fazer atrai agrados, ciúmes.

A atração nasce dos opostos? Devo muitas penitências aos bem-resolvidos. Apego-me a quase tudo. Ajo desordenadamente e sem amor único (apesar da exceção da regra). Vivo procurando novas paixões. A cada nova, digo-a eterna, aqui e ali, com a maior ênfase possível (a ânsia de conquistar e de agradar a si mesmo apega-se à mentira e perde o senso da razão, que já era mesmo muito tênue), e até com desfaçatez. A renovação de minhas incertezas ainda não me permitiu ser fiel como os dedicados, mas eu gostaria, se pudesse, se tentasse.

Os fiéis a uma causa única são quase imortais, em se considerando que há mortais dentre os apaixonados. Os demais são o oposto e o avesso, se aventuram por gostos, pessoas, lugares e coisas diferentes, por matizes variados em traçados já sólidos, pensados, articulados. Por isso, as pessoas de paixões eternas me atraem, e eu quisera ser sincero como elas, mas só prometo pensar em tentar, caso o tempo me dê ainda muitas voltas.

Para imitar a sinceridade, devo dizer que o mote deste texto foi encontrar um velho jurista, um sábio professor, formado há quase cinqüenta anos, e ainda expondo saberes e experiências com forte emoção e invejável disposição. Encontrei-o numa dessas festas de fim de ano, dias atrás. Com talento e lucidez, ele discorreu sobre vários temas, lembrou de sua formatura, quase completando meio século, e expressou várias alegrias. Senti a realização dele. Como eu há muito tinha vontade, revelei a ele meu desejo de ter sido seu aluno, o que não foi possível porque ele fazia, na ocasião, uma pós-graduação. Presenteei-o com um livro meu, fiz uma dedicatória tímida, mas de indisfarçável carinho. Sob o peso da idade da entrega, vi-o ir algum tempo depois. Mais tarde, antes de dormir, refleti sobre o que significaria aquela devoção para ele, e para tantos outros que entregam a vida toda a uma paixão bem definida.

Artesão da palavra, dentre veredas que passam das margens, é o Guimarães Rosa, que a gente percorre e não cansa. Jornalista, lembrei logo do nosso Zé Leite, arguto e tupiniquim incomparável, criador do taxista que poderia dar caronas para a prostituta apaixonada. Sobre o jurista, me faltou dizer para aquele velho professor que, apesar de não ter sido seu aluno, o considero um grande mestre. E que paixões eternas também me deixam emocionado, a ponto de não querer botar ponto final nas palavras. O mestre a que me refiro é o professor Jorge Araken, um apaixonado de eloquente sapiência.

Ao acordar, eu continuava impressionado com a capacidade dessas pessoas para se dedicar e para ser fiéis. Um amor como o do Gepeto, que deu luz ao Pinóquio. Esses amores me atiçavam um sentimento, dois, várias inquietações. E a vontade de, ao menos, poder dizer que esse viver é muito bonito. Escorre como o látex, mas é sólido como a borracha. Pensei e pensei. O ser bem-resolvido com a vida é realmente invejável. O ser indefinido e mutante é comum e não tem respostas, como eu. Nem tem causa, é cheio de perguntas íntimas. Tem o coração vagabundo de que fala Caetano. Às vezes, o coração leviano descrito por Paulinho da Viola, e quer guardar o mundo em si.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito

"PARECE QUE FOI ONTEM"

Leia o artigo de Jorge Viana, ex-prefeito de Rio Branco e ex-governador do Acre, publicado hoje no Globo, sobre os 20 anos do assassinato de Chico Mendes. Está piegas. Viana conclui que a morte do seringueiro "parece que foi ontem". Prefere enxergar o aparente do aparente, sem qualquer crítica, porque a política subtrai a indepedência ou isenção dele para tanto. Sem sofisma: já se passaram 20 anos. É muito tempo, sim. Desses 20 anos, 10 com o Acre governado pelos companheiros petistas de Chico Mendes. Mais um motivo para se considerar a reflexão crítica (veja) de Antonio Alves. Segue o artigo:

Mataram Chico Mendes! Parece que foi ontem

Jorge Viana

Passei o 22 de dezembro último em Xapuri, onde participei da caminhada e da missa em memória dos 20 anos sem Chico Mendes. Tenho sempre a sensação de que a morte do Chico aconteceu ainda há pouco. Parece que foi ontem que recebi aquela notícia perturbadora. Até hoje, tenho dificuldade de entender se isso ocorre pela saudade de um amigo querido ou pela atualidade de seu legado.


Ele não só despertou a atenção do mundo para a Amazônia, como inovou o debate ambiental introduzindo um elemento absolutamente novo nessa questão: os povos da floresta. Foi ele quem fez germinar o conceito do socioambientalismo.

Nos anos 70 e 80, os governos vendiam a Amazônia como “uma terra sem homens para homens sem terra”. Uma dupla maldade. Famílias eram despachadas para a Amazônia apenas para aliviar tensões rurais e urbanas no Sul e Sudeste, sem qualquer política pública que lhes garantisse um futuro. E a “terra sem homens”, além de ocupada por uma população tradicional, não era simplesmente uma terra, porque sobre ela repousava um dos mais valiosos patrimônios da humanidade: a maior floresta tropical do planeta.

O Chico foi o primeiro a fundamentar a defesa da floresta na defesa dos povos da floresta. Aí surgiu o conceito de reserva extrativista. Era algo inovador, “um jeito novo de caminhar”, como escreveu o poeta Thiago de Melo. Ele abriu a possibilidade de mais qualidade de vida na floresta, sem desmatar para “abrir novos caminhos”.

Às vezes, eu mesmo não entendia quando o via gastando horas com técnicos, jornalistas, dirigentes sindicais ou de ONGs, pessoas de toda parte do mundo, para mostrar coisas tão simples da floresta, como uma pequena planta rasteira ou uma majestosa castanheira. Ele dissertava sobre a beleza, mas também sobre o valor da floresta em pé, as possibilidades econômicas e sociais que a exploração sustentável abriria para todos.

No começo dos anos 80, muita gente boa ainda desconfiava da ecologia. O Chico defendia idéias até então estranhas no mundo sindical. Ele mostrou que, assim como não adiantava trabalho sem casa, não daria para viver muito tempo com casa sem ambiente. Revelou uma massa de trabalhadores da floresta que tinham árvores e igarapés como linha de montagem. A CUT acabou aceitando o discurso socioambiental do líder seringueiro e aprovou a proposta de reforma agrária diferenciada para a Amazônia.

Hoje, quando o mundo tem como grande desafio o enfrentamento das mudanças climáticas, suas idéias de um ambientalismo social dão ao Brasil uma importante vantagem comparativa no concerto das nações. Tanto maior, quanto mais a sustentabilidade se impõe como condição para o desenvolvimento.

O presidente Lula, que conviveu muito de perto com o Chico, se mantém atento ao legado do companheiro, colocando suas idéias no Ministério do Meio Ambiente que foi ocupado por quase seis anos por uma discípula do Chico, Marina Silva. Ela criou o Instituto Chico Mendes, o Serviço Florestal Brasileiro, e ampliou em muitas vezes o número de reservas e áreas de conservação. Marina formulou, implementou e cuidou das políticas ambientais, ganhou respeito e conquistou aliados dentro e fora do Brasil. Atualmente, Carlos Minc, também amigo de primeira hora do Chico, está levando adiante essas políticas visando a diminuição do desmatamento, preços mínimos para produtos florestais, manejo florestal comunitário e apresentação de metas para a redução das emissões a partir das queimadas.

No entanto, ainda tem muito a ser feito pela floresta e pelos povos da floresta. O legado do Chico Mendes precisa estar ainda mais presente na vida das pessoas, nas empresas, na sociedade e no próprio governo.

Agora, voltando a pensar se a presença do Chico vem mais pela saudade ou pela atualidade do seu legado, agradeço a Deus o privilégio de ter convivido com essa pessoa tão extraordinária, mesmo na fase mais delicada da sua vida - seus últimos anos, seus últimos dias.

Vinte anos depois, o que mais lamento é não ter o Chico para celebrar com a gente as coisas boas que vieram como fruto de suas idéias e seus ensinamentos. Ele, que foi premiado na ONU, sabia reconhecer e festejar mesmo as conquistas mais singelas.

Lembro-me do nosso último encontro em Rio Branco. Ele vinha do Rio de Janeiro. Pedi para ele ficar aqui. Não adiantou. Tudo o que ele queria era passar o Natal em casa com a sua família e seus amigos. Daí falei que ele poderia ir com o novo caminhão adquirido pela cooperativa com dinheiro do BNDES, um velho sonho do movimento. O rosto do Chico se iluminou e ele ficou mais um dia em Rio Branco. Foi para Xapuri, encheu o caminhão de crianças e rodou a cidade inteira, soltando foguetes e festejando.

O dia seguinte foi 22 de dezembro de 1988. Parece que foi ontem.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

ZÉ CHILENO



"Altino:

Muito prazer bater papo com vocês.


Transmita meus cumprimentos para Marina Silva, Binho Marques, Antonio Alves e a todos os companheiros de Chico Mendes - a esposa e filhos dele, e a todo esse povo da floresta, que por circunstâncias próprias do "espírito da coisa", está em alta moral revolucionária a cumprir.

Penso que, por circunstâncias subjetivas que nos exige o presente, somos chamados a agir, pondo-nos necessariamente no lugar que a história nos reservou, conscientes de nossos princípios humanistas.

Fazemos parte dessa transição para construir uma nova ordem internacional, em unidade com todos os outros povos da América índia. Tal como foi concebido por Chico Mendes, se houver uma condição equânime da preservação da vida no nosso Planeta

Espero que muito em breve eu possa me fazer mais visível no Acre. Faço parte da tribo invisível, que luta por por um mundo melhor, que acredita que é necessário pôr termo à propriedade privada e exploração do homem pelo homem e construir uma sociedade melhor.

Reservas extrativistas ou morte!

Vida justa no Planeta ou morte!"

A web deixa o mundo cada dia menor. No começo dos anos 1980, Marina Silva, Binho Marques, Antonio Alves e tantos outros, entre os quais me incluo, estávamos envolvidos com o Teatro Horta, em Rio Branco. Foi quando apareceu no Acre José Donoso Rosa, que fugia da ditadura militar no Chile. Homem inteligente, engenhoso, metódico e criativo. Convivemos naquele teatro até quando a Polícia Federal empreendeu uma caçada na cidade para prendê-lo e deportá-lo. Durante mais de um mês tivemos que improvisar vários esconderijos, quando finalmente conseguimos, com ajuda da Anistia Internacional, transferí-lo para Paris com Dília, sua companheira acreana. Pelo visto, "Zé Chileno" continua leal aos seus princípios marxistas. O desenho que ilustra essse post é de autoria do artista Branco Medeiros, outro que fazia parte do Teatro Horta, e vive atualmente em Belém (PA). Estava no baú do Fernando França. Bem, há três anos Branco deixou neste blog o seguinte comentário no dia do meu aniversário: "Parabéns, mano velho... Dia desses tava olhando os muros daqui, dessa Belém Velha, e lembrei daquele sufoco que passamos nos idos de 81, na véspera daquele Dia Nacional de Luta, quando a PF nos flagrou em plena atividade pré-blog, registrando nossas mazelas nos muros alheios. Mal sabiam eles que os sprays eram até mais "perigosos" do que nós dois juntos (já que eles tinham pertencido ao José Donoso)". Branco e eu fomos detidos, levamos uns tabefes dos policiais e acabamos fichados na PF como subversivos. Ainda somos.

CHORO BANDIDO

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

FELIZ NATAL



Confesso ter ficado irritado quando ele me despertou nesta manhã ainda parcialmente escura. Mas logo veio a idéia do vídeo como mensagem de Natal aos leitores do blog. Se fosse político, diria que acordo pensando em vocês.

ABRAÇOS QUE NÃO DURAM UM DIA

Moisés Diniz

Fico impressionado com o comportamento das pessoas nestes dias de resguardo de Natal e aguardo de Ano Novo. É como se uma luz incandescente emergisse de cada veia e de cada neurônio. É um espetáculo o que acontece no cérebro de cada pessoa.

As pessoas ficam mais alegres, acreditam mais, reduzem os seus medos. Acreditam que o 13º salário vai quitar todas as dívidas e que, de uma hora para outra, a vida vai ser bem melhor no ano que vai nascer.

Aquele que te fez sofrer aperta a tua mão e tu respondes com ternura ao mesmo aperto de mãos. O carrasco que te algemou recebe um abraço teu, mesmo que não tenhas mãos.

O menino da periferia, de cor negra e já sem dentes básicos, aguarda inquieto aquele embrulho que vai lhe trazer alegria. O seu pobre pai, alcoolizado na esquina, não percebe o tamanho do sonho do filho. E se percebe se alcooliza para não perceber.

A menina adolescente acredita que são verdadeiras aquelas palavras lindas que ouviu no celular, que só liga a cobrar, e que não vai demorar a chegada daquele príncipe encantado.

Ela não sabe que aquele calhorda quer apenas se aproveitar de sua carne tenra. Que do outro lado da vila, da vida, da palafita ele dorme numa mansão inconsolável e que o seu sonho juvenil vai acordar com os gritos da primeira briga de rua do ano.

O dono do boteco na ponta da rua acredita que todo o bairro esquecido pelos homens do poder vai se lembrar de quitar as suas dívidas. Ele sonha encher, no ano que vem e que chega nas primeiras luzes e nos mais sutis apertos de mão, as prateleiras com mais feijão e açúcar, bolacha, sardinha e arroz, palito de fósforo, pouco papel, goiabada e cibalena, muito sal, farinha e pão dormido, lâmina de barbear semanal,

O homem do boteco é como a gente que vende sonhos a prazo, não exige assinatura, não cobra a fatura e nem digital. Tudo fica aguardando o Natal, o Ano Novo que vai chegar como búfalo, locomotiva e temporal.

Esses dias especiais vão trazer de volta o meu emprego, a minha alegria, o meu pão, a mulher perdida, a conta esquecida que o vizinho não pagou. Vai ter leite em toda mama, vergonha em todo homem, beleza em toda dama.

Não serei mais tão estúpido a ponto de não perceber os olhares do povo que exige mais abrigo, escola e pão. Vou abraçar o amanhecer e ver que a vida não passa de um pedaço do universo que também se partiu.

Verei que a felicidade humana é como um pouco de carne na boca sempre faminta de um rico qualquer. E que cada um alimenta o seu animal a partir do tamanho da alma do seu próprio dono.

Por isso me incomodam esses abraços, que parecem laços, pedaços de sonhos que não vão se realizar, como se uma serpente engolisse a outra que também lhe quer bem.

Neste Natal as serpentes de cada mente humana vão abraçar as outras serpentes. Será um abraço de quem come e dorme, veste e acorda a custa do trabalho humano, dos outros trabalhos que não são os seus.

Neste final de ano incerto eu vou abraçar meus amigos que ainda não conheci. Pois sei o quanto é fácil abraçar o meu irmão, minha filha, meu parente. Como abraçar os que choram nas ruas nas quais eu não ando, nas periferias que me fazem medo?

Como dizer ‘Feliz Natal’ para quem não nasceu e ‘Feliz Novo Ano’ para quem envelheceu? Por que abraçar as serpentes que cultivamos e fingir que não vemos a dor que elas produzem lá mais distante, onde meus olhos não alcançam, minha solidariedade não atinge e minha voz não leva nenhum acalanto?

Um Natal assim me deixa doente, é como uma doença antiga, do tempo em que o meu coração se partiu em três, quatro pedaços colossais, a amar meus desejos pequenos e a esquecer os desejos gigantes da humanidade.

Queria um Natal diferente, onde o homem amasse de fato a si mesmo e aos outros. Que as árvores não fossem sufocadas pelos coronéis do carbono, nem as águas, nem o ar, nem as larvas, nem as sementes, nem os pássaros sadios, os doentes, nem as raízes, nem os lagos, nem os homens, nem os peixes, nem os animais de pele, de escama, de asas, nem as lagartas, nem a terra.

Nenhum pedaço de sol eu posso dar, nenhuma esmola que não agüenta uma investigação. Por isso eu vou proteger o sol neste Natal, a única beleza natural que eu posso cuidar. Abraçar a lua não me deixará em conflito com os donos do poder.

Acho que vou acabar abraçando a chuva aqui nesta Amazônia indecente, que fica nua nas aldeias indígenas e não se preocupa com a cretinice dos apóstatas do verde e apóstolos do medo e da moral divina.

Vou abraçar o vento, vou falar com os pedaços soltos de asfalto, porque sei que eles são restos mortais milenares de nossos antepassados, de nossas árvores, animais, tudo que se acumulou no subsolo invisível do planeta. Com eles conversarei.

Pedirei perdão aos entes da floresta, aos meninos pobres e às adolescentes convertidas à prostituição, aos desempregados do capital, aos negros, aos povos indígenas, aos homossexuais, aos africanos, palestinos, aos latinos e iraquianos.

Feliz Natal ao homem das margens dos igarapés amazônicos, às mulheres que não lhe deram a oportunidade de pintar o cabelo, os lábios, usar um bracelete, um vestido de moda, aos pássaros que não se vestem contra o frio ou para adornar a noite.

Lutarei contra os meus medos e as minhas antipatias ao novo, ao desconhecido e a tudo aquilo que maltrata e provoca dúvida, preconceito e aversão. Uma idéia nova, uma pessoa doente, sem lar e esperança, uma nódoa na minha blusa de linho, um desvio no meu caminho, um medo de repartir, de amar.

Feliz Natal aos homens de sonho nobre, de idéias encantadas e coletivas. Que cada silêncio de rua faça nascer uma fogueira de sonhos.

Feliz Natal à humanidade que não se rende ao atraso de acumular sempre as mesmas dores no costado dos fracos e as mais iluminadas alegrias nas almas de poucos.

Feliz Natal!

Moisés Diniz é professor e deputado estadual (PC do B).

MAIOR APREENSÃO DE COCA DO ANO


A Polícia Federal fez a maior apreensão de drogas de 2008 no Acre - 125 quilos de cocaína foram encontrados na tarde de ontem escondidos no fundo falso de um caminhão boiadeiro. O motorista, F.G.S., 32, completados no dia da prisão, conduzia o caminhão para Goiânia (GO).

Leia mais no Blog da Amazônia.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

"CHAMEM O CHICO MENDES"

Antonio Alves abre o coração



Jornalista Antonio Alves, assessor do governador Binho Marques (PT), lavou a alma daqueles que não perderam a capacidade de sonhar e não se fazem cegos pelos encantos do poder. Foi durante a solenidade do Prêmio Chico Mendes de Florestania. O discurso foi abafado, claro. Comenta-se bastante a oportuna reflexão de Toinho Alves, mas nenhuma linha ou imagem do mesmo na mídia local. Está aqui sem piedade.

E eu preciso abrir o olho como blogueiro. O deputado Edvaldo Magalhães (PC do B), presidente da Assembléia Legislativa, conseguiu fazer upload do vídeo para o Youtube primeiro que eu - a velocidade da conexão dele nem se compara à minha. Bem, no Blog do Edvaldo, o post "Toinho abre o coração". Santa Internet.

A IMPRENSA PAROU NO TEMPO

Edilson Martins

O Blog do Altino não merece mais essa identificação. Até porque essa
ferramenta está cada vez mais banalizada.

O sujeito foi promovido
na repartição municipal? Cria o blog pra registrar. Outro, o filho passou no vestibular, que se narre esse feito no blog. A esposa foi surpreendida transando com a maior amiga, que o blog se preste para narrar essas mágoas.

O Blog do Altino transpõe essas dores e vitórias. Hoje, no Acre, desconfio que é de fato o único veículo onde se respira informação, e liberdade.

Até porque a imprensa acreana, a grande imprensa local, pelo que pude perceber,
parou no tempo. Está atrelada a interesses comerciais ou partidários.

E aí, somos obrigados a buscar o Blog do Altino.

Edilson Martins é jornalista e escritor

A DOR DA GENTE SAIU NO JORNAL

Marina Silva

Se Chico Mendes fosse vivo, certamente estaria na internet divulgando suas idéias e pedindo apoio à causa da floresta amazônica e das populações tradicionais e extrativistas que nela vivem. Ele tinha consciência aguda do papel da mídia para o movimento social. Se mais pessoas soubessem o que acontecia lá no Acre, se tivessem oportunidade de conhecer o pensamento dos seringueiros, talvez houvesse mais apoio para evitar que o dano irreversível acontecesse, com a derrubada da floresta.

Na época, a maior parte da imprensa de Rio Branco era muito hostil. Na maioria das vezes, Chico era tratado como intransigente inimigo do progresso, enquanto a situação real mostrava acelerada destruição ambiental e o deslocamento massivo de trabalhadores extrativistas para a periferia das cidades.

Chico procurava jornalistas que poderiam ter abertura para divulgar nosso lado, entender a resistência à motoserra, sensibilizar pessoas do Acre e de fora. Visitava redações, escrevia cartas e as levava pessoalmente. Eu achava aquilo muito constrangedor e me doía quando os jornais soltavam notinhas tripudiando.


Leia o artigo completo da colunista Marina Silva na Terra Magazine.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

IMPORTANTE DEMAIS PRA HISTÓRIA

Bosque "Amigos do Chico"


Ele é reservado apenas a quem merece o Prêmio Chico Mendes de Florestania. Chic perde. Os petistas, que perderam o senso na seletividade de parcerias políticas no país, no Acre se tornaram mais solenes que os governantes durante a ditadura militar.

Até na missa de Chico Mendes, celebrada nesta noite em Xapuri, a loa suplantou o sermão. Não custava ser mais criativo para festejar o assassinato do seringueiro.

Trasncrevo duas observações do experiente jornalista Sílvio Martinelo, diretor da Gazeta, premiado que foi recentemente por uma colunista social:

"A primeira a de que o Governo exagerou um pouco no tom festivo, com entregas de medalhas e comendas...

...como se estivesse comemorando, fazendo apologia de uma morte, um assassinato cruel e covarde.

A segunda sobre essa lista dos amigos de Chico Mendes, na qual ficaram alguns ou vários amigos verdadeiros de fora, incluindo outros que aparecem de décadas em décadas no Estado.

Ouviu-se até uma expressão cáustica: são os chamados "tatus-canastras", que se alimentam de cadáveres e alimentam seus currículos e contas bancárias".

Maldade deixarem Martinello fora da lista de homenageados.

Agora a boa nova: como o "governo da floresta" se recusa a comprar espelho para se olhar, no ano que vem o blog organizará o Prêmio Darly Alves de Hipocrisia.



Clique aqui para saber mais sobre a confraria do Chico.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS - ENTREVISTA

Bob Fernandes



Noite de 22 de dezembro de 1988. Dezenas e dezenas de milhões de brasileiros de olhos grudados na telas de televisão.


Tensão, ansiedade, expectativa. Aquela era uma morte anunciada por meses e meses, país afora se intuía, inevitável o assassinato ao final daquela história. O crime foi cometido e, na ante-véspera do Natal, o Brasil parou em busca da resposta:

- Quem matou Odete Roitmann?

Odete, a malvadona vivida por Beatriz Seggal na novela Vale Tudo. Mais malvada - mas há controvérsias - que a Flora interpretada por Patrícia Pillar em A Favorita neste 2008.

Naquela noite em que o Brasil parou para descobrir o assassino de Odete Roitmann, nos confins da Amazônia morria, assassinado, um homem até então desconhecido.

Sua morte, como a de Odete, era mais do que anunciada. Disso se sabia na longeva Xapuri, disso sabiam os poucos que conheciam a luta que se travava nos seringais do Acre.

Mesmo jornalistas, sempre ciosos do saber tudo, só descobriram o personagem e sua dimensão quando ele já estava morto. Alguns, poucos, tentaram evitar a morte anunciada. Não conseguiram. Jornais, revistas, a televisão, não tinham espaço e tempo para um ilustre desconhecido.

Disso bem sabe o repórter Edílson Martins, que em vão tentou contar no Jornal do Brasil a história do homem marcado para morrer.

E foi assim, cercados por uma cortina de silêncio da mídia - que naquele tempo só se chamava "imprensa" - que pai e filho, Darly e Darci Alves da Silva, assassinaram Chico Mendes.

Darly e Darci, dois pobre-diabos que enchiam a boca ao se apresentar como "fazendeiros".

Dois anos depois, em 1990, a atenção do mundo se voltava para Xapuri. Darly e Darci estavam, em tempo recorde, no banco dos réus.

Na acusação, apenas formalmente como Assistente, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, a quem Terra Magazine ouve hoje, há exatos 20 anos do assassinato. Atuação impecável, Thomaz Bastos arrancou a condenação de Darly e Darci em julgamento célebre, que recorda na entrevista que se segue:

- Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade.

Em seu escritório à Avenida Faria Lima, São Paulo, enquanto regressa ao passado, ao assassinato e à condenação, enquanto, certamente, perscruta os seus 73 anos, Márcio Thomaz Bastos torna concreto o que viveu em Xapuri:

- ...Ficou claro, e nem sempre assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos ali um embate do Bem contra o Mal...

Também hoje, em trabalho do blogueiro da Amazônia de Terra Magazine, Altino Machado, os internautas podem ver, ler e ouvir a versão da história contada pelo assassino, Darly Alves da Silva.

No julgamento dos assassinos, em Xapuri, a imprensa buscou se purgar. E, para tanto, mentiu muito. Criou um mundo que não existia, não existiu.

No verão de 1990, para saciar a sede de justiça do mundo e, talvez, sua inoperância pregressa, jornais, revistas, rádios e televisões levaram a Xapuri mais de "5 mil pessoas". Tal multidão existiu apenas nas manchetes. Lá não estiveram mais de 300 manifestantes, além de centenas de jornalistas.

Inesquecível, pelos piores motivos, as cenas de filhos de Chico Mendes: Sandino, 4 anos de idade, e Elenira, 6 anos, a desfilar pela ruas de Xapuri com a foto do pai morto pregado em um cartaz, ou a posar ao lado de seu túmulo.

O fizeram, o faziam, a mando de fotógrafos, cinegrafistas, repórteres. A mídia que se calara até o assassinato, por desconhecimento ou desinteresse, para incensar manchetes durante o julgamento pagava picolés aos filhos do líder morto.

Duas décadas depois Márcio Tomaz Bastos faz um outro balanço, o da Justiça no Brasil:

- Xapuri foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista... O judiciário não funciona adequadamente.

Quando Darly e Darci foram condenados, Thomaz Bastos imaginou que ali "se quebrava um paradigma". Ilusão, como ele mesmo agora constata.

Márcio Thomaz Bastos foi por cinco anos, como se sabe, ministro da Justiça do governo Lula. Entre seus grandes êxitos, a construção de uma Polícia Federal objeto de admiração e respeito. Na tarefa, e no comando da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda.

O mesmo Paulo Lacerda ilhado e atacado por adversários de fora e de dentro do governo nestes dias de 2008.

De dentro, por aqueles que temem o passado e o futuro, ou apenas o invejam e jogam o jogo.

De fora do governo, pelos milhares que foram para a cadeia em operações da PF, pelos que temem uma Polícia Federal forte e eficaz e, mais do que nunca, por uma diminuta mas barulhenta corte de rábulas & Associados.

Atacado não pelos milhares de advogados do Brasil, mas por facções daquela parcela que vive dos milhõe$ e milhõe$ de quem sempre tungou cofres públicos. Tungou, tungavam, até então sem problemas.

A PF de Thomaz Bastos ganhou recursos, deixou de depender de esmolas de DEA e CIA para operar, fechou as portas para a palpitologia ilegal do FBI.

Para quem imagina que se pode recortar a história e, assim, monitorá-la, um lembrete: o Márcio Thomaz Bastos que arrancou a condenação dos assassinos de Chico Mendes é o mesmo que esteve à frente do ministério da Justiça quando a Polícia Federal se tornou objeto de respeito e admiração.

A mesma Polícia Federal que, duas décadas antes, não apenas não conseguiu impedir o assassinato de Chico Mendes como por ele mesmo era acusada de integrar "um complô" para matá-lo.

Sobre a Polícia Federal de hoje, a do pré e pós Satiagraha, Márcio Thomaz Bastos alerta:

- ... Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a polícia federal...

A propósito, quanto ao passado - mas sem que se descure do presente- vale destacar o fator que Márcio Thomaz Bastos considera vital, aquele que nascido na Europa e nos Estados Unidos no rastro do assassinato de Chico Mendes, chegou ao Brasil como um vagalhão e levou à condenação de Darly e Darci:

- ...Então o que se levantou foi uma autoridade moral...

Leia a entrevista completa em Terra Magazine.

"PAI, VOCÊ FOI ÚNICO"

Elenira Mendes


Pai,

nesta semana estive revendo aquela minha foto e reli no verso dela a mensagem que você escreveu com tanto amor: “Elenira, és a vanguarda da esperança e darás continuidade um dia à luta que teu pai não vencerá”.

Também reli a mensagem que você deixou na agenda, escrita há 20 anos:

“Atenção jovem do futuro,

6 de Setembro do ano de 2120, aniversário ou centenário da Revolução Socialista Mundial, que unificou todos os povos do planeta num só ideal e num só pensamento de unidade socialista que pôs fim a todos os inimigos da nova sociedade. Aqui fica somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte.

Desculpem…Eu estava sonhando quando escrevi estes acontecimentos; que eu mesmo não verei mas tenho o prazer de ter sonhado.”

Não dá para evitar a emoção todas as vezes que leio as duas mensagens. Admiro até a caligrafia deixada por seu próprio punho.

As suas palavras, que sempre soam tão simples e carregadas de preocupação com a humanidade, me dão a exata medida do quanto você era sonhador. Já sei que a revolução com a qual sonhou começou quando você era ainda criança, nas matas de Xapuri.

Pai, Sandino, minha mãe e eu sabemos que desde muito pequeno você foi um grande trabalhador. Já nos contaram muitas vezes o quanto você era dedicado e organizado em tudo que fazia. Que desde criança já era um seringueiro destemido, assumindo tarefas de verdadeiro homem.

O seu exemplo continua sendo uma luz no nosso caminho, especialmente o seu senso de responsabilidade na defesa das florestas da Amazônia.

Sei que costumava levantar bem cedo, quando ainda estava escuro, para cortar seringa, ou para participar de reuniões pela organização dos seringueiros que queriam a proteção de nossos recursos naturais.

Às vezes fico imaginando o que com você pensava nos momentos de profunda angústia e solidão que enfrentou nesta vida. Você chorou em algum momento? Se chorou, meu pai, saiba que ainda existem homens e mulheres que também sonham com uma revolução que seja capaz de revelar a beleza necessária de um novo homem.

O homem nasce em beleza única e você, pai, foi único. A sua beleza foi única, marcada pela coragem e ousadia de lutar por uma nova sociedade tão almejada. A beleza ainda existe, pai, mas a nova sociedade não sei, sinceramente.

Pai, sei que, se dependesse de você, estaríamos hoje gozando dos benefícios de viver numa sociedade onde cada indivíduo pudesse desenvolver o seu trabalho de acordo com os seus talentos.

Falo de uma sociedade pela qual você lutou, onde os elementos básicos para a sobrevivência, como moradia, saúde, alimentação e educação, fossem garantidos a todos e onde o avanço de cada um representasse o progresso da própria sociedade.

Infelizmente, ainda continuamos apenas sonhando em busca de uma sociedade melhor. Já se passaram 20 anos desde aquela noite, quando o vi pela ultima vez, se debatendo no chão, tentando nos dizer, a mim e minha mãe, algo que nunca saberei exatamente o que era.

Pai, tenha a certeza de que sua luta não foi em vão. Os seus sonhos já não são somente seus. São também meus e de todos os que ainda acreditam nos seus ideais.

Você ainda é a vanguarda da esperança da Amazônia e do nosso amado Acre.

Elenira Mendes é formada em administração e dirige a ONG Intituto Chico Mendes. Lei mais no Blog da Amazônia. A foto de Chico Mendes foi tirada um mês antes do assassinato. É cortesia da fotógrafa Denise Zmekhol.

DARLY ALVES DA SILVA - ENTREVISTA

"Chico Mendes foi um mártir e eu também"


A chuva fina do inverno amazônico teimava em cair ao meio-dia de quarta-feira sobre a fazenda Paraná, na BR-317, em Xapuri (AC). Do alto de seu cavalo, um mensageiro avisa que Darly Alves da Silva, 73, condenado a 19 anos de prisão como mandante do assassinato do líder sindical e ecologista Chico Mendes, atenderia ao Blog da Amazônia.

Meia hora depois, surge na linha do horizonte o vulto do homem que já foi o fugitivo da Justiça mais procurado do país. Ele caminha segurando um guarda-chuva negro. O céu nublado e a chuva fina conferem um ar lúgubre ao vulto franzino que se aproxima da casa.

Seus passos são cadenciados e firmes sobre o trecho úmido da verdejante pastagem de uma de suas três fazendas. Elas totalizam pouco mais de três mil hectares. Usando seu indefectível boné, camisa azul rasgada nas costas e uma calça com o zíper danificado, Darly Alves da Silva abre o portão da cerca que impede o acesso dos bois ao quintal da casa.

Saúda os presentes com um “boa tarde” e sobe firme a escada de tres degraus. Na varanda, mais protegido da chuva, retira de dentro da camisa um saco plástico com a Bíblia Sagrada dentro.

- Essa é a minha arma - avisa.

Mas o velho fazendeiro ainda parece acuado, como se não estivesse dentro de sua própria casa. Senta-se no banco de madeira e logo avisa que não dará entrevista.

Retira do bolso da camisa a carteira de presidiário, onde consta uma anotação logo nas primeiras páginas: “Término provável da pena: 22 de julho de 2015″.

Responde de modo gentil perguntas banais durante mais de três horas de conversa sobre o Acre, Chico Mendes, família, religião e até a respeito de outros implicados no complô que resultou no assassinato do homem mais famoso do Acre.

Quando a “fera” aparenta estar mais relaxada e falante, enfio a mão no bolso direito da capa de chuva. Tateio o mini-gravador, mas a operação se torna um desastre: aperto a tecla “play”em vez de “rec”. E o áudio de uma gravação me denuncia.

- Você está gravando. Avisei que não quero entrevista - fala com firmeza, enquanto tento me desculpar dizendo que apenas tateava o bolso em busca de um isqueiro.

Mais adiante, quando Darly Alves da Silva parece ainda mais relaxado, peço-lhe permissão para fazer uma pergunta incômoda. Ele autoriza.

- O que o sr. faria se pudesse voltar 20 anos no tempo?

- Águas passadas não movem moinho - responde secamente.

Sentado ao lado dele, curvo-me para abrir a mochila. Puxo o caderno de anotação e escrevo a resposta. Os olhos dele mudam de cor, encara-me sisudo, e vira-se para o outro lado do banco, onde está o radialista Raimari Cardoso, do blog Xapuri Agora, que ajudou-me a ter acesso ao recanto da família mais temida da região.

- Eu vim aqui atender a você, Raimari. Não sabia que você estava com um comparsa. Eu disse que não quero entrevista - afirma Darly, enquanto ameaça levantar-se para ir embora. Tive que me desculpar mais uma vez, repouso a mão sobre a coxa direita dele, fecho o caderno e o devolvo à mochila.

E haja mais tempo para a esgrima de mudar o rumo da prosa e outra vez deixar o dono da casa à vontade. Pergunto pelo livro que Darly tem intenção de publicar caso encontre alguém disposto a escrever sua biografia. Darly volta a se empolgar.

- Tenho esse sonho, sim. Preciso ganhar um dinheiro a mais. Eu acho que minha história vai interessar muito ao estrangeiro.

Darly também se entusiasma quando fala de sua nova arma, a Bíblia Sagrada. Ele ainda não foi batizado pelo fogo, mas está disposto a tratar disso logo. Quer cumprir a prisão domiciliar, obter a liberdade condicional e mudar de vez para Brasília. Ganhou gosto pelo lugar após o tempo que passou no presídio da Papuda.

- Eu quero minha salvação. Em Brasília, posso freqüentar todo dia a igreja “Deus é mistério”. É pentecostal. O pastor de lá era da “Deus é Amor” - explica.

Outro momento de empolgação e relaxamento é quando menciono o nome do ex-governador Jorge Viana, defensor de que a área da fazenda Paraná seja desapropriada e transformada em pólo-agroflorestal para assentamento de colonos.

- O Jorge Viana devia ser meu amigo, não é? Ele é bom. Mas eu acho melhor, gosto mais mesmo, é do irmão dele, o Tião Viana. Ele tem boas idéias - revela.

Em novembro, um filho de Darly, de 18 anos, matou a mulher mais jovem do pai dele dentro da fazenda Paraná. Enquanto repousava numa rede na varanda da casa, o jovem se aproximou e disparou um tiro de espingarda na nuca dela.

- Não perdôo ele de jeito nenhum. Se eu não estivesse com a mão sobre a Bíblia Sagrada, eu mesmo iria matar aquele covarde. O que ele fez foi uma covardia muito grande. Por causa desse crime, tem dias que eu me ajoelho e grito, implorando justiça a Deus - relata o fazendeiro com a voz embargada.

O celular toca. Do outro lado da linha, Elenira Mendes reclama que passei em Xapuri e não a procurei. Prometo voltar mais tarde. Ela quer saber aonde estou. Ao responder que estou entrevistando Darly, a filha de Chico Mendes, que tinha quatro anos quando viu o pai morrer tentando lhe dizer alguma coisa, sugere:

- O Darci [filho de Darly condenado a 19 anos de prisão com autor do tiro que matou Chico Mendes] prometeu que iria revelar os nomes dos demais mandantes quando o crime completasse 20 anos. Pergunta pro seu Darly quais eram os outros mandantes.

Peço mais uma vez permissão para fazer uma pergunta incômoda. Darly aceita e responde:

- Não lembro se o Darci prometeu isso. Eu perguntei muitas vezes a mesma coisa, mas ele sempre ficou calado. Eu dizia que poderia ser beneficiado se ele revelasse quem mandou matar o Chico Mendes, mas nada. O que posso dizer é que nunca paguei advogado pro Darci. Alguém pagou. Não sei se foi o falecido Gastão Mota, o falecido ex-prefeito Adalberto Aragão, coronel Chicão ou outro qualquer - afirma.

Quando estava perto de três horas de conversa, voltei a insistir com Darly em defesa da entrevista:

- Respeito que o senhor não queira ser entrevistado, mas quero ao menos provar que estive aqui tentando a entrevista. Aceita que eu grave o sr. justificando a sua recusa?

- Tudo bem, isso eu posso fazer. Sei que você está trabalhando. Com a gravação você pode mostrar pro chefe da sua revista que esteve comigo na fazenda Paraná e foi bem recebido.



Após 20 anos do assassinato de Chico Mendes, leia a entrevista com Darly Alves da Silva no Blog da Amazônia.

domingo, 21 de dezembro de 2008

ATÉ LOGO QUE VIROU ADEUS

Edilson Martins



Há 50 anos deixei o Acre. E fí-lo com o coração partido. Gostaram do gongorismo? Garanti à dona Raimundinha - minha mãe, que fazia e vendia, num tabuleiro, o melhor chá-de-burro, o conhecido mucunzá de Rio Branco - que voltaria formado, de anelão no dedo, do Sul maravilha, para orgulho dela, e a ajudaria. Ela nunca mais venderia mingau nas noites de chuva e frio da cidade.

Ela riu -aquele riso de mãe, inesquecível. Estávamos sentados nos degraus de madeira de nossa humilde casa, no bairro da Base. Ela respondeu:

- Tu és igualzinho ao teu pai. Não voltará… Aqui merece um reparo. Disse humilde, lá em cima, com os olhos de hoje. Naquela época, em minha imaginação, era uma mansão, quase um palácio.

Reféns do texto
Naqueles idos e vividos, o pessoal da minha tribo, - e éramos poucos e nos imaginávamos muitos, - perseguia o bom texto. Talvez fosse mais perseguido que uma aluna do Ginásio Acreano, daquelas de rosto angelical e olhar romântico. Tínhamos as nossas referências, os nossos ícones; professores Potyguara, Miguel Ferrante, Florentina Esteves. Todos, os quase todos, tinham pisado terras não acreanas ou procediam de outros estados. O Colégio Acreano era o grande pólo cultural, de encontros e de desejos de nós todos.

Era a casa de Epicuro, o nosso jardim onde descobríamos o mundo pelo saber inquietante, humilhante e abrangente, por exemplo, do professor Rufino. Cafuso, quase negro, vindo também de fora, imagino que mineiro, nos abria as portas de Roma, do Grande Império, com seus generais, seus oradores incomparáveis. Cícero e Catilina eram objetos de traduções permanentes. E como era chato, difícil e gratificante, também, traduzir o latim, descobrir aquelas culturas, seus heróis, o modo de viver daqueles povos.

O professor Rufino era uma figura singular. Esquivo, morava no hotel Chuí, imenso poder para nossa imaginação de rapazes pobres, recatado, arredio, inclusive na sala de aula; fora dela tomava porres homéricos, e aí se transfigurava. Soltava a franga.

Porres homéricos
Hoje fico imaginando a origem, a razão de ser daqueles porres. Fico tentando medir a solidão daquele homem, mergulhado nas grandezas do Império romano - era a sua tapioca diária - tendo que viver numa cidade perdida, insulada, provinciana, alheia ao objeto de suas preocupações, fruto da teimosia de um bando de cearenses, escondida meio da selva.

Nesse mundo dos Buendia um povo inteiro tentava provar que a vida ali era possível. Gente semi-alfabetizada, lutando não por cultura, pela curiosidade do saber, senão pela sobrevivência física, e ele dissertando, revisitando, todos os dias, os generais, os feitos dos Césares. O porre ali era a sustentação espiritual, era o mais legítimo dos recursos para a sobrevivência. Nós não víamos assim. Éramos implacáveis, moralistas, cristãos e nada perdoávamos.

Havia o Tom Mix, um sujeito curioso, padecia da doença dos românticos, com um atraso de pelo menos cinqüenta anos – tuberculose - e que se paramentava de caubói e nos encantava no final das sessões à noite de cinema. E só era exibido filme de bang-gang. E lá ficava o nosso Tom Mix, cercado de nossa admiração, de nossa gratidão. Era demais termos aos nossos olhos a réplica quase real de nossos mocinhos. Ah, as sessões do Cine Rio Branco!… O bate-coxa invasivo, dissimulado, bom, deixa pra lá…

Começou a liberar
Por que não resgatar o Chaguinha, homossexual, enrustido, e não poderia ser diferente, estigmatizado, salvo erro de memória, alfaiate. Morava no Papouco - será que ainda existe esse bairro? - e preenchia, Deus sabe como, a solidão, a curiosidade e luxúria de muita gente boa.

No Acre daqueles tempos, - e diga-se que daqueles tempos era o começo dos começos, como se fala entre os índios, - essa opção afetiva era transgressão ousada, de alto ônus. Era uma nova estética, só praticada pelos espíritos mais sórdidos e obscenos.

Mas havia também as pernas das lavadeiras, das lavadeirinhas noviças, na beira do rio Acre. E sobre essas não havia punição moral, e, no entanto…

Durante o verão, que nos arrebatava, íamos nadar, tomar sol e desapropriar, nada de roubar, as melancias deliciosas que ocupavam as praias do rio Acre. Descíamos o rio montados nelas, com apenas a cabeça de fora, em profundo silêncio, tanto para nos esconder de seus donos, os colonos ribeirinhos, como principalmente vermos deslumbrados as coxas das lavadeiras, das meninas moças, das virgens angelicais.

A virgindade e a punição
Sim, naqueles tempos só se perdia a virgindade sob o manto sacramentado do casamento. Bons tempos dirão os saudosistas. Tempos ninjas, de resistências idiotas, e de abusivos prazeres solitários, dirá a alma mais liberada dos dias de hoje.

Nenhum Gisele Bündchen do mundo valia as pernas brancas, lívidas, robustas, contaminadas de pecado, das lavadeiras de ontem. Havendo sorte, podiam-se ver mais, muito mais, e, no entanto, os fracassos eram constantes.

Pouco importa, mesmo não vendo, garantíamos, exultantes, à noite, nas ruas poeirentas ou enlamaçadas da cidade, que tínhamos visto tudo. E o tudo não era pouco em nossas imaginações incendiadas de desejos. Éramos todos filhos das bravatas, dos superlativos.

A Fiorentina passara pelas universidades cariocas, falava francês como nunca antes se fizera antes em nosso país. Desculpe, houve um ato falho. Naquele tempo o Lula ainda era baixinho.

A retórica que encantava
O Miguel Ferrante, cuja filha hoje é novelista da Globo, sempre de terno de linho branco, nos encantava durante as aulas de Português. Era um grande retórico. O Potyguara, miúdo, pequeno, quase mecânico em seus passos, mas como crescia na sala de aula. Depois havia seus livros, livros de ficção contaminados pelo naturalismo do Jorge Amado, que pelo menos para mim, eram aguardados como quem sonha em invadir outros mundos.

E olha que era o mundo dos seringais que eu conhecia muito bem, posto neles ter nascido e crescido. Muitas de suas páginas eram desfrutadas sob emoção silenciosa, contida, afinal de contas, bom, toca o barco….

Havia, bom não esquecer, uma sensação de aldeia. Não era uma coisa clara, como agora percebemos, mas era visível que todos se conheciam e quem sabe, se toleravam. Era uma Rio Branco sem privacidade, sem segredo, sem clandestinidade. Bom, dirá o leitor virtual, que saco, que horror de mundo!… Não era bem assim. Havia uma sensação de grande família, e de acima de tudo solidariedade. Sem exageros ou pieguismo.

Pecado e absolvição

Se todos pecavam, e como pecávamos, havia, portanto, uma absolvição coletiva. Sabíamos de cor quem traia, quais as esposas que estavam dando adoidado, quem eram os cornos, quais as deusas que liberavam demais, que permitiam avançar o sinal, e assim por diante. E mesmo assim, se mais não fosse, tudo era mistério. E o mistério, já dizia Machado, é o encanto da vida.

E os políticos, os caciques daqueles tempos, vale enfatizar, não haviam se iniciado na arte impune de achacar o poder público. Roubar, sempre se roubou, mas não com a impunidade e desfaçatez que se faz hoje no país.

Mas não é disso que quero falar. Estou pisando na bola, urinando fora do pinico. Quero sim, estabelecer um paralelo entre dois mundos separados por meio século. Se conseguir ótimo, mesmo o fazendo sem o talento e a graça que nunca tive.

Espero que não esteja cometendo o pecado da nostalgia, logo ele, o pior dos pecados no mundo de hoje. A nostagia hoje é o maior mico do mundo. Revisito o Acre e tomo um grande susto. Rio Branco está uma beleza. E me dizem que o interior passa pelas mesmas mudanças. O povo me pareceu feliz. Isto tudo após a morte do Chico Mendes, parceiro de utopias.

Chico orgulhoso
Essa rapaziada, essa companheirada que decidiu dar continuidade às suas utopias, não está fazendo feio, pelo contrário. Tenho certeza que se vivo estivesse, Chico estaria razoavelmente orgulhoso. O Acre melhorou. Isto é fato.

É muito difícil a população ter juízo, entender que desmatar é suicídio, se o mundo inteiro fez e continua fazendo isso. Essa é a grande questão. As chamadas frentes civilizatórias – fazendas, madeireiros, agronegócio, garimpo – chegaram à Amazônia para ficar. É briga de cachorro grande.

E, no entanto, o acreano é diferente. E teimoso. Está mostrando ao país que é possível administrar um estado sem saqueá-lo, sem demagogia barata, de braços com a população. E estado pobre, todos sabemos.

Teimosia

Pelo menos foi essa a sensação que tive. Juízo ligeiro, tudo bem, porque sem conhecimento maior. Como a sensação é a prostituta das provas, pelo menos no direito penal, é possível que tenha me enganado. É verdade existir esse artigo, essa cláusula no código penal? Se não existe passa a existir.

E resgatando; bem que minha mãe tinha razão. Nunca mais voltei para ficar. Para felicidade de meus amigos e da população em geral. Sou igualzino ao meu pai. Prometo, mas não cumpro. Em verdade sou pior que ele. Vivo mergulhado no mundo das fantasias, é o meu alimento permanente, minha tapioca do dia-a-dia.

Tudo isso porque tive na semana passada tive o privilégio de ser anistiado político, junto com o Chico Mendes, numa cerimônia pomposa, e ainda por cima ouvir do Estado brasileiro, pela boca de seu Ministro da Justiça, Tarso Genro, o pedido de perdão pelos constrangimentos sofridos em minha teimosia por um mundo melhor.

Não por ter sido preso, torturado, por quase um ano, nas dependências do Exército brasileiro, perseguindo um Brasil livre, com liberdade. Senão por continuar não cumprindo promessas, e me revoltando contra a opressão. Minha mãe tinha razão.

Edilson Martins é jornalista e escritor

ZORRAL TOTAL NO VESTIBULAR DA UFAC

João Bosco de Sousa

Copiar questões de outros vestibulares não é uma prática recente em vestibulares da UFAC. Acompanho o exame desde 1988 e, ano após ano, encontram-se questões que, quando não são cópias fidedignas das originais, são maquiagens grosseiras, às vezes contendo até erros de português.


A prova de Língua Portuguesa é um "espetáculo" à parte. A do vestibular de julho deste ano é um libelo da incompetência reinante entre os professores que se recusam a reconhecer suas limitações técnicas para elaborar itens com as características exigidas por uma avaliação de nível médio, como o vestibular. Das 15 questões que compuseram a prova, 12 são comprovadamente copiadas, a saber:

- vestibular da FUVEST-SP (1997): questão 17;

- vestibular da FUVEST-SP (1998): questão 14;

- vestibular da FUVEST-SP (1999): questões 11, 12, 13, 15, 16, 21 e 22;

- vestibular do ITA-SP (1991): questão 20;

- vestibular da UM-SP (1994): questão 23;

- vestibular da PUC-RS (1993): questão 24.

Há um detalhe interessante relativo à questão 24, copiada da PUC-RS. O professor "autor" prejudicou muitos vestibulandos, pois divulgou uma resposta errada e manteve-a até o final do processo seletivo. Estranhamente a Copeve não colocou as provas à disposição no site da UFAC, divulgou apenas o gabarito.

Neste último vestibular, realizado em 14 e 15 de dezembro, o procedimento do plágio foi novamente utilizado, mas chega a ser um "detalhe" comparado a problemas de natureza teórica. Na prova de Língua Portuguesa, há três questões cujas respostas divulgadas pela banca examinadora não se sustentam. A questão 24, por exemplo, é uma agressão incomensurável à inteligência de discentes e docentes e, sobretudo, aos compêndios literários. O enunciado pede ao aluno que aponte, entre cinco afirmações, aquela que não pode ser feita sobre o livro "O empate", de Florentina Esteves. Entre as quatro afirmações que não servem como resposta - mas que são verdadeiras, segundo o raciocínio aplicado no enunciado -, encontra-se esta: "... o romance 'O empate' (...) apresenta a mulher indígena como personagem nunca antes valorizada nas narrativas de autoria masculina". Em outras palavras: Florentina Esteves superou - nada mais, nada menos! - José de Alencar, para ficarm os apenas na menção de um autor mais conhecido, de um autor "menor" do espectro literário brasileiro.

Em vestibulares sérios, após a aplicação das provas os professores que elaboram as questões apresentam as respectivas respostas com comentários, justificativas. É um procedimento elementar: se o professor propõe um item avaliativo aos alunos, espera-se que ele saiba resolvê-lo e fundamente sua resposta. No vestibular da UFAC, os "autores" dos itens sentem-se agredidos quando se faz qualquer questionamento, mas são incapazes de redigir um fundamento teórico justificando o que propuseram como avaliação. O dom da infalibilidade lhes toma o corpo até a medula óssea. Oxalá o episódio de agora torne esses "autores" seres menos divinos, mais próximos de nossa falível natureza humana!

Sua Magnificência, Olinda Batista, tem uma oportunidade ímpar de promover ações há muito necessárias ao aprimoramento do vestibular da UFAC. Essas ações não compreendem apenas aspectos relativos à organização e infra-estrutura. A mais urgente, revelada pelo episódio do plágio de questões, é justamente aquela que muitos não percebem: definir ao menos um esboço mínimo do perfil de aluno que a instituição deseja receber em seus cursos. Esse perfil é essencial quando a universidade discute, por exemplo, as diretrizes para a melhoria da qualidade de ensino.

Nesse sentido, é importante a reitoria não se deixar embevecer pelo clima moralizante instaurado após a divulgação das irregularidades. Visando à elaboração de questões inéditas, sem a devida reflexão corre-se o risco da ressurreição de mentalidades jurássicas que já reinaram em vestibulares da UFAC e, qualitativamente, em nada contribuíram. Tome-se como exemplo o exame de 1997. Após fraude grosseira que culminou com a anulação total do processo seletivo, novas provas foram elaboradas. É bem verdade que a maioria das questões já não primava pela qualidade e a escassa qualidade existente já era fruto de plágio, mas, no geral, as novas provas conseguiram piorar o que já era ruim. Em uma das questões de Língua Portuguesa, pediu-se aos vestibulandos que apontassem o plural da palavra "ancião", segundo a norma gramatical. Três são as formas de plural registradas em português: "anciãos", "anciães" e "anciões". Como podemos observar, esse tipo d e questão exige do vestibulando uma habilidade tão rebuscada, tão sofisticada quanto "analisar o caráter sistêmico da menstruação das baratas" e "compreender a importância da influência da décima sétima lua de Júpiter no ciclo menstrual das formigas-saúvas africanas". Esse tipo de questão "inédita" revela-nos pelo menos três problemas comprometedores: 1) o elaborador desconhece o teor dos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento oficial que fundamenta o currículo do ensino médio brasileiro. O que significa dizer que ele desconhece a realidade do público ao qual se destina a avaliação; 2) o elaborador não domina os rudimentos básicos que norteiam a formulação de um item avaliativo; 3) o elaborador age de má-fé, uma vez que, sendo sabedor de sua inabilidade técnica para executar a tarefa que lhe foi incumbida, aceita-a prontamente como se fora capaz de realizá-la, desprezando de maneira irresponsável o fato de prejudicar a trajetória de muit os estudantes.

É importante, também, que a reitoria da UFAC revele o nome dos professores-copistas e responsabilize-os de fato. A julgar pelas últimas declarações do presidente da Copeve, o velho corporativismo que corrói a estrutura da instituição já começa a dar as caras. Em entrevista a um periódico local, o atabalhoado dirigente disse que "o plágio pode ter ocorrido por falta de tempo dos professores para elaborar questões inéditas". A declaração é um acinte. Falta aos eminentes professores tempo para elaborar itens inéditos, mas não lhes faltam tempo e disposição para receber a remuneração por algo que não fizeram. O decadente programa "Zorra Total" é uma revolução humorística sem precedentes, comparado a uma pérola dessas.

João Bosco de Sousa professor de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino.

sábado, 20 de dezembro de 2008

MARCHA PARA O OESTE

Zuenir Ventura

Sentado num restaurante de Porto Velho, eu ouvia meus companheiros de mesa e observava pelo vidro o grande agito da cidade à meia-noite de uma terça-feira, bem maior do que o de Rio Branco, de onde estava vindo. Aproveitei para perguntar se havia rivalidade entre Acre e Rondônia. Se há!? Um deles, que parecia não gostar da terra de Chico Mendes, e nem do próprio, foi logo afirmando que ele é produto do marketing. “O Acre desmata tanto ou mais que Rondônia, mas nós é que somos os vilões da história”. Achei que ele confundia propagando com carisma, mas não sou neutro nessa disputa. Aleguei então que um estado com mais de um século de história e com personagens extraordinários como Galvez, Plácido de Castro e o próprio Chico tinha que levar vantagem sobre outro com menos de 30 anos de existência e pouca identidade cultural.

A partir daí houve uma animada discussão. Juntando esse papo com os dos dois dias anteriores em Rio Branco, o resultado foi uma relativa queda no meu quociente de ignorância amazônica. Não digo que voltei um sabichão em preservação ambiental, expansão da fronteira agrícola, manejo florestal etc., mas aprendi um pouco, por exemplo, sobre carne, uma questão que eu conhecia apenas pelo estômago, não pela cabeça. Assim, além de desconfiar que se come nos dois estados os mais suculentos bifes do planeta, fiquei sabendo que o rebanho bovino de Rondônia é de cerca de 11 milhões de cabeças (para 1.538 mil habitantes) e o do Acre, de quase 3 milhões (para 547 mil habitantes). Quanto ao desmatamento, há muita controvérsia, pois virou tema ideológico. Rondônia teria 27% de sua área desmatada, e o Acre, apenas 10%. Em compensação, a reserva extrativista Chico Mendes, criada há 18 anos, estaria ameaçada. Segundo o IBAMA, a área de pasto que não poderia ultrapassar 27 mil hectares já estaria em 45 mil. Também li no blog de Altino Machado, o de maior prestígio no Acre, a entrevista em que o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri afirma: “O extrativismo florestal está falido”.

Isso é um resumo de um debate maior: conservação ou progresso? Ou como conciliar essas duas concepções de desenvolvimento? Trouxe tantas informações que ainda volto ao assunto. Por ora, ficou-me a impressão de que haverá em breve uma espécie de marcha para o Oeste, despertando a um tempo esperança (de integração continental) e apreensão. Com o término da Rodovia do Pacífico, que em 2010 aproximará o Brasil da Ásia, já se pode calcular a avidez com que os imensos e gulosos mercados da China, Japão e Tigres Asiáticos avançarão sobre a soja, a madeira, a carne, os produtos medicinais, fitoterápicos, fármacos – em suma, sobre a rica biodiversidade da região. Diante dessa pressão de consumo, vai ser preciso muita resistência para manter a floresta em pé.

Zuenir Ventura é colunista do jornal O Globo.

UMA ACREANA NA FAMÍLIA MAGALHÃES

Adolescente de 14 anos, filho da acreana Siméa Maria de Castro Antun, entra na Justiça para ser reconhecido como filho do ex-deputado Luis Eduardo Magalhães e fazer jus à sua herança e à de seu suposto avô, Antonio Carlos Magalhães

Leonardo Coutinho e Sandra Brasil, da revista Veja


Um personagem até agora desconhecido entrou na divisão do espólio do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, que morreu em julho de 2007. Trata-se de um adolescente que completou 14 anos na semana passada e que, desde setembro, reclama judicialmente sua condição de neto e, portanto, herdeiro de ACM. Seu advogado alega que o cliente nasceu de um relacionamento extraconjugal do deputado Luis Eduardo Magalhães, o terceiro filho do senador.

O mais brilhante político de sua geração, Luis Eduardo presidiu a Câmara durante os dois primeiros anos da administração do presidente Fernando Henrique Cardoso, capitaneou a revisão da Constituição e era um potencial candidato ao Palácio do Planalto quando sucumbiu a um infarto em 1998, com apenas 43 anos. Elegante, simpático e bon vivant, era tratado por seus pares como um príncipe e deixou órfãos Paula, Carolina e Luis Eduardo, filhos de Michelle Marie, com quem se casou em 1976.

O pretenso quarto filho de Luis Eduardo reivindica não só uma parte da fortuna do avô como uma nova partilha da herança do deputado e o direito de usar o sobrenome Magalhães. Para isso, entrou com dois processos. Na Bahia, pediu a "reserva de quinhão" na partilha de ACM. Na 7ª Vara de Família do Distrito Federal, move um processo de investigação de paternidade.

A mãe do adolescente é Siméa Maria de Castro Antun, que foi assessora parlamentar de Luis Eduardo. Nascida no Acre, ela trabalhava como modelo em Brasília no fim dos anos 80. Era conhecida na capital como garota-propaganda das lojas Gavi, uma rede de móveis populares. No processo, Siméa relata que conheceu Luis Eduardo aos 20 anos. O deputado a teria abordado em abril de 1989, durante uma convenção do antigo PFL na qual ela trabalhava como recepcionista. Siméa diz que o deputado a abordou, deu-lhe um cartão de visita e ofereceu-lhe um emprego em seu gabinete.

Quatro dias depois, a moça já estava na folha de pagamento da Câmara. O romance começou na seqüência. Foram necessários apenas dois meses para que ela se mudasse para o apartamento funcional de Luis Eduardo. "O casal convivia de segunda a quinta-feira, relacionando-se afetiva e sexualmente, pois às sextas-feiras, geralmente, o investigado seguia para o seu estado, a Bahia", descreve José Alfaix, advogado do filho de Siméa.

O processo traz relatos de testemunhas que afirmam que a assessora morou com o chefe, a quem chamava de Luigi, até fevereiro de 1994. Naquele mês, Siméa engravidou. De acordo com sua versão, o deputado sugeriu que ela abortasse. Ela se recusou e voltou para a casa dos pais. Por ordem do amante, deixou de comparecer ao gabinete, mas continuou recebendo o salário do Congresso.

Suas testemunhas contam que Luis Eduardo, no entanto, jamais a deixou desassistida. "O deputado custeou o pré-natal e o parto. Quando o menino nasceu, impressionou a todos: era a cópia do pai", declara Ana Lúcia de Oliveira, amiga de Siméa. A ex-secretária do parlamentar, Marlene Vieira, é uma peça-chave no caso. Ela filmou o parto. A gravação foi anexada aos autos, mas Marlene, que hoje é secretária do senador ACM Junior, irmão de Luis Eduardo, não está entre as testemunhas.
Uma acreana na família Magalhães

Zeloso de sua imagem de homem público, o deputado evitou visitar a criança no hospital. Esperou para conhecê-la na casa dos pais de Siméa. Depois que a moça e seu filho se instalaram em um apartamento alugado, o casal rea-tou o romance. Três anos depois, o político engordou a renda do garoto concedendo dois aumentos à sua mãe. Uma testemunha afirma que, momentos depois da morte prematura de Luis Eduardo, o empresário João Carlos Di Genio, da Unip e do Colégio Objetivo, contou ao senador ACM que Luis Eduardo havia deixado um filho não registrado. Conforme esse relato, ACM convocou Siméa e disse-lhe: "Filho do meu filho é meu neto. Não se preocupe, pois o futuro financeiro e educacional do menino estará garantido". Para cumprir a promessa, aceitou-a como sua assessora. ACM Júnior, suplente do pai no Senado, manteve-a nos quadros do Congresso.

Siméa recebia do Erário um salário de 8.255 reais para ficar em casa cuidando do filho. Só foi demitida na última terça-feira, depois que VEJA instou o senador ACM Júnior a esclarecer o assunto. "Herdei essa situação. No momento em que tive a informação de que ela não freqüentava o trabalho, não tive alternativa a não ser exonerá-la", justificou. ACM Júnior manteve Siméa nos quadros do Senado mesmo depois que ela orientou seu filho a processar os Magalhães.

Nos autos, Siméa conta que planejava não reivindicar a herança da família. Ao contrário, pretendia esperar que o adolescente atingisse a maioridade para decidir se requereria ou não o nome e parte da fortuna do pai e do avô. Diz que mudou de idéia depois que leu notícias sobre a disputa entre os herdeiros oficiais de ACM pelo espólio dele, estimado em 345 milhões de reais.

Siméa Antun nasceu em Cruzeiro do Sul. Mudou-se com os pais aos seis anos de idade para Brasília, onde está há 33 anos. A repórter Sandra Brasil, de Veja, também é acreana, de Rio Branco.