sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

COMIGO NÃO, VIOLÃO!

Leila Jalul

Quando ainda gente, minha paixão era a música. A paixão ainda existe. Em menor escala, mas existe. Eu que deixei de ser gente.

Decorava letras de velhas e novas canções, com a maior facilidade do mundo. Em espanhol, em latim, em francês, italiano, e em português. Quanto mais velhas, mais eu lembrava.

E assim, não era raro vir o padre me pedir para cantar, em latim, um trecho de encomenda de defunto rico. “Quando coeli movedi sunt et terra...”

Atendia, com a maior satisfação. Não pelo defunto, mas pela música. E transitava livremente pelo Tantum Ergo Sacramentum até Espinita, de Une Mèche de Cheveux até Bocca di Rosa, numa pernada só.

Ocorre é que tem gente que não sabe o que é bom senso, nem entende nada de sentimentos. Gosta mesmo é de tripudiar.

Me procura um cara, cantador, seresteiro, metido a imitar Frank Sinatra. Fazia muito tempo que estava de olho nele. Na minha cabeça passava que, se namorássemos, juntaríamos a fome com a vontade de comer música.

Tudo errado. O cara queria era mostrar seus acordes para a Islene, uma boneca mignon, linda. Boneca linda, daquelas que não se desarrumava nunca, não se despenteava nunca. Olhos de azeviche.

A intenção dele era copiar a letra de uma antiga valsa que dizia: "...eu vi, numa vitrine de cristal, sobre um soberbo pedestal, uma boneca encantadora".

Até aí tudo bem. Cabia certinho. Mas, continuava: "...seu cabelo tinha a cor do sol a irradiar fulgor, raios de amor, seus olhos eram circunvagos no romantismo azul dos lagos, mãos liriais, pés divinais", e por aí vai.

Até esse momento, ensinei a letra e a melodia.

- Peraí, cara, larga de ser ridículo. O cabelo da Islene é preto que nem a asa da graúna. Canta outra. Canta Marina, canta morena dos olhos d’água, canta qualquer outra coisa que pareça com ela.

O ciúme tomou conta de mim. Teve lágrimas, um acerto de contas de dois longos anos de paixão recolhida. Naquele dia, pelo menos naquele dia, a noite foi nossa, só nossa e de mais ninguém.

12 comentários:

Anônimo disse...

Sem querer ser chato, mas a Leila Jalul não tem blog não? tem mais texto dela nesse blog do que do próprio Altino. E eu particularmente, procuro os textos do Altino, se quisesse ler crônicas, poesias, acessaria o da Aleta ou da própria Leila. Kd teus textos Altino!

Abraços pra Leila e Altino..

Anônimo disse...

Caro Alex,

tem gente que acessa o blog apenas para ler os textos da Leila. Se olhar direitinho você encontra algum texto meu. O blog tá pequeno, é verdade. Tenho andado muito ocupado e sido salvo pelos brilhantes colaboradores.

Anônimo disse...

Alex, meu amigo, tenha calma, você não perde por esperar! Por enquanto, é o que posso dizer. Mais tarde não vai ter motivo para reclamação.
Outro abraço para o amigo, bem apertado.

Anônimo disse...

Pois é Leila, quando entravas na igreja como o Padre te saudava? lembras? ou era o Pe. André ou o Frei Tiago Matiolli - "Dominus vo biscum" e tu respondias "et cum spirito tum" velhos tempos, não melhores que os atuais, com a modernidade tu aí e eu aqui podendo conversar, embora isso não suplante o olho no olho e nem os longos papos na calçada, mas os atuais tempos serão suplantados pelos porvir, só tem uma coisa, nada suplantará ler e interpretar um texto. O teu texto só merece pedir mais e mais.. beijos

Anônimo disse...

Desconfio que o Alex não é o Alex.

Anônimo disse...

Leila,
adoro lê-la !
Beijo.

Anônimo disse...

Leila, o Altino que me perdoe, mas agora, já entreo no blog procurando os seus textos.
E, c omo brm disse o dono do blog, os colaboradores o tem salvo da falta de tempo.

Adoro ler seus textos! E esse está especialmente delicioso. O final, hummm...muito bom.

beijos

Anônimo disse...

Edson, homem de Deus, não escorrega no latim! eu respondia ao Frei Tiago: "et cum spiritu tuo".
Menino bonito, bom é ter você aqui neste "nosso" espaço Blog. O Altino é um pedagogo, não como os definidos hoje, mas aquele da Grécia Antiga.
Estou me tornando uma senhora disciplinada, com medidas, mordendo a língua para não ficar mal na fita. Te juro, ele me repôs umas vontades de continuar rindo, escrevendo e contando minhas experiências que, se não agradam a todos, não desagradam a muitos. Continue e verá o quanto é agradável o convívio, não só com ele, mas com os que nos reencontramos e com os que comentam.
Este Blog é como um empório sortido.
Nos veremos sempre.
Um beijo

Anônimo disse...

Saramar, naquele dia entendi que, quem não canta, não "fica".
Bom domingo.
Beijo

Unknown disse...

Lela querida, quanto tempo! E como é prazeroso ler, aqui em Campinas, suas histórias, reconhecer muitas, conhecer outras tantas e lembrar com uma doce saudade de nossas farras, e como você cantava bem Índia em guarani! Lógico que essa música era sempre quando já estávamos todos falando em letra de forma. Bons e inesquecíveis tempos!
Um grande beijo

Anônimo disse...

Che iru Núbia,
Quantas saudades! Muitas, muitas!
Um dia, meio p. da vida, sentei num canto da casa, chorei que nem uma condenada e me perguntei: quem sou eu? Quem eu fui?
Pois bem, saiu isso:
Quê, ou quem posso ter sido noutras vidas, se é que outras vidas possa ter tido, ou outras mortes possa ter vivido?
Às vezes, sozinha, me revejo mulher de mineiro, uma boliviana, a quem nunca deixaram falar (lembra da Domitila?), ou uma prostituta paraguaia suja?
Uma das loucas da Praça de Maio, ou uma viúva portuguesa de marido incertamente vivo ou morto?
... e por aí vai.
Então, veja, aí está a resposta do cantar Índia, em tupi-guarani. Ainda canto, sem precisar estar falando em letra de forma. É do sangue, é herança. Ainda canto Malagueña, os fados da Amália Rodrigues e outras coisas. Hoje, isso só acontece quando falo em letras góticas.
Diga uma coisa: você ainda carrega na sua bagagem aquela coletânea dos jornais de Sena Madureira, do tempo que lá tinha trem?
Me diga mais: como estão aqueles meninos barrigudos que dizia teus filhos? Me disseram que são lindos. Como posso saber, se minha irmã me desprezou depois da academia?
Só por castigo, quero que o Altino mande este desabafo para seu e-mail. O meu é jbretz@brturbo.com.br
Um carinho grande para a amiga, os barrigudos e para os que te cercam.
Você é especial.

Unknown disse...

Leila,
Já anotei teu email e logo, logo vou te mandar notícias, ok?
Bjão