sábado, 31 de dezembro de 2005

POEMINHA DO CONTRA

Mário Quintana

Todos esses que aí estão
atravancando meu caminho,
eles passarão...
Eu passarinho!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

HISTÓRIA DO ACRE



A HERÓICA E DESPREZADA BATALHA DA BORRACHA


Por Marcus Vinícius Neves (*)


Sem ter sido um episódio propriamente militar, a tentativa de ampliar dramaticamente a produção brasileira de borracha foi um projeto governamental que recebeu apoio técnico e financeiro dos norte-americanos em guerra contra o eixo Roma, Berlim e Tóquio. Os nordestinos recrutados para trabalhar nos seringais foram chamados de "soldados da borracha", mas jamais receberam soldo nem medalhas.


De repente, em plena Segunda Guerra, os japoneses cortaram o fornecimento de borracha para os Estados Unidos. Como resultado, milhares de brasileiros do Nordeste foram enviados para os seringais amazônicos, em nome da luta contra o nazismo. Essa foi a Batalha da Borracha, um capítulo obscuro e sem glória do nosso passado, ainda vivo na memória dos últimos e ainda abandonados sobreviventes.

No final de 1941, os países aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias-primas estratégicas. E nenhum caso era mais alarmante do que o da borracha. A entrada do Japão no conflito determinou o bloqueio definitivo dos produtores asiáticos de borracha. Já no princípio de 1942, o Japão controlava mais de 97% das regiões produtoras do Pacífico, tornando crítica a disponibilidade do produto para a indústria bélica dos aliados.


A conjunção desses acontecimentos deu origem no Brasil à quase desconhecida Batalha da Borracha. Uma história de imensos sacrifícios para milhares de trabalhadores que foram para a Amazônia e que, em função do estado de guerra, receberam inicialmente um tratamento semelhante ao dos soldados. Mas, ao final, o saldo foi muito diferente: dos 20 mil combatentes na Itália, morreram apenas 454. Entre os quase 60 mil soldados da borracha, porém, cerca da metade desapareceu na selva amazônica.

ACORDOS DE WASHINGTON

Quando a extensão da guerra ao Pacífico e ao Índico interrompeu o fornecimento da borracha asiática, as autoridades americanas entraram em pânico. O presidente Roosevelt nomeou uma comissão para estudar a situação dos estoques de matérias-primas essenciais para a guerra. E os resultados obtidos por essa comissão foram assustadores:

"De todos os materiais críticos e estratégicos, a borracha é aquele cuja falta representa a maior ameaça à segurança de nossa nação e ao êxito da causa aliada (...) Consideramos a situação presente tão perigosa que, se não se tomarem medidas corretivas imediatas, este país entrará em colapso civil e militar. A crueza dos fatos é advertência que não pode ser ignorada." (Comissão Baruch)

As atenções do governo americano se voltaram então para a Amazônia, grande reservatório natural de borracha, com cerca de 300 milhões de seringueiras prontas para a produção de 800 mil toneladas de borracha anuais, mais que o dobro das necessidades americanas. Entretanto, naquela época, só havia na região cerca de 35 mil seringueiros em atividade com uma produção de 16 mil a 17 mil toneladas na safra de 1940-1941. Seriam necessários, pelo menos, mais 100 mil trabalhadores para reativar a produção amazônica e elevá-la ao nível de 70 mil toneladas anuais no menor espaço de tempo possível.

Para alcançar esse objetivo, iniciaram-se intensas negociações entre as autoridades brasileiras e americanas, que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washington. Como resultado, ficou estabelecido que o governo americano passaria a investir maciçamente no financiamento da produção de borracha amazônica. Em contrapartida, caberia ao governo brasileiro o encaminhamento de grandes contingentes de trabalhadores para os seringais - decisão que passou a ser tratada como um heróico esforço de guerra. No papel, o esquema parece simples, mas a realidade mostrou-se muito mais complicada quando chegou o momento de colocá-lo em prática.(M.V.N)

BATALHA DA BORRACHA

Para o governo brasileiro era uma oportunidade para mitigar alguns dos mais graves problemas sociais brasileiros. Somente em Fortaleza, cerca de 30 mil flagelados da seca de 1941-1942 estavam disponíveis para ser enviados imediatamente para os seringais. Mesmo que de forma pouco organizada, o DNI (Departamento Nacional de Imigração) ainda conseguiu enviar quase 15 mil pessoas para a Amazônia, durante o ano de 1942, metade das quais homens aptos ao trabalho nos seringais.

Aqueles eram os primeiros soldados da borracha. Simples retirantes que se amontoavam com suas famílias por todo o nordeste, fugindo de uma seca que teimava em não acabar e os reduzia à miséria. Mas aquele primeiro grupo era, evidentemente, muito pequeno diante das pretensões americanas.

O problema era a baixa capacidade de transporte das empresas de navegação dos rios amazônicos e a pouca disponibilidade de alojamento para os trabalhadores em trânsito. Mesmo com o fornecimento de passagens do Lloyd, com a abertura de créditos especiais pelo governo brasileiro e com a promessa do governo americano de pagar US$ 100 por um novo trabalhador instalado no seringal, as dificuldades eram imensas e pareciam intransponíveis. Isso só começou a ser solucionado em 1943 por meio do investimento maciço que os americanos realizaram no Snapp (Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará) e da construção de alojamentos espalhados ao longo do trajeto percorrido pelos soldados da borracha.

Para acelerar ainda mais a transferência de trabalhadores para a Amazônia e aumentar significativamente sua produção de borracha os governos americano e brasileiro encarregaram diversos órgãos do gerenciamento do programa. Pelo lado americano estavam envolvidas a RDC (Rubber Development Corporation), a Board of Economic Warfare, a RRC (Rubber Reserve Company), a Reconstrucction Finance Corporation e a Defense Supllies Corporation. Pelo lado brasileiro, foram criados o Semta (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), depois substituído pela Caeta (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia), a Sava (Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico) e o BCB (Banco de Crédito da Borracha), entre outros.

Esses novos órgãos, em muitos casos, se sobrepunham a outros já existentes, como o DNI, e não é preciso muito esforço para imaginar o tamanho da confusão oficial que se tornou o empreendimento. (M.V.N)

ILUSÃO DO PARAÍSO

Em todas as regiões do Brasil, aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha e, assim, auxiliar a causa aliada. Alistamento, recrutamento, voluntários, esforço de guerra tornaram-se termos comuns no cotidiano popular. A mobilização de trabalhadores para a Amazônia coordenada pelo Estado Novo foi revestida por toda a força simbólica e coercitiva que os tempos de guerra possibilitavam.

No nordeste, de onde deveria sair o maior numero de soldados, o Semta convocou padres, médicos e professores para o recrutamento de todos os homens aptos ao grande projeto que precisava ser empreendido nas florestas amazônicas. O artista suíço Chabloz foi contratado para produzir material de divulgação acerca da "realidade" que os esperava. Nos cartazes coloridos os seringueiros apareciam recolhendo baldes de látex que escorria como água de grossas seringueiras. Todo o caminho que levava do sertão nordestino, seco e amarelo, ao paraíso verde e úmido da Amazônia estava retratado naqueles cartazes repletos de palavras fortes e otimistas. O slogan "Borracha para a Vitória" tornou-se o emblema da mobilização realizada por todo o nordeste.

Espalhadas pelas esquinas, nas paredes das casas e nos bares, a colorida propaganda oficial garantia que todos os trabalhadores teriam passagem grátis e seriam protegidos pelo Semta. Histórias de enriquecimento fácil circulavam de boca em boca. "Na Amazônia se junta dinheiro com rodo." Os velhos mitos do Eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular. O paraíso perdido, a terra da fartura e da promissão, onde a floresta era sempre verde e a seca desconhecida. Os cartazes mostravam caminhões carregando toneladas de borracha colhidas com fartura pelos trabalhadores. Eram imagens coletadas por Chabloz nas plantações da Firestone na Malásia, sem nenhuma conexão com a realidade que esperava os trabalhadores nos seringais amazônicos. Afinal de contas, o que os flagelados teriam a perder?

Quando nenhuma das promessas e quimeras funcionavam, restava o milenar recurso do recrutamento forçado de jovens. A muitas famílias do sertão nordestino foram oferecidas somente duas opções: ou seus filhos partiam para os seringais como soldados da borracha ou então deveriam seguir para o front na Europa, para lutar contra os fascistas italianos e alemães. É fácil entender que muitos daqueles jovens preferiram a Amazônia. (M.V.N)

CAMINHOS DA GUERRA

Ao chegar aos alojamentos organizados pelo Semta, o trabalhador recebia um chapéu, um par de alpargatas, uma blusa de morim branco, uma calça de mescla azul, uma caneca, um talher, um prato, uma rede, cigarros, um salário de meio dólar por dia e a expectativa de logo embarcar para a Amazônia. Os navios do Loyd saíam dos portos nordestinos abarrotados de homens, mulheres e crianças de todas as partes do Brasil. Primeiro rumo ao Maranhão e depois para Belém, Manaus, Rio Branco e outras cidades menores nas quais as turmas de trabalhadores seriam entregues aos "patrões" (seringalistas) que deveriam conduzi-los até os seringais onde, finalmente, poderiam cumprir seu dever para com a pátria.

Aparentemente, tudo muito organizado. Pelo menos diante dos olhos dos americanos, que estavam nos fornecendo centenas de embarcações e caminhões, toneladas de suprimentos e muito, muito dinheiro. Tanto dinheiro que sobrava para desperdiçar ainda em mais propaganda. E esbanjar em erros administrativos que faziam, por exemplo, uma pequena cidade do sertão nordestino ser inundada por um enorme carregamento de café solicitado não se sabe por quem. Ou possibilitar o sumiço de mais de 1.500 mulas entre São Paulo e o Acre.

Na verdade, o caminho até o eldorado amazônico era muito mais longo e difícil do que poderiam imaginar tanto os americanos quanto os soldados da borracha. A começar pelo medo do ataque de submarinos alemães que se espalhava entre as famílias amontoadas a bordo dos navios do Loyd, sempre comboiados por caça-minas e aviões de guerra. A memória de quem viveu aquela experiência ficou marcada por aqueles momentos em que era proibido até acender fósforos ou mesmo falar. Tempos de medo que estavam só começando.

A partir do Maranhão, não havia um fluxo organizado de encaminhamento de trabalhadores para os seringais. Freqüentemente era preciso esperar muito, antes que as turmas tivessem oportunidade de seguir viagem. A maioria dos alojamentos que recebiam os imigrantes em trânsito eram verdadeiros campos de concentração, em que as péssimas condições de alimentação e hi­giene destruíam a saúde dos trabalhadores, antes mesmo que tentassem o primeiro corte nas seringueiras.

Não que faltasse alimento. Havia comida, e muita. Mas era intragável, tão ruim e mal preparada que era comum ver as lixeiras dos alojamentos cheias enquanto as pessoas adoeciam de fome. Muitos alojamentos foram construídos em lugares infestados pela malária, febre amarela e icterícia. Surtos epidêmicos matavam dezenas de soldados da borracha e seus familiares nos pousos de Belém, Manaus e outros portos amazônicos. Ao contrário do que afirmava a propaganda oficial, o atendimento médico inexistia, e conflitos e toda sorte se espalhavam entre os soldados já quase derrotados.

A desordem era tanta que muitos abandonaram os alojamentos e passaram a perambular pelas ruas de Manaus e outras cidades, buscando um modo de retornar a sua terra de origem ou de pelo menos sobreviver. Outras tantas revoltas paralisaram alguns "gaiolas" (navios fluviais) em plena viagem, diante das notícias alarmantes sobre a insuportável vida nos seringais. Eram pequenos motins rapidamente abafados pelos funcionários da Snapp ou da Sava. As viagens apareciam, então, como caminhos sem volta. (M.V.N)

NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO

Os que conseguiam efetivamente chegar aos seringais, depois de três ou mais meses de viagem, já sabiam que suas dificuldades estavam apenas iniciando. Os recém-chegados eram tratados como "brabos" - aqueles que ainda não sa­biam cortar seringa e cuja produção no primeiro ano era sempre muito pequena. Só a partir do segundo ano de trabalho o seringueiro era considerado "manso". Mesmo assim, desde o momento em que era escolhido e embarcado para o seringal, o brabo já começava a acumular uma dívida com o patrão. O mecanismo de prender o trabalhador por meio de uma dívida interminável foi chamado de "sistema de aviamento".

Essa dívida crescia rapidamente, porque tudo que se recebia no seringal era cobrado. Mantimentos, ferramentas, tigelas, roupas, armas, munição, remédios, tudo enfim era anotado na sua conta corrente. Só no fim da safra, a produção de borracha de cada seringueiro era abatida do valor de sua dívida. Mas o valor de sua produção era, quase sempre, inferior à quantia devida ao patrão. E não adiantava argumentar que o valor cobrado pelas mercadorias no barracão do seringalista era cinco ou mais vezes maior do que aquele praticado nas cidades: os seringueiros eram proibidos de vender ou comprar em qualquer outro lugar. Os soldados da borracha descobriam que, no seringal, a palavra do patrão era lei.

Os financiadores americanos insistiam em não repetir os abusos do sistema de aviamento que caracterizara o primeiro ciclo da borracha. Na prática, entretanto, o contrato de trabalho assinado entre seringalista e soldado da borracha quase nunca era respeitado. A não ser para assegurar os direitos dos seringalistas. Como no caso da cláusula que impedia o seringueiro de abandonar o seringal enquanto não saldasse sua dívida com o patrão, o que tornava a maioria dos seringueiros verdadeiros escravos, prisioneiros das "colocações de seringa" (unidades de produção de látex em que estavam instalados).

Todas as tentativas de implantação de um novo regime de trabalho, bem como o fornecimento de suprimentos diretamente aos seringueiros, fracassaram diante da pressão e do poderio das "casas aviadoras" (fornecedores de suprimentos) e dos seringalistas que dominavam secularmente o processo da produção da borracha na Amazônia. (M.V.N)

GUERRA QUE NÃO TERMINOU

Mesmo com todos os problemas enfrentados (ou provocados) pelos órgãos encarregados da Batalha da Borracha, cerca de 60 mil pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945. Desse total, quase a metade acabou morrendo em razão das péssimas condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem. Como também pela absoluta falta de assistência médica, ou mesmo em função dos inúmeros problemas ou conflitos enfrentados nos seringais.

Ainda assim o crescimento da produção de borracha na Amazônia nesse período foi infinitamente menor do que o esperado. O que levou o governo americano, já a partir de 1944, a transferir muitas de suas atribuições para órgãos brasileiros. E tão logo a Guerra Mundial chegou ao fim, no ano seguinte, os EUA se apressaram em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha amazônica. O acesso às regiões produtoras do Sudeste Asiático se achava novamente aberto e o mercado internacional logo se normalizaria.

Terminava a Batalha da Borracha, mas não a guerra travada pelos seus soldados. Imersos na solidão de suas colocações no interior da floresta, muitos deles nem sequer foram avisados de que a guerra tinha terminado, e só viriam a descobrir isso anos depois. Alguns voltaram para suas regiões de origem exatamente como haviam partido, sem um tostão no bolso, ou pior, alquebrados e sem saúde. Outros aproveitaram a oportunidade de criar raízes na floresta e ali construir suas vidas. Poucos, muito poucos, conseguiram tirar algum proveito econômico daquela batalha incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros e que produziu tantas vítimas.

Pelo menos uma coisa todos os soldados da borracha, sem exceção, receberam. O descaso do governo brasileiro, que os abandonou à própria sorte, apesar de todos os acordos e das promessas repetidas antes e durante a Batalha da Borracha. Só a partir da Constituição de 1988, mais de 40 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, os soldados da borracha ainda vivos passaram a receber uma pensão como reconhecimento pelo serviço prestado ao país. Uma pensão irrisória, dez vezes menor que a pensão recebida por aqueles que foram lutar na Itália. Por isso, ainda hoje, em diversas cidades brasileiras, no dia 1º de maio os soldados da borracha se reúnem para continuar a luta pelo reconhecimento de seus direitos. A comparação é dramática: dos 20 mil brasileiros que lutaram na Itália, morreram somente 454 combatentes. Entre os quase 60 mil soldados da borracha, porém, cerca da metade morreu durante a guerra.

(*) Marcus Vinícius Neves é historiador e presidente da Fundação de Cultura do Município de Rio Branco. O artigo foi publicado originalmente na revista História Viva, de junho de 2004, tendo recebido uma péssima edição na web. As fotos que ilustram o texto no blog pertencem ao acervo do Museu de Artes da Universidade Federal do Ceará e ao acervo digitalizado do Memorial dos Autonomistas do Acre.

JORNAL DOS ACREANOS

Tenho evitado faltar, como dizem alguns, com a ética profissional. Até tento, mas leitores como o Gean Cabral não perdoam:

- Você leu "Farmácia Popular tem desconto de até 200% em medicamentos"? Estava na primeira página da edição de ontem do jornal A Tribuna. Façamos um cálculo rápido: Caso um remédio custe, por exemplo, R$ 10,00 no mercado, na Farmácia Popular custará 200% a menos. Ou seja: o doente leva o remédio grátis e ainda tem direito a mais uma unidade ou ao troco de R$ 10 reais. Bom, né?

O slogan da Tribuna é "o jornal dos acreanos". Informações corretas sobre a Farmácia Popular estão no site da Prefeitura de Rio Branco.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

O CÉU


Rio Branco (AC) às 4h42 da madrugada.

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

FELIZ 2006

Feliz teto
Feliz viga
Feliz casa
Feliz ninho

Passarei
Passarás

Passará

Passaremos

Passareis

Passarinhos

segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

TUDO É GRANDE SERTÃO

Por Juarez Nogueira (*)

Olá, Altino
Que a luz do Natal te mantenha inspirado.

Conforme combinamos, segue um arrazoado de minhas expectativas, um "Juarez antes"...

Minha viagem ao Acre coincide com um momento em que acabo de ler "Contos Amazônicos", do Inglês de Souza. Fino, o cara. Livro do vestibular UFMG, tarefa escolar para cumprir com meus alunos.


Não que isso tenha qualquer peso sobre a decisão da viagem: eu já pretendia fazê-la no princípio deste ano mas, por eventos tantos e tais, não me foi possível. Dentre meus objetivos, estão aqueles dos quais já falei com você por telefone. E saiba: sou muito grato, de antemão, por ter respondido sim ao meu chamado.

De plano, nada do espírito de "safári em terras exóticas". Viajo movido por um fundo desejo de conhecer e, nisso, vale aquele élan de Romaria que Elis cantou: "só queria mostrar meu olhar".

Por acréscimo, o que vir/vier, sei, será bem vindo e benfazejo, dentro de minhas expectativas pacificadas, creio eu, pela mesma natureza melancólica vagante nessa região de florestas que, por ora, parece tão distante de mim. Distante, mas dentro de mim porque viva e semovente como a certeza de que existe um ponto/porto em algum lugar para quem está de passagem.

Tenho acompanhado os noticiários da floresta; aqueles da seca na região, então, me tocaram muito. Juro: não pensei que viveria para ver isso. E a julgar pelo que se mostra aqui, sei que não vou encontrar um santuário intocado, e sim uma região que sofre as consequências da urbanização, da extração e do desmatamento acelerado e ilegais, da invasão de reservas indígenas, do avanço da agricultura, que experimenta o descaso governamental como também há aqui, ou seja, onde atuam forças antagônicas - muitas delas conflagradas pela presença humana.

Essa mesma presença que, da mesma forma, pode ser tanto regeneradora a ponto de nos devolver a esperança neste "melhor dos mundos", a exemplo do bravo Chico Mendes ou da destemida Doroty Stang. Ou, ainda, como alguém que responde a uma mensagem de "pede ajuda"...

Sei também que poderei contemplar uma natureza grandiosa, exuberante, solene, talvez nesse mesmo recolhimento que as gentes aqui das Gerais experimenta entre montanhas, com essa saudade ataviada que não tem nome e nem pé nem cabeça...

Afinal, como disse Guimarães, o Rosa, tudo é grande sertão. Define bem, o sertão está em toda parte. E, para além dos aspectos geográficos, turísticos e etcéteras, é isso: estou diante e em meio a contingências humanas universais que, oxalá, me façam "homem humano" integrado à vida por solidariedade aos meus semelhantes e não por consolo da minha inevitável e reconhecida pequenez.

Por ora, eis.

Um verdadeiro abraço.


(*) Juarez Nogueira, que é professor e autor do Manual de Sobrevivência na Redação, reside em Divinópolis (MG). Tornou-se leitor desse modesto blog ao planejar viagem ao Acre para os primeiros dias de janeiro. Pediu-me ajuda para os dias de vivência que terá na floresta. Em troca, pedi que registrasse aqui suas expectativas antes e depois da viagem. Que seja bem vindo à essa terra positivamente estranha, que ainda não sei se é o começo ou o fim do mundo. Ou ambos?

GÊNIO DA RAÇA

O músico João Donato será destaque como entrevistado na próxima edição da revista Bravo!. Quem o entrevistou foi o jornalista Pedro Só, autor do livro "1985 - O ano em que o Brasil recomeçou".

João Donato começou a carreira tocando sanfona na Rádio Difusora Acreana - A Voz das Selvas. Mas andava tão distante do instrumento que deixara pra lá o acordeom presenteado pela cantora Marisa Monte.

O acreano mais avoado da floresta dá sinal de ter gostado de posar tocando acordeom e trombone pra revista. A jornalista Ivone Belém, mulher dele, revela:

- Depois dessa entrevista, acredite, o João passou a carregar o acordeom e o trombone para shows e entrevistas em rádios e TVs.

O gênio da raça? Da acreana é João Donato.

À MARGEM DA HISTÓRIA

Euclides da Cunha

O Purus e o Juruá abriram-se há muito à entrada dos mais díspares forasteiros - do sírio, que chega de Beirute, e vai pouco a pouco suplantando o português no comércio do "regatão"; ao italiano aventuroso e artista que lhes bate as margens, longos meses, com a sua máquina fotográfica a colecionar os mais típicos rostos de silvícolas e aspectos bravios de paisagens; ao saxônio fleumático, trocando as suas brumas pelos esplendores dos ares equatoriais. E, na grande maioria, lá vivem todos; agitam-se, prosperam e acabam longevos.

Registre-se êste caso. Em 1872, Barrington Brown e William Lidstone percorreram o Baixo-Purus, até Huitanaã, embarcados na lancha Guajará, sob o comando do Capitão Hoefner, a german speaking both english and portuguese in addition, consoante explicam os dois viajantes no interessante livro que escreveram.

Há trinta e cinco anos...

E o Capitão Hoefner lá está, eterno comandante de lancha, a mourejar sem descanso sôbre aquelas águas malditas, onde fervilham os piuns sugadores, os carapanãs emissários das febres, e se espalmam, derivando à feição da correnteza insensível, os mururés boiantes, de flôres violáceas recordando as grinaldas tristonhas dos enterros. Mas não agourentaram o germano.

Vimo-lo, em fins de 1905, na confluência do Acre. É um velho vivaz e prestadio, diligente e ativo, de rosto aberto e rosado, emoldurado de cabelos inteiramente brancos. Se aparecesse em Berlim, mal lhe descobririam na pele, de leve amorenada, o sombrio estigma dos trópicos.

Multiplicam-se os casos dêste teor, acordes todos na extinção de uma lenda.

Resta, talvez, à teimosia no propagá-la, um derradeiro argumento: aquêles caboclos rijos e êsse saxônico excepcional não são efeitos do meio; surgem a despeito do meio; triunfam num final de luta, em que sucumbiram, em maior número, os que se não aparelhavam dos mesmos requisitos de robustez, energia e abstinência.

(*) Trecho de "À Margem da História", de Euclides da Cunha, no qual o engenheiro e escritor expõe seus estudos sobre a Amazônia, a partir do trabalho como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. A comissão partiu de Manaus no dia 5 de abril de 1905 para as nascentes do Rio Purus, onde chegou em 14 de agosto. Em outubro, regressou a Manaus e concluiu os trabalhos em 16 de dezembro. Obras de Euclides da Cunha podem ser baixadas em Coletivo Euclidiano ou na Biblioteca Virtual da USP.

domingo, 25 de dezembro de 2005

A COBRA


Já havíamos devorado o peru quando a avistamos faminta sobre o fogão. Após tirar a foto, pedi ao amigo Braz Cunha para desferir covardemente uma paulada mortal na cabeça dela. Ninguém chorou.

FERNANDO FRANÇA

"Caro Alma das necrópoles inertes, feliz Natal e um ano novo maravilhoso!!! Estou partindo para a França dia 3 de fevereiro, e só volto no final de abril.

Fui selecionado para um programa de intercâmbio cultural francês (Gingko). Tenho direito, por três meses, a um apartamento com um atelier na cidade de Troyes, que fica perto de Paris. Tenho também duas exposições confirmadas.

Um grande abraço"

Fernando França
Fortaleza (CE)

Nota: Vida boa hein, Socó! De ladrão de manga nos quintais do bairro da Floresta para cidadão privilegiado no Velho Mundo. Os dias de gibi e vadiagem no Acre ficam cada dia mais distantes. A França sempre combinou com você. Dê notícias quando estiver em Troyes. Paz, amor e um forte abraço. Quem quiser conhecer um pouco da arte do Fernando França deve clicar aqui.

sábado, 24 de dezembro de 2005

UMA ORAÇÃO

Jorge Luis Borges (*)

Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada.

Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias.

O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre.

Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou.

Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo.

Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios.

O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

(*) Jorge Luis Borges nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina e faleceu em Genebra, no ano de 1986. É considerado o maior poeta argentino de todos os tempos e é, sem dúvida, um dos mais importantes escritores da literatura mundial.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

FELIZ SAPO KAPU

Meus amigos Joaquim Tashka, Laura Soriano e Zé Paulo Tezza aproveitam as festas de Natal e ano novo para realizarem desta vez um documentário sobre o ritual do sapu kapu entre os yawanawá.

O grupo, que está na Aldeia Nova Esperança, às margens do Rio Gregório, promete que o documentário terá a mesma aceitação e repercussão do DVD YAWA - História do povo Yawanawá.

Diferente de anos anteriores, quando aproveitaram o fim de ano para viagens ao sul do país ou ao exterior, o grupo se embrenhou no coração da floresta para realizar filmagens com os pajés e conhecedores do sapo kapu, tendo como atores pessoas do povo yawanawá.

A cerimônia com uso do sapo kapu é cultivada pela tribo desde tempos imemoriais.

- O documentário trará lindas imagens do ritual, onde os verdadeiros donos do saber usam de forma respeitosa o leite sagrado do sapo, que representa para nosso povo a saúde e a prosperidade concedidas dado pelo Criador - explica Tashka.

Segundo o líder indígena, o documentario mostrará ao mundo ocidental a verdadeira cultura do sapo kapu, ao contrário dos que o usam sem nenhum tipo de conhecimento, sem respeito e apreciação pela verdadeira cultura do povo originário.

Direto da aldeia, acessando a internet pelo sistema de satélite, Tashka, Laura e Ze Paulo enviaram essa mensagem porque, segundo eles, querem compartilhar com os leitores deste blog um pouquinho da alegria de produzir uma novidade que virá em 2006 em benefício da cultura do povo yawanawá.

- Desejamos a todos feliz Natal e um ano novo de saúde, propiciado pelo sapo, que estamos tomando desde que chegamos à aldeia. Um feliz ano de sapo para todos.

Assista o filme "Aldeia Nova Esperança do Rio Gregório - Yawanawá, Acre", dirigido em 2003 pela Escola de Educação Audiovisual Nós do Cinema, por ocasião da instalação das primeiras antenas de conexão com Internet da Rede Povos da Floresta, iniciativa do CDI, com apoio Star One. Clique aqui.

KENÊ


A repórter Renata Brasileiro, do jornal Página 20, revela que os índios estão dispostos a impedir o uso indevido dos kenês, os desenhos sagrados das etnias do Acre.

- Precisamos fazer alguma coisa para que a nossa cultura e a nossa espiritualidade passem a ser respeitadas, impedindo que qualquer pessoa se sinta no direito de vulgarizar o que para nós é sagrado - afirmou à reportagem o índio Ninawá Kaxinawá.

Os índios estão nos dando uma lição ao exigirem que haja respeito ao patrimônio deles.

Caso exemplar de roubo ou pirataria de símbolos sagrados ocorre todo dia em relação à doutrina do Santo Daime, que é considerada a única religião genuinamente brasileira.

Os símbolos da doutrina,
fundada pelo mestre Raimundo Irineu Serra, têm sido surrupiados sem a autorização dele ou de seus herdeiros. A banalização gera aberrações em nome de uma doutrina iluminada na sua origem.

A foto acima é do Marcos Vicentti. Para ler a reportagem completa, clique aqui.

DE CRIMES

Há 17 anos, a gazua do empresário Narciso Mendes estava em festa: o corpo do seringueiro Chico Mendes jazia crivado de chumbos enquanto eram publicadas fotos obtidas estranhamente no dia anterior, menos de duas horas após o crime, embora até Xapuri a estrada de barro tivesse 188 quilômetros e a reportagem feito um pit-stop para a troca do pneu furado de seu automóvel.

O mesmo jornal O Rio Branco traz hoje a seguinte manchete na página de polícia:

"Delegados de polícia podem entrar em
greve contra descriminação (sic) do governo"

Os delegados reclamam que o governo deixou de ser criminoso? Ou foram descriminados pelo governo?

Quando a redação do jornal será descriminada? Ela não sabe o que é discriminar. Segundo o Aurélio, descriminar é "absolver de crime; tirar a culpa de; inocentar".

É por essas e outras que um dia O Rio Branco fará seu acerto com a história.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

O CHICO MENDES QUE VI

Por Moisés Diniz (*)

Conheci o Bastião, o Zé, o Antônio, todos Mendes. Conheci até outros Chico Mendes! Mas foi o Chico Mendes de Xapuri, no Acre amazônico, que me fez escrever este ensaio. Os outros Mendes e os outros Chico não conseguiram emergir das águas do anonimato que mata os filhos da classe dos proscritos. Eles ficam encurralados na cerca da sobrevivência!

Acordar com a madrugada, pescar uns peixes miúdos, comê-los com sal e banha na panela, ao alvorecer, agarrar-se aos instrumentos de trabalho, a enxada, a faca de seringa, o terçado, enfezar-se com mutucas, o pium, a ‘ruçara’, cipós-de-fogo, todo tipo de inseto, até inseto que mata, pico-de-jaca, cascavel, olhar para o sol que aquece o sangue, queima e rasga a pele, proferir uma ofensa, arrepender-se, retornar ao casebre, na mesma roupa adentrar a mata, uma espingarda e uma fé manca, uma ‘imbiara’, a janta, dos filhos banguelas, da mulher destruída, na pele, na alma e na esperança, retornar cabisbaixo, um macaco-prego, uma ‘nambu’, meninos alegres, para ver quem ficará com os ossos das mãos e dos pés, fazer brinquedos com ossos, na ausência compulsória do natal urbano, descer ao porto, tomar um banho com pouco sabão, voltar ao casebre, fumar um ‘porronca’, contar um ‘causo’ da mata, que viveu ou ouviu, animar a família, dizer que naquele ano vai dar para tirar saldo do trabalho bruto, comprar um fardo de chita, um sapato, um relógio, uma lanterna, mais sal e açúcar, ‘combustol’, lavar a boca no jirau, espirrar, tossir, mijar no ‘trapicho’, olhar no terreiro o ‘bacurin’, as galinhas, o pato, dar uns farelos ao pequeno guariba que grita na ponta da paxiúba, armar a rede, sacudir, para espantar as aranhas e a maldição, deitar o corpo quebrado, a alma partida, os pés maltratados, o coração amedrontado, rezar um pedaço do terço, que já é um pedaço da oração, benzer-se, agradecer a Deus o dia, a comida, o roçado, o ‘bruguelo’ que nasceu, falar algo à mulher que até hoje ninguém entendeu, descer a mão para as partes secretas, vestidas, cobertas, gemer baixo, esfregar-se, prender a respiração, ejacular, envergonhar-se do corpo desnudo, limpar-se, dormir como um poste, acordar, espreguiçar-se, vestir-se, lavar a boca, cuspir, recomeçar...

A primeira guerra que Chico Mendes venceu foi a guerra da sobrevivência!

A guerra pela sobrevivência é mais longa e árdua que qualquer outra guerra. A guerra pela sobrevivência não deixa outros Chico refletir. Chico Mendes, todavia, cansou-se daquele ritual, acordou a madrugada e os companheiros e os fez parceiros da sua utopia. Utopia de fazer a madrugada radiante, alegre, abundante, transbordando alimento, peixe, carne, arroz, mandioca, feijão, lanterna acesa, pólvora quente, rede limpa, uma cama, orgasmo tranqüilo, porta, dobradiça, menino na escola, igreja, procissão, sapato nos pés, quermesse, leilão, dinheiro no bolso, roçado, legumes, frutas, festa, violão. Chico Mendes tocou as estrelas sem sair do roçado, estampou nos jornais das metrópoles as estradas de seringa, o balde, a ‘poronga’, os varadouros. O defumador acanhado deixou de ser imagem exclusiva dos olhos da mata, da colocação. A anta, o caititu, a sapopema, o tucum, a malária, a morte precoce sob a carga elétrica do ‘puraqué’, a queda do ‘mutá’, as festas religiosas, o linguajar. Chico Mendes fez a floresta, como uma deusa, desfilar nos salões, Onu, Bird, Haia, Wall Street, Financial Times, tudo que a elite criou, Washington Post. As coisas simples do povo da mata caminharam em procissão, solidariedade, divulgação. Chico Mendes fez o milagre de colocar a floresta assombrosa dentro da televisão!

“O seringueiro Chico, Chico Mendes da televisão, virou menino de recado dos gringos, vendedor dos nossos segredos, da nossa soberania”, disse a elite mesozóica, divulgaram os jornais diluvianos! Era o que mais se ouvia das gargantas profanas, daqueles que matam Chico todos os dias!

Quem foi Chico Mendes e o que ele queria?

Não interessa o nome completo, o pai, a mãe, a escola onde estudou, a professora, o seringal, os irmãos, os sonhos de adolescente, as namoradas, o padre que o batizou. De sua individualidade, basta o dia da sua morte, 22 de Dezembro de 1988, quando um jagunço fez explodir o seu peito com um tiro de doze!

Perdão! Preciso fazer mais um registro individual, os dois meninos que Chico Mendes fez fecundar no útero de Ilzamar, sua morena mulher. Sandino e Elenira! Sandino guerreiro, mártir do povo nicaragüense e Elenira guerrilheira, mártir das matas do Araguaia. Chico Mendes os fez quando já visitava os gringos, recebia prêmios da Onu, portanto, é enigmático o seu varadouro, enquanto dialogava com os poderosos, batizava os filhos com os nomes da guerra.

O homem Chico Mendes está sob a terra de Xapuri. A história julgará, todavia, os seus passos, a sua voz, os seus bilhetes, a sua utopia. Deles nos ocuparemos, tentando admirar, tocar e dissecar as suas secretas vontades. Chico Mendes queria flashes, holofotes? Deputado do Acre bastaria! Queria dinheiro, riqueza? Fazendeiro de Xapuri ajudaria!

O que Chico Mendes queria? Além do que Chico Mendes profetizava, lutava, dizia, algo mais imprimia as suas vontades? Como um humilde seringueiro, de linguagem simples, vivendo numa casa modesta conseguiu chamar a atenção do mundo? Que mistério dominava a mensagem de Chico Mendes para que, ao mesmo tempo, provocasse tanto ódio e tanta paixão? Além do senso comum [a luta pela preservação da floresta] há algo mais? Por que outros ecologistas [inclusive, mais destacados que Chico Mendes] não foram ouvidos? Por que o ‘inexpressivo’ Chico Mendes, de Xapuri, teve a sua luta reconhecida em todos os quadrantes da terra?

A argumentação simplista de que Chico Mendes atendia a interesses econômicos e políticos poderosos (internacionalização da Amazônia) se chocará com a constatação de que outros ecologistas notáveis ficaram no anonimato. Isso não significa dizer que os capitalistas que determinam a geopolítica não tenham interesse em controlar a Amazônia e não utilizem determinadas personalidades ou entidades para esse fim. Esse não é o centro deste ensaio! O que queremos é dialogar sobre o mistério que envolve a utopia e a prática de Chico Mendes.

O que de novo apresentava a prática de Chico Mendes? Que métodos de luta utilizava que diferiam de outras táticas?

O Empate! O empate consiste em perfilar, no meio da floresta, homens, mulheres, crianças e anciãos com o objetivo de impedir a sua destruição. Quando juntava dezenas de pessoas e os colocava em frente a um trator, Chico Mendes tinha a consciência do perigo. Um tratorista-jagunço poderia passar por cima [literalmente] daquelas pessoas, incluindo anciãos, mulheres e crianças. Uma árvore poderia cair e matar crianças! Balas endereçadas a ele ou a outras lideranças poderiam atingir os inocentes!

Aqui reside a primeira contradição. Todos eram inocentes! Chico Mendes sabia, aprendera com os animais da floresta, que a luta pela sobrevivência, desde os primórdios envolvera todo o bando, o grupo, a horda. Chico Mendes não precisou estudar biologia! A escola da mata ensinara que as espécies que venceram foram aquelas que ensinaram as crias, desde cedo, a lutar para vencer o ambiente hostil. Por outro lado, Chico Mendes percebera que, desde o animal da floresta ao jagunço sem alma e convicção, havia algo que os unia: a proteção intransigente das crias. Nenhum animal e nenhum homem permitem agressão à sua prole, em especial, às crias indefesas. Chico Mendes apostou alto no humanismo que dorme na alma do mais insensível jagunço. A vida confirmou a sua aposta!

A tática de Chico Mendes foi além. O seringueiro Chico Mendes construiu uma tática intermediária entre o pacifismo e o belicismo. O empate é uma forma de luta nova. Combina o pacifismo da espera, produzindo aliados, com o belicismo do enfrentamento. Não produz o movimento do ataque [que pode obscurecer o apoio logístico], todavia se posta na frente do teatro da guerra. Na verdade, ataca o adversário, mas faz o seu movimento parecer apenas um contra-ataque. Conduz a opinião pública à conclusão de que quem atacou primeiro foi o madeireiro, o latifundiário. Objetivamente, o madeireiro atacou a floresta, não os atores do empate. Chico Mendes, com o seu movimento intermediário, conseguiu convencer que o madeireiro estava atacando os povos da floresta, por isso o empate era um contra-ataque. Os atores do empate estavam, portanto, se tornando árvores, pássaros, raízes, animais, riachos e plantas. Levantavam-se em seu lugar! As mulheres eram a castanheira, a envireira, os cipoais. Os anciãos eram os pássaros, os insetos, as larvas, os animais. Os homens, a sapucaia, a sapopema, o tucum. As crianças eram os riachos, os lagos, as gotas teimosas do orvalho, o ciclo da chuva.

Chico Mendes não deixou de rezar, participar das liturgias do seu povo, fazê-las instrumentos de organização e combate. Chico Mendes, no entanto, anunciou uma outra promessa. A mais simples e mais antiga das profecias: ‘a terra que vocês buscam é aquela que está debaixo de vossos pés!’

(*) Moisés Diniz é escritor e deputado estadual

CHICO MENDES VIVE

Desde que deixou a secretaria da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, a antropóloga Mary Allegretti (foto) se tornou literalmente numa professora itinerante em universidades dos Estados Unidos, o que evidencia que o Brasil tem muito a ensinar, a qualquer país, sobre políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

No ano passado, Mary Allegretti lecionou na Escola de Florestas da Universidade de Yale e depois no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago. Atualmente, leciona na Universidade da Flórida, onde organizou recentemente um evento que possibilitou ao governador Jorge Viana expor o projeto de florestania, que tem estabelecido as políticas públicas pioneiras de sustentabilidade.

Mary Allegretti, que foi uma das principais aliadas da luta de Chico Mendes em defesa das florestas da Amazônia, está se preparando para passar uma nova temporada no Acre dando aula para alunos do ensino médio da Escola da Floresta.

Isso acontecerá a partir de março, quando a antropóloga, que foi contratada pelo Governo da Floresta, finalizar a proposta do programa piloto de conversão de dívida externa em investimentos no Acre. A proposta inicial já foi aprovada pelo ministro da Fazenda Antônio Palocci e apresentada ao Tesouro dos EUA em Washington por Jorge Viana.

A iniciativa pioneira pode abrir espaço para que outros estados brasileiros utilizem o mecanismo norte-americano de conversão de dívidas para obtenção de recursos para conservação de parques estaduais, proteção de populações indígenas, capacitação em manejo florestal, educação e comunicação comunitária. A proposta é aplicar no Acre 15 milhões de dólares da dívida nestas áreas nos próximos 15 anos.

Mary Allegretti recebe hoje, após 17 anos do assassinato do líder sindical e ecologista, o Prêmio Chico Mendes de Florestania na categoria "iniciativa de origem nacional ou internacional".

Leia a entrevista:

O que você anda fazendo para reconectar os povos da floresta?
No dia 17 de outubro de 2005 fez 20 anos da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros. Exatamente nesse dia, foi quando dei a primeira aula no meu curso lá na Flórida sobre reservas extrativistas e Conselho Nacional dos Seringueiros. Foi uma coincidência e eu decidi criar uma rede de pesquisadores em reservas extrativistas. Em dois dias eu tinha vinte e tantos pesquisadores na rede. Eles estão na Áustria, Estados Unidos e no Brasil estudando reservas extrativistas em toda a Amazônia, mas não se comunicavam.

Quantas reservas existem hoje na Amazônia?
Existem 60 reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável estaduais e federais na Amazônia. São 18 milhões de hectares. A proposta das reservas extrativistas é um sucesso. As pessoas não estão se dando conta de que a gente fez uma revolução agrária e ambiental na Amazônia criando essas unidades. Temos 20 anos dessa proposta.

O que será feito agora?
Nós vamos fazer agora o balanço de todas as áreas, que é o arco da sustentabilidade. Ele sai do norte de Mato Grosso, passa pelo pantanal de Rondônia, entra no Acre, sobe pelo interior do Amazonas e vai dar lá no Curupu, no Maranhão. São reservas marinhas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável. Não existe no planeta um país que tenha conseguido fazer o que a Amazônia fez.

Qual o papel desempenhado por Chico Mendes nisso?
Total. O Chico Mendes foi o grande idealizador da idéia de justiça social e proteção do meio-ambiente. Ele defendia as reservas extrativistas com uma convicção que considero a maior de todas. Acho que o Chico Mendes não poderia imaginar que, após 20 anos da idéia aprovada, a gente teria 60 áreas criadas e 18 milhões de hectares. Isso é uma coisa fantástica. Estou falando só na área ambiental. Agora vamos incluir os PAEs [Projetos de Assentamento Extrativistas], os PDSs [Plano de Desenvolvimento Sustentáveis], da irmão Doroty Stang, que também é parecido, além dos projetos de assentamento florestais, que o governador Jorge Viana começou a criar no Acre. Isso vai exigir uma conta que não fizemos ainda.

O que precisa ser feito agora?
Precisamos olhar para esse conjunto e fazer um balanço sobre o que significa ter essas unidades de conservação aqui na Amazônia. Essa rede de pesquisadores vai fazer isso.

Você consegue divisar como seria o Acre ou a Amazônia sem Chico Mendes?
Acho que a ironia é que o Chico Mendes tinha a consciência de que ele não podia fugir. Portanto, ele foi até às últimas consequências consciente de que estava se entregando a essa idéia e imaginando que isso poderia dar frutos. Ele tinha consciência disso. Chico Mendes não foi ingênuo. Ele sabia que o limite daquilo que ele queria estava dado, além do limite pessoal. As pessoas cercavam Chico Mendes. Ele teve oportunidade de sair, mas ele não quis sair. Todo mundo ofereceu passagens para ele e a família dele inteira, mas ele não quis. Acho que Chico Mendes tinha consciência de que não poderia fugir desse contexto e que alguma coisa iria continuar. Mas acho, ainda, que ele nunca podia imaginar que seria dessa maneira. Eu te digo hoje... Eu fico impressionada. O curso que estou dando na Flórida é Movimento Social e Políticas Públicas. O Chico é o centro do curso. Os alunos pedem: "conte-nos, quem era ele?" Você pode imaginar que numa universidade dos Estados Unidos, em 2005, alguém possa se dirigir a você para se manifestar admirado pelo fato de ter trabalhado com Chico Mendes? Uma professora visitante da Finlândia disse que foi para a Flórida porque soube que eu estava lá. E ela me pediu para contar a história.

Chico Mendes é um ícone da Amazônia.
Chico Mendes é um fenômeno que não pára. Sou antropóloga e tenho capacidade analítica de profissão. Tem alguma coisa fenomenal nesse processo, que é o fenômeno sociológico, antropológico e cultural, que é a mensagem do Chico. O ícone que ele representa não pára de crescer. Em todos os lugares do mundo existe alguém conectado. Achei marcante que nesta Semana Chico Mendes os jovens pela primeira vez subiram no palco e disseram assim: "Nós queremos criar o Conselho Nacional dos Seringueiros Jovem, queremos fazer parte da diretoria e queremos um programa específico para nós".

Quais os novos desafios?
Um é esse: compreender o alcance do modelo das reservas extrativistas. O outro é gerar um projeto de educação para os jovens da floresta. E acho que é necessário educação à distância.

E isso inclui a internet?
Sim, com certeza. O pessoal está conectado.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

"ESSE É O MEU SONHO"

A antropóloga Mary Helena Allegretti e o sindicalista Chico Mendes na foto tirada no seringal Cachoeira, em outubro de 1985. A antropóloga repousa a mão exatamente no lugar onde Chico Mendes foi atingido pelo tiro da espingarda de Darci Alves Pereira, a mando de Darly Alves da Silva, que por sua vez foi mandado por um complô de políticos e fazendeiros do Acre que permanecem impunes. Chico Mendes foi assassinado no dia 22 de dezembro de 1988.

"Esse é o meu sonho. É ver a Amazônia livre dos fazendeiros, livre das motoserras, livre do fogo devorador. Esse é o meu sonho"

Trecho de entrevista de Chico Mendes a Linda Rabbin, em Xapuri (AC), no dia 26 julho 1988:

"Meu sonho é ver toda essa floresta preservada, conservada, porque nós entendemos que ela é a garantia de todo o futuro dos povos da floresta. E não é só isso. Nós não queremos, nós estamos conscientes de que a Amazônia, ela não pode ser um santuário intocável.

Agora, nós acreditamos que com as Reservas Extrativistas, com a implantação, e se o governo... basta que o governo leve em consideração, leve a sério a proposta dos seringueiros e dos índios, que eu acredito que em poucos anos, a Amazônia ela poderá se transformar numa região economicamente viável não só para nós mas para o país e para toda a humanidade, para todo o planeta.

Agora a sua destruição, eu acho que significa o genocídio de todos nós, que moramos nessas matas e com repercussão negativa para o resto do país e prá própria humanidade, eu acho. Que eu considero a Amazônia uma região rica, ela tem uma enorme variedade de produtos extrativistas, basta que se leve em consideração essa proposta dos seringueiros. Ela pode ser preservada e economicamente importante prá todos nós. Esse é o meu sonho. Eu sei que talvez eu já... eu tenho 15 anos, direto, na luta.

Meu sonho é o seguinte: eu sei que talvez não vou chegar a esse momento porque também eu já estou com idade mais avançada. Mas pelo menos, a minha esperança é que todos os nossos jovens, eles vão usufruir de todo esse trabalho e que, realmente, os jovens, daqui prá frente, eles vão ser o grande beneficiado desse futuro da Amazônia. Uma Amazônia preservada e economicamente viável.

Nós queremos provar isso. Basta que o governo leve a sério. E eu acredito que na medida em que as primeiras Reservas Extrativistas começarem a dar os seus frutos, o governo vai ter que reconhecer a importância desse trabalho que nós pretendemos desenvolver. Para o nosso bem e para o bem de toda a humanidade.

Esse é o meu sonho. É ver a Amazônia livre dos fazendeiros, livre das motoserras, livre do fogo devorador. Esse é o meu sonho".

Nota: a entrevista foi editada por Mary Helena Allegretti para a tese de doutorado "A Construção Social de Políticas Ambientais. Chico Mendes e o Movimento dos Seringueiros". UnB, dezembro de 2002.

VEREADOR CHICO MENDES



"MUITAS PESSOAS ENCARAM A POLÍTICA
COMO A ARTE DA SACANAGEM"
(Chico Mendes)


Na sessão de encerramento do primeiro semestre, realizada no dia 30 de junho de 1982, Francisco Mendes leu um discurso escrito e distribuiu cópias do mesmo para várias pessoas. O fato de não ter sido eleito em nenhuma das outras eleições nas quais participou, e de suas falas, citadas até aqui, terem sido transcritas das atas, fazem deste o único discurso pronunciado em uma tribuna legislativa que teve, seguramente, sua autoria.

No contexto em que vivia, naquele momento, quando estava sendo iniciada a campanha eleitoral para governador, deputado e vereador, sua mensagem estava centrada nas características de um verdadeiro partido de oposição, alertando seu próprio partido a não cometer os erros tradicionais da política partidária que já havia vivenciado no PMDB e na necessidade de educação política da população para que pudesse exercer plenamente a cidadania.

"Sr. Presidente, Srs. Vereadores.
Neste momento em que, com esta sessão marcamos o fim do 1º semestre do ano em curso, vale a pena lembrar que também será este o último primeiro semestre de nossa legislatura, que teve seu início em março de 1977. E que neste longo período em que aqui nos encontramos, sete companheiros, que tivemos o privilégio de merecer a confiança do povo Xapuriense, até hoje tivemos momentos agradáveis, desagradáveis, divergências, mal entendidos. Acertos e desacertos marcaram a nossa caminhada espinhosa, até aqui. E neste ano de 1982, ano político eleitoral, será hora de todos nós juntos refletirmos seriamente o compromisso que nós temos para com o povo, com a comunidade e a sigla partidária que representamos. Por fim, o nosso trabalho nas campanhas eleitorais.

O discurso que hoje apresento nesta casa é no sentido de que ele tenha significação para o momento político de nossa terra. Apesar das diversas limitações, confio em que na luta franca de opiniões todos nos esforçaremos por encontrar as soluções que sirvam à nossa grande causa. Ante a confusão ideológica e política imperante, o centro dos debates deve girar, a meu ver, em torno da linha geral e da tática, pois disso depende, em última instância, o papel do partido, a sua capacidade de transformar a classe trabalhadora em fator decisivo na formação da luta contra os monopólios imperialistas e pela construção de um verdadeiro regime democrático como força dirigente em nosso país.

Com a criação do Partido dos Trabalhadores, nos foi imposta a tarefa de superar os erros dogmáticos e sectários de natureza subjetivista, agravados pelos velhos costumeiros métodos aplicados pelos partidos tradicionais que impregnaram nossas concepções, quer quanto à sua prática política quer quanto ao modo de agir, a sua política e aos seus métodos. Como fui um dos portadores, no passado, dessas concepções e um dos responsáveis por esses erros, compreendo a necessidade de impedir sua repetição.

Ao mesmo tempo me preocupo no empenho de que o partido, desde sua direção, não venha cair nos mesmo vícios, de outros partidos, cujas direções, apesar de pregarem o credo oposicionista, são de concepções direitistas, que na conjuntura atual são o maior perigo para o movimento de organização dos trabalhadores. E nesta campanha eleitoral que se inicia eu conclamo a todos os dirigentes políticos para que em suas peregrinações não cometam os erros que muitos já estão cometendo, que é o de usarem argumentos mesquinhos e demagógicos que só os incapacitados e débeis mentais usam. Devemos levar em conta que a política deve ser encarada com seriedade, pois ela faz parte de um conjunto de ideais que podem muito bem influir na evolução de um povo, do mesmo modo, ela pode ser o desequilíbrio de uma sociedade, como muitos fazem em nosso país.

Daí porquê hoje muitas pessoas encaram a política com a arte da sacanagem. Mas se isso ocorre no pensamento destas pessoas, é porque a grande maioria de nossos políticos usam-na em proveito pessoal. Daí a razão de torná-la desacreditada perante a opinião pública. Entretanto cabe a nós fazer com que ela se transforme em instrumento de organização da classe trabalhadora.

Faz-se urgente desenvolver junto aos movimentos populares um intensivo trabalho de educação política que desperte o operário, o trabalhador rural, a dona de casa, o estudante e demais pessoas do povo para o direito inalienável à condição de cidadão, que é o de ativa participação na vida política do país, inclusive na vida partidária. Cabe à educação política, criar consciência de que esse direito, exercido dentro de um processo de engajamento social que, sem ser excludente, passa por diferentes etapas, desde a mais simples luta pela água de um bairro ou pela terra, até a elaboração de um projeto político alternativo. A atividade partidária não deve ser exclusiva e jamais desvinculada do trabalho de base e da inserção do militante nos movimentos populares".

Vereador Francisco Alves Mendes Filho,
Ata da Décima Quarta Sessão Ordinária, 30 de junho de 1982

Nota: o texto acima foi extraído da tese de doutorado "A Construção Social de Política Ambientais - Chico Mendes e o Movimento dos Seringueiros", da antropóloga Mary Helena Allegretti. O mandato de Chico Mendes como vereador na Câmara Municipal de Xapuri começou em de fevereiro de 1977. Durou cinco anos e foi encerrado em 1982, pois em nenhuma outra eleição à qual se candidatou ele conseguiu ser eleito.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

MICHAEL É NOSSO


Boa parte do prestígio internacional alcançado pela Amazonlink, uma organização não governamental fundada há quatro anos em Rio Branco, resulta da competência de seu presidente, o austríaco Michael Schmidlehner.

A Amazonlink se mantém firme no propósito de oferecer um serviço de notícias sobre a Amazônia em português, inglês e alemão. A organização é mantida pelos esforços de voluntários.

A campanha mais famosa da Amazonlink foi "O Cupuaçu é Nosso", deflagrada quando os japoneses tentaram patenteá-lo.

Michael Schmidlehner criou e gerencia vários sites em defesa da Amazônia, entre os quais o de Chico Mendes, do Movimento MAP e da Campanha contra a Biopirataria.


A última contribuição da Amazonlink ao movimento ambiental foi a criação do site COP-8 - a 8ª Conferencia das partes da Convenção da Biodiversidade que estará acontecendo em Curitiba, em março, junto com a 3ª reunião das partes sobre o Protocolo de Cartagena de Biossegurança.

Michael Schmidlehner já não consegue passar muitos dias fora do Acre. Após quatro anos, viaja com a mulher e o filho nesta terça-feira para rever os familiares na Áustria. Mas até o dia 15 de janeiro estará de volta à terra acreana.

Michael é nosso.

sábado, 17 de dezembro de 2005

AMANDO


O jornalista e escritor Sílvio Martinello, 57, diretor do jornal A Gazeta, lançou ontem o romance Amanda, quem diria, com a presença do governador Jorge Viana na fila para autógrafo. Há três anos, o reencontro de ambos era algo impensável após a amizade deles descambar para uma sequência de baixarias públicas.

Na semana passada, o jornalista Roberto Vaz, ex-sócio de Sílvio Martinello, revelou que também foram sócios do ex-governador Edmundo Pinto num "contrato de gaveta" que envolveu uma propina de U$ 600 mil de PC Farias. O dinheiro, segundo Vaz, foi usado para a compra, na Alemanha, de uma impressora do jornal que Pinto sonhava montar no Acre.

Aproveitei a noite de autógrafo para uma breve entrevista com Sílvio Martinello sobre literatura, jornalismo e política. Leia:

Quem é Amanda?
Me propus a abordar aquele período da década de 70, com a entrada da pecuária no Acre e a resistência dos seringueiros através dos primeiros sindicatos que foram fundados a partir de Brasiléia. Os sindicatos faziam uma dobradinha com as Comunidades Eclesiais de Base. Então, se a gente pegar a história, vamos constatar que foi D. Moacir Grechi quem convidou a Contag [Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura] para vir pro Acre. Acho que não dá para separar as comunidades dos sindicatos. É preciso lembrar que era época da ditadura e que várias vezes a Contag teve que se reunir na catedral. Amanda, no caso, é uma monitora das Comunidades Eclesiais de Base. Coloquei-a, também, para abordar a questão da Teologia da Libertação que estava surgindo naquele período e, de certo modo, a partir de 1980, a teologia começa a ser castrada e perseguida pela cúria romana, inclusive por aquele que viria ser o nosso atual Papa.

O jornalismo está perdendo um bom repórter para a literatura?
Não, não. Nos meus livros, embora eu use a ficção, estou fazendo jornalismo. No novo jornalismo é permitido fazer ficção em cima da história, inclusive para tornar a história mais agradável ao leitor.

E a imprensa? O Roberto Vaz, que foi seu sócio no jornal A Gazeta, afirma [clique em Jogadas do Poder para conferir] que vocês também foram sócios do governador Edmundo Pinto num contrato de gaveta que envolveu a compra de uma impressora, na Alemanha, por U$ 600 mil, que teria sido o valor da propina repassada pelo PC Farias, ex-tesoureiro de Fernando Collor, antes do ex-governador ser assassinado em São Paulo. O que aconteceu?
O que houve realmente foi a compra de uma máquina, mas não chegamos a fazer empresa. Era uma máquina totalmente inadequadada para a realidade do Acre. Não houve contrato e depois a máquina foi vendida. Ela nunca funcionou. Era uma máquina do Pinto.

Como foi autografar Amanda para o governador Jorge Viana? Vocês mantinham bom relacionamento, depois se tornaram adversários e reataram recentemente as relações.
Não nego que tive desentendimentos com vários políticos. Quanto ao governador Jorge Viana, acho que naquele momento eu e ele tínhamos as nossas razões. É natural que isso ocorra e com o tempo algumas coisas se desfazem. Ele reconhece, por exemplo, que naquele momento errou e fazia um governo arrogante. Também reconheço que o jornalista por si é um tanto arrogante. Acho que a história caminha e lá adiante a gente pode se reencontrar. Para mim existe um princípio muito claro: governo governa e eu faço jornalismo dentro de uma empresa que, às vezes, precisa fazer acordos para sobreviver. Mas nunca fiz acordos espúrios. Não tenho um processo. Não tenho nada. Sou um velho jornalista.

O seu jornal afirmava que o governador Jorge Viana censurava a imprensa. O que pensa hoje a respeito disso?
Eu não sinto censura. Escrevo o que quero. O jornal tem o seu editor e eu raramente interfiro nas pautas. Cada um faz sua linha. O que não admito é que outros jornais queiram impor a linha deles ao meu jornal.

Você foi, junto com o Elson Martins, fundador do extinto jornal Varadouro, cuja periodicidade era irregular, mas que, no começo dos anos 80, chegava a tiragens de até 7 mil exemplares. Por que hoje os quatro diários do Acre têm tiragem que variam de 600 a 180 exemplares?
Outro dia seu blog publicou números errados a respeito disso.

Foram números de uma pesquisa feita por estudantes de jornalismo sobre a quantidade de jornais que é distribuída nas bancas. Segundo a pesquisa, a Gazeta, que tem a maior tiragem, aos domingos chega às bancas com 600 exemplares. A pesquisa dos estudantes está errada?
A Gazeta tira, entre a venda em banca e a carteira de assinantes, 2,6 mil exemplares por dia.

Mesmo assim é uma tiragem insignificante para o maior jornal, não?
Sim, mas é preciso analisar. Ninguém pode ignorar que houve um impacto de outros veículos de comunicação sobre o jornal impresso, que está em profunda crise. Você deveria ter mencionado no blog o seguinte: a Folha, chegou a ter 650 mil leitores diários. Caiu para 300 mil. Isso não ocorre apenas no Brasil. O New York Time despediu 400 funcionários recentemente.

Mas você concorda que a qualidade da imprensa caiu?
Caiu, no Acre e no Brasil. Outro dia, li o Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, fazendo essa reflexão. A imprensa perdeu grandes jornalistas, teve que demitir por causa da crise, aumento de custos, encolhimento da publicidade. Os jornais estão passando por uma crise de venda. Eu reconheço isso aqui no Acre. Você, como bom jornalista que é, não vai trabalhar por um piso, que é o que os jornais podem pagar no Acre.

O que mais contribui para a perda de qualidade dos jornais, sobretudo no Acre?
Começa um pouco com a formação do jornalista. Creio que no nosso tempo de repórteres a gente era mais arrojado e até se sacrificava mais pela notícia. Hoje, creio, os repórteres têm mais facilidade decorrentes da tecnologia, mas não têm aquela gana que nós tinhamos pela notícia.

Como é ser dono de um jornal no Acre? Os governos exercem muita influência dentro da empresa?
O saudoso Paulo Francis dizia muito claro que essa questão da liberdade de imprensa é muito objetiva: ou você tem liberdade econômica, isto é, capacidade de se manter, ou não tem. Não existe outra discussão. Sem essa liberdade econômica, uma empresa jornalística é obrigada a fazer concessões a quem detém o poder. Isso não significa que seja censura. O governo do Acre é nosso maior cliente. Ele é tratado assim.

Isso o incomoda?
Como jornalista, sim. Mas veja bem: tenho consciência de que tenho uma empresa e que preciso tocá-la. Talvez, se eu tivesse um blog como você, minha linha pudesse ser mais independente, não é?

Por que não faz um blog?
Tenho consciência de que sou diretor de uma empresa.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

FUROS E EXPLICAÇÃO

Estava me sentindo durante a semana tal qual o dono do Espírito da Coisa: muito trabalho, compromissos, reuniões, planos, sonhos etc e tal, além, claro, de uma falsa pressa:

Mas aproveito para abrir dois furinhos:

1) O jornalista Antonio Alves, que passou um tempo se declarando ING (indivíduo não-governamental), está deixando a assessoria do prefeito Raimundo Angelim. Ele volta a integrar a equipe do Governo da Floresta com status de secretário, sala, equipe etc. Inicialmente, recusou o convite feito pessoalmente pelo governador Jorge Viana, mas não resistiu ao apelo do vice-governador e secretário de Educação Arnóbio Marques. Viana e vários integrantes do governo estão exultantes com a volta dele ao time. Quem quiser que tente entender o significado da volta de Toinho Alves à equipe de governo.

2) Jorge Viana conseguiu abrir um armistício entre o Comitê Chico Mendes e a família do seringueiro. Depois de vários anos em guerra, o Comitê Chico Mendes, Ilzamar e os filhos Elenira e Sandino passaram a somar esforços nesta semana de homenagens ao seringueiro. No próximo ano, o governo vai construir o Memorial Chico Mendes em Xapuri. O corpo do seringueiro, que foi assassinado com um tiro de espingarda no dia 22 de dezembro de 1988, será transladado do cemitério para uma cripta no memorial.

P.S.: Estive ausente dessa caverna (Ah! O Astronauta de Mármore voltou) porque andava na boa companhia do jornalista e escritor Luciano Martins Costa, que veio ao Acre como convidado do deputado Fernando Melo para uma palestra sobre Mídia e Segurança. Cerca de 150 pessoas prestigiaram o evento na terça-feira, mas havia apenas cinco jornalistas. A maioria preferiu o jantar organizado no dia da palestra pelo deputado Zico Bronzeado. Os fatos servem para medir o nível do jornalismo que praticamos no Acre.

Com a palavra, o assessor Antonio Alves:
"Altino, uma correção e uma explicação.
a) Terei sala, sim, mas não equipe nem status de secretário; serei um "assessor especial", que é uma categoria indefinida em gênero, número e grau, mas indefinida é toda a situação, até o dia 3 de abril, prazo da desincompatibilização para executivos que queiram concorrer a mandatos legislativos. Mas em matéria de indefinição, você sabe, sou Romário na pequena área.

b) Não me declarei ING por um tempo, essa é a minha condição permanente. Descobri que indivíduo não governamental não é aquele que está fora do governo, mas aquele que não tem o governo dentro de si. Meu espírito é livre. Considero parte do meu trabalho o esforço de libertar espíritos aprisionados a uma mentalidade governamental, estejamos, eles e eu, ou não, no governo. Mais explicações darei na segunda-feira, no meu blog, que continuarei publicando com a mesmíssima liberdade. Afinal, ouça quem tem oiças, é como o Mestre já disse: o vento sopra onde quer. Antonio Alves"

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

PALESTRA IMPERDÍVEL


O gabinete do deputado Fernando Melo (PT) convida para palestra e debate sobre "Mídia e Segurança" com o jornalista e escritor Luciano Martins Costa. Hoje, às 19 horas, no auditório da Secretaria da Fazenda. A entrada é franqueada ao público. Para mais detalhes clique aqui ou sobre a imagem do convite.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

JOGADAS DO PODER

Passei quase três horas da manhã de sábado na companhia do jornalista Roberto Vaz, que é diretor do site Notícias da Hora. Ele me convidava há meses para conhecer a sua redação e então decidi convidar o jornalista Elson Martins para me acompanhar.

Quase não tivemos tempo para falar, pois logo o Vaz abriu um armário do qual tirou e leu em voz alta capítulos picantes do “Jogada$ do Poder”, o livro de memórias que está escrevendo.

Vaz já viveu e presenciou muita coisa como menor carente, office-boy do Palácio Rio Branco, radialista, jornalista e empresário de comunicação no Acre.

Para não correr risco de ser assassinado ou evitar uma avalanche de ações judiciais, Elson Martins e eu aconselhamos Vaz a continuar a escrever as memórias, mas que deixe para publicá-las daqui a 10 anos ou mais por causa das figuras citadas no livro.

Existe um capítulo revelador sobre a viagem que Vaz fez a São Paulo, em outubro de 1991, para cumprir uma missão que envolvia o então governador Edmundo Pinto. Ele viajou sem saber com quem iria encontrar.

Ao desembarcar no aeroporto de Cumbica, Vaz foi recebido e levado diretamente ao homem que estava hospedado no apartamento 311 de um hotel. Quando o homem abriu a porta, Vaz não se conteve:

- O senhor é o PC Farias?

- Sim, sou eu. Entre, jovem - respondeu o ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor.

PC logo avisou que teriam mais tarde uma reunião ali mesmo, no hotel. Encantado com o conforto do luxuoso apartamento onde ficou hospedado, Vaz se atrasou para a reunião. Quando abriu a porta, PC já o aguardava tranquilo no corredor.

Na verdade não havia reunião marcada. A dupla seguiu para o aeroporto, onde se juntou a Leopoldo Collor. Embarcaram num Boeing que era ocupado apenas pelo trio e a tripulação.

Vaz não sabia qual era o destino e nem procurou saber. Dentro do avião, PC Farias foi lacônico ao tentar tranquilizá-lo:


- Estamos indo agora resolver o pedido daquele nosso amigo.

Desembarcaram no aeroporto de uma cidade na Alemanha, onde foram recebidos e levados numa van até um galpão onde havia as mais belas máquinas impressoras de jornal em exposição. PC Farias mais uma vez dirigiu-se a Vaz:

- Agora você pode escolher a máquina do nosso amigo.

Tendo Vaz feito a opção por uma impressora que, ao contrário do que fora planejado, não seria transportada no mesmo avião, o trio voltou no mesmo dia ao Brasil. A impressora custou R$ 600 mil.

PC Farias e Leopoldo Collor, segundo Vaz, desapareceram repentinamente logo após o desembarque em São Paulo. Quando Vaz saia do aeroporto, uma mulher se dirigiu a ele e falou:

- Senhor, devolva-me aquele documento vermelho.

Ele ficou sem o passaporte diplomático que haviam lhe entregado antes da viagem, mas no final daquele ano a máquina adquirida na Alemanha já estava em Porto Velho (RO).


Vaz afirma que optou-se por camuflá-la num depósito, para que fosse transportada ao Acre em momento oportuno, sem chamar muito a atenção.

Mas a história mudou com o assassinato do governador Edmundo Pinto num hotel em São Paulo, em maio do ano seguinte.


Após o assassinato, Roberto Vaz e seu então sócio no jornal A Gazeta, o jornalista Sílvio Martinello, procuraram a viúva Fátima Almeida para anunciar que ambos eram sócios de Edmundo Pinto num "contrato de gaveta" que envolvia uma empresa denominada Fênix.

O "contrato de gaveta" fora elaborado pelo advogado José Ravagnani, ex-procurador geral do Estado.


Edmundo Pinto havia conversado com a mulher dele a respeito da sociedade com Roberto Vaz e Sílvio Martinello para fundar um novo jornal no Acre. Ao ser procurada, a viúva disse aos dois jornalistas que não tinha interesse em tocar o projeto.

Os três decidiram vender a impressora pela metade do preço. A máquina foi comprada por U$ 300 mil pela empresa que edita o jornal Diário da Amazônia, de Rondônia. Roberto Vaz recebeu U$ 38 mil, Sílvio Martinello U$ 40 mil e Fátima Almeida ficou com os demais dólares.

Quando for publicado, o leitor poderá conferir que o capítulo escrito por Roberto Vaz em “Jogada$ do Poder” é bem mais detalhado e divertido que o meu.

O ex-governador e ex-senador Flaviano Melo, sócio de Martinello e Vaz no jornal A Gazeta, jamais tomou conhecimento da transação paralela deles com o seu adversário político.

O que o governador Edmundo Pinto fez para merecer de PC Farias um presente de U$ 600 mil?

O fato reforça as velhas teses de que o assassinato de Edmundo Pinto foi um crime político tramado por corruptos de Brasília e do Acre.

Ao contrário do que concluiu a Polícia Civil de São Paulo, permanecem as evidências de que o crime não foi latronício - roubo seguido de morte.

domingo, 11 de dezembro de 2005

LARRY ROHTER BEBEU

Não dá para confiar nem mesmo no jornal mais influente do mundo. Embora há mais de dois meses esteja chovendo quase todo dia no Acre, o correspondente Larry Rohter, a partir de Manaquiri (AM), afirma hoje no The New York Times:

- No Estado do Acre, na região Norte do Brasil, árvores secas viraram mechas e o número de incêndios florestais registrados triplicou para quase 1.500 em seu pico em setembro, em comparação ao ano anterior. A fumaça resultante, que pode ter intensificado a seca ao impedir a formação de nuvens de chuva, tem sido tão espessa em alguns dias que os moradores são obrigados a vestir máscaras para sair de casa.

O que Larry Rohter bebeu na seca amazônica? Ou será novo erro dos tradutores da reportagem?


Assinantes do UOL podem clicar em "Seca recorde incapacita a vida na Amazônia" para ler a reportagem completa.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

MOVIMENTO MAP EM PALÁCIO


Cientistas e pesquisadores do Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Região MAP (Madre de Dios, Acre e Pando), no Peru, Brasil e Bolívia, respectivamente, passaram a manhã reunidos no Palácio Rio Branco com o governador Jorge Viana.

O grupo buscava definir estratégias para pleitearem U$ 30 milhões para o financiamento de ações capazes de minimizar os impactos socioambientais decorrentes da construção da Estrada do Pacífico.


Estão previstos para a região três mega-investimentos quase simultâneos, que são considerados como os principais desafios do movimento MAP:

1) Estradas

* Interoceanica – Rio Branco – Puerto Maldonado – Pacifico – U$ 179 milhoes.
* Guayamirim-Yucumo, Bolivia – U$ 195 milhoes.
* Pucallpa- Cruzeiro do Sul – Rio Branco.

2) Hidroelétricas

* Complexo Madeireira - U$ 5.5 bilhoes.

3) Agricultura mecanizada

A iniciativa MAP é um movimento solidário de grande escala de cidadãos livres e independentes dos três países, tendo como metas desenvolver estratégias para reduzir a pobreza e conservar a natureza na Amazônia Sul-Ocidental através de ações concretas de curto, médio e longo prazos, integrando os movimentos sociais, governos e ONG’s.

Esse movimento social percebeu que o desenvolvimento regional vai depender da colaboração com pessoas e instituições nos outros países.

- O MAP é dinâmico e está evoluindo rapidamente, às vezes rápido demais para que o acompanhemos - afirma Irving Foster Brown, Ph.D. em Geoquímica pela Northwestern University (Estados Unidos). Ele Desenvolve estudos nas áreas de Dinâmica do Uso da Terra e Florestas, Gerenciamento e Educação relacionados a Recursos Naturais e Mudanças Globais. Atualmente, desenvolve suas pesquisas no Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.

O MAP não é um movimento institucional, não é um movimento político, não procura converter-se numa instituição, não procura substituir, nem deslocar organizações existentes.

- A história recente deste movimento começou em junho de 1999 num encontro, em Rio Branco, de representantes de universidades regionais, CNPq, MCT, etc. Um resultado desse encontro foi a declaração de Rio Branco sobre mudanças globais. Uma das recomendações da declaração foi melhorar a colaboração entre pessoas e instituições dos três países - acrescenta Brown.

Dado os impactos da globalização, mudanças ambientais globais e a aceleração de grandes obras de infra-estrutura que estão acontecendo na Região MAP, os desafios para reduzir a pobreza e conservar a natureza exigem reavaliação das ações e dos modelos de gestão participativos de projetos e interação desses atores sociais.

O MAP mantém um excelente site atualizado. Mais informações sobre o movimento podem ser obtidas clicando aqui.

Em tempo: o Palácio Rio Branco, sede do Governo do Acre, é o único no mundo cujos móveis foram fabricados com madeira certificada. A mesa que serviu para a reunião de hoje, em cerejeira, foi planejada e montada ao lado do "salão nobre", a pedido de Jorge Viana, com tamanho suficiente para impedir que seja saqueada futuramente, como aconteceu com todo o patrimônio do ambiente. Apenas o lustre foi deixado pelas equipes dos ex-governadores. Antes de ser reformado pelo atual governo, o prédio estava abandonado porque chovia dentro e brotavam cogumelos entre o carpete e as paredes. Eu vi.

GAVETAS E JANELAS

"Oi, Altino.

Resolvi me render à rapidez do universo blogueiro. Criei o Gavetas e Janelas. Além disso, a novidade é que tentarei escrever crônicas semanais no Nariz de Cera. A primeira já está lá. Dê uma olhada.

Abraços,


Vássia"


NOTA: Vássia Silveira é uma acreana nascida no Pará, filha do jornalista Elson Martins, que vive atualmente em Fortaleza, onde trabalha como jornalista e se dedida à literatura. Ela editava no Acre a revista Outras Palavras - um dos bons projetos do Governo da Floresta que foi abortado sem explicação. Quem quiser, pode conferir alguns textos dela nos sites Jornal da Poesia ou Ana e suas mulheres.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

RUTH BARROS



"Altino, nada poderia me fazer mais feliz nesse fim de ano que encontrar um amigo tão querido, ainda mais tendo tanta coisa boa para ouvir e para contar. Parabéns pelo blog!

O material que tenho para a divulgação do livro tá bem bom: tem uma entrevista com o que você precisa, um "rilise" da editora, a capa (maravilhosa) e as críticas do Globo e do Estadão tecendo glórias, muito legal.

Outra coisa: preciso do email do Luciano Martins Costa. Tem altas fotos dele no lançamento - foi um sucesso, só faltou você.


Beijos e saudades,

Ruth Barros"


NOTA: Minha amiga Ruth Barros é jornalista mineira, mas vive em São Paulo há anos. Trabalhou em vários jornais e revistas. Quando a conheci, no começo dos 1990, ela dividia com Luciano Martins Costa a editoria da Coluna do Estadão. Ambos assinaram muitas notas que sugeri e serviram ao Acre. Certa vez, Ruth me convenceu acompanhá-la numa viagem curta, mas inesquecível, até Belo Horizonte e Ouro Preto. Rutinha, um abraço do primeiro acreano que você conheceu na vida. Bem, tinha que ser Ruth Barros envolvida num romance libertino nos moldes dos que eram escritos no século 18, tão ricos em pornografia quanto em filosofia.

Leiam a entrevista com ela, que é uma das autoras de "Os florais perversos de Madame de Sade":


Não é comum um romance apresentar extensa bibliografia, como acontece com "Os florais perversos de Madame de Sade". Que tipo de pesquisa foi necessária para a realização do livro?

Ruth Barros -
Toda a possível. Líamos o que caía nas mãos e o que não tinha mandávamos buscar, pedíamos emprestado, comprávamos, enfim, uma loucura. Demos duas sortes, a primeira foi minha comadre, Mariza Werneck, professora-doutora da PUC/SP que fez mestrado nas Mil e Uma Noites e tem uma biblioteca erótica fabulosa, que nos emprestou. A segunda é que tenho um irmão diplomata, o Dudu (Duval de Barros), que morava na Europa na época e como digna traça de sebos e livrarias muito fuçou atrás de obras fora de catálogo, difíceis até para nativos.


A bibliografia traz também romances de autores brasileiros, como Clarice Lispector e Machado de Assis. Em que pontos do livro é possível reconhecê-los?

Ruth Barros - Machado é minha paixão e a gente usa muito sua inspiração e o estilo para cenas de salão, conversas, ironias e alfinetadas, acho que poucos descreveram a pequenez e a pouca grandeza da burguesia urbana tão bem como ele, suas obras completas foram a herança maior que meu pai me deixou. Apesar de ele, meu pai, ter travado conhecimento com a Clarice Lispector, por incrível que pareça, durante a Segunda Guerra na Itália – ela era casada com um diplomata e ele médico do exército brasileiro – quem é especialista nela é o Marcão.


Ainda menos comum é um romance trazer filmografia. Vocês citam filmes de Ingmar Bergman, Luis Buñuel e Píer-Paolo Pasolini como referências. De que forma essas obras foram usadas na construção do romance?

Ruth Barros - O Bunuel é fácil, nas Belas da Tarde, burguesas que se prostituíam a tarde, coisa que realmente existia na França, com descobrimos através do livro Os Bordéis Franceses, de Laura Adler. E é comum também nos livros do romantismo francês a mulher que toma gosto exagerado por jóias falsas e, quando ela morre, a família afunda – claro, o sustento foi embora – o marido vai vender as jóias e descobre que de falsa não têm nada, era só lavagem de dinheiro. O Arsene Lupin, o Ladrão de Casaca também tem cena parecida. No Belas da Tarde a gente dividiu a Catherine Deneuve, que a gente adora, em duas, dando-lhe o nome de Catherine e de Severine, que ela tem no filme. O Bergman se não me engano é uma cena de uma Pietá, tipo Michelangelo, lembrada para construir o Jean Pierre, o pai de Josephine, quando embala a mulher morta. Já o Pasolini usa Sade em 120 journées. E vimos exaustivamente biografias, filmes de época, tudo que nos ajudasse a visualizar melhor o período. Para guilhotinar o François, por exemplo, assisti umas dez vezes a cena de Danton, do Wazda, em que o Gerard Depardieu tem o mesmo fim. Além do que, como boa filha de milico que acabou indo a guerra, sempre gostei de histórias de guerra e armamentos, lembro-me das visitas que fazia aos Invalides, por pura curiosidade, vinte anos atrás, quando estudava em Paris e que acabaram sendo muito úteis.


O que há de verídico e de fictício em "Os florais perversos de Madame de Sade"?

Ruth Barros - Os personagens reais são verídicos, baseados em várias biografias que lemos e filmes que vimos, os que inventamos são pura viagem nossa. Para complicar um pouco mais nossa vida fizemos uma regra do Manual de Redação de Madame de Sade – não existe, é só brincadeira – em que um personagem fictício podia contracenar com um real, mas não há situações inventadas entre dois personagens reais para facilitar nossa vida, o que deu muito mais trabalho. O resto, roupas, comidas, viagens, estradas, casas, hábitos, mentalidade, tudo, procuramos fazer o dentro da realidade, todos os detalhes foram exaustivamente checados, o que não impede de ter havido algum furo. As mortes, envenenamentos, etc, são todos clinicamente viáveis – o meu ex-marido, Paulo Victor Khouri, é clínico, médico da UTI do Sírio Libanês e eu o atormentava seguidamente com perguntas do tipo “entra em convulsão, cai para frente ou para trás, quanto tempo leva para morrer, deixa vestígios?”, uma espécie de CSI do século 19. O DJ foi o Fábio Zanon, um grande amigo, um dos maiores violonistas clássicos da atualidade em todo mundo, que escolheu a trilha sonora da época.
Os nomes foram outra farra. E quanto ao imaginário das personagens e mesmo dos caracteres históricos a gente tentava imaginar como pensaria uma pessoa que viveu há quase 300 anos com as informações e a cultura da época, que tipo de atitude ela teria, sem esquecer que ganância, cobiça, inveja e outras cositas mais são universais e transcendem ao tempo, daí o uso do Machado de Assis.

A narradora do romance foi inspirada em algum personagem real?
Ruth Barros - Não, nunca houve mulher como Josephine. Na verdade a gente é completamente louco por ela e temos medo da reação dos leitores, de tomarem antipatia da nossa “santa”. Como ela é criação minha, tentava imaginar o tempo todo, o que eu faria nessa situação? Eu não sou ela, naturalmente, mas ela pensa com minha cabeça, é uma espécie de “rainha da lucidez” que raramente se deixa turvar por sentimentos, sejam eles nobres ou maus. Aliás, evitamos cuidadosamente essa espécie de maniqueísmo entre bem e mal. A inveja, por exemplo, acaba se transformando em mola de ascensão social, a pessoa se torna o que quer ser, o que por ironia acaba virando uma espécie de auto-ajuda. Vocês não perguntaram, mas cabe acentuar que a gente adora trabalhar com clichês, então o cabeleireiro gay chama-se Antoine e morre de Aids – claro que não damos o nome de Aids, mas é um mal misterioso que tem todas as características da doença. E usamos e abusamos de lugares comuns e frases feitas como “os diamantes são o melhor amigo de uma garota” e assim por diante.

As receitas dos florais foram inventadas ou eles realmente funcionam do jeito descrito no livro?
Ruth Barros - As receitas foram inventadas mas as propriedades em geral são verídicas, o Marcão fez mestrado na USP sobre o assunto e é autor de um best-seller das irmãs Paulinas, as Plantas da Saúde. Por causa desse lado botânico Josephine foi imaginada como descendente dos tupinambás, para explicar o conhecimento das plantas, que precisariam existir na nossa realidade para que as pessoas pudessem fazer os florais se quisessem testá-los.

Como surgiu a idéia de escrever um romance ambientado no tempo de Sade, Robespierre, Napoleão, Laclos e Casanova? Há um objetivo por trás disso? Vocês têm especial interesse por esse período?

Ruth Barros - A gente gosta de história, como deu pra notar e a figura mestra é o Sade, daí usarmos como atores os personagens que existiam na época. Da mesma forma que usamos o Sadismo como eixo desse primeiro romance, estamos usando o Canibalismo para o segundo que estamos escrevendo e que se passa no Brasil, ela vem para cá no final do livro. E ainda há o final da trilogia, mas esse por enquanto é segredo absoluto, embora já saibamos a grosso modo o que será.


Também é incomum um romance ser escrito a seis mãos. Por que três autores? Como vocês dividiram o trabalho? Quanto tempo levou para o livro ficar pronto?

Ruth Barro - Começou porque o Marcão era meu colega de jornal – ele é editor-assistente e eu era repórter especial - e me propôs ajudá-lo num livro sobre Sade, de quem a gente gostava embora conhecesse quase nada, como a maioria das pessoas. A Helô era super minha amiga e a gente queria fazer uma empresa de produção de textos, pois não tínhamos mais saco de emprego nesse mercado nosso jornalístico cada dia pior. Eu, além de tudo, tinha me separado e tinha aquela medonha dificuldade de conciliar filho pequeno com plantões de fim-de-semana. Escrevíamos juntos 3, 4 vezes por semana, às vezes criávamos pequenas cenas em separado que depois emendávamos no textão e assim ia. Foram mais de dois anos escrevendo, mas a Helô participou apenas dos quatro primeiros meses. Ela havia se afastado há algumas semanas para resolver algumas questões familiares e acabou morrendo antes de voltar.


Vocês se propuseram o desafio de escrever com a linguagem da época? Qual a dificuldade disso?

Ruth Barros - É dureza. Apesar de termos uma razoável cultura, somos muito metidos a modernos, penamos um pouco. Aproveitamos então para tentar um linguajar de época com conceitos bem contemporâneos, como por exemplo, as Belas da Tarde, que é um troço bem moderno em administração, otimização de um espaço que já existe e fica ocioso em certos períodos, porque não utilizá-lo para gerar novos lucros, no caso abrir o bordel depois do almoço? Da mesma forma o Choque e Pavor, que Bush usou contra o Iraque, não passa de estratégia de Napoleão, general da artilharia, que bombardeava as linhas inimigas antes de atacar semeando pavor com o barulho, a fumaça, as bombas e os estilhaços. E a questão de lavagem de dinheiro, que usamos muito, não precisa nem de explicar, está na ordem do dia.