quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

A LATA DE NESTON

Edson Carneiro

Gabriel Garcia Márquez retrata em Cem Anos de Solidão uma cidade imaginária onde as novidades chegam num ritmo lento, mas sempre inexorável. Aqui em Rio Branco não poderia ser de outra maneira. Ou será que os acontecimentos narrados pelo escritor colombiano se restringiriam à sua Macondo? Não, claro que não.

O assunto da moda é a tal busca do corpo perfeito para as passarelas. Algumas mulheres chegam ao cúmulo de provocar vômito após se empanturrarem de quitutes. Outras, tendo a tal da anorexia, que já levou algumas à morte. Em Rio Branco, na década de 60, acreditem, a moda era ser gordo, especialmente as mulheres. Gosto não se discute, lamenta-se, costuma dizer meu compadre Gilvan Almeida.

Assim como em Macondo, as novidades aqui chegavam lenta e gradualmente. Para se firmarem precisavam de ajustes. Drogaria se instalava perto de consultório médico e as receitas eram direcionadas ao estabelecimento. Não existia laboratório de análises clínicas. O governo mantinha um, mas era de uma lentidão exasperante para entregar apenas exame de raio-x.

Até que certo dia apareceu por aqui a bioquímica Rosa Quiroga. Ela se estabeleceu no Edifício Abrahim com um laboratório moderno, segundo diz a publicidade. Com a ajuda de um médido, foi criada a situação onde as pessoas necessitavam de exames mais acurados, especialmente de sangue e de fezes.

O passo seguinte era receitar a combinação milagrosa para os pacientes engordarem – Rarical e Postafen. Não havia um cristão que não engordasse. Apenas o Weber Taumaturgo não conseguiu, talvez pelo calibre espartano de seus irmãos e irmãs. Coisa da genética, sei lá.

O resultado do exame de fezes sempre apontava o paciente com ascaris, ameba, trichiurus e tantas outras parasitas que só não derrubavam a pessoa de vez porque o médico garantia que o tratamento seria rápido e não implicaria na inibição da engorda.

Todos ficavam contentes. As mulheres, gordas, com bundas e peitos por acolá. No entanto, o Capitão Derei, de saudosa memória, ficou matutando como desmascarar aquele laboratório, que tratava os acreanos como um bando de matutos do tempo do Jeca Tatu.

Derei foi ao médico e disse que também queria engordar.

- Mas meu rapaz, você é forte tal qual um touro, não precisa engordar - ponderou o médico.

- Doutor eu quero ficar um tora - replicou Derei.

Naquele tempo, tora significava o sarado da atualidade.
O médico, que já havia recebido a honra da consulta antecipadamente, após muita relutância concordou em expedir o pedido de exames.

E Derei seguiu no dia seguinte para o laboratório com uma lata de Neston cheia de material. A atendente torceu o nariz para aquela demonstração de ignorância, embora naquele tempo não existissem os modernos coletores de plástico. Cada um se virava como podia no acondicionamento, sendo a caixa de fósforo a embalagem mais comum.


Três dias depois, de ressaca, lá estava, na porta do laboratório, o Capitão Derei, perguntando com a voz pastosa e anasalada pelo resultado do exame. A moça lhe entregou o envelope e recomendou que fosse logo ao médico.

- Eu quero saber o resultado agora - insistiu.

A coitada da atendente, diante daquele cidadão forte, bigodudo, com cara de mau, abriu o envelope e disse:


- O senhor tem...

- O negócio é o seguinte, cumadi: agora eu quero o restante do material.

A moça mais uma vez torceu o nariz com incontido nojo. Ao receber a lata de Neston, Derei tirou uma colher do bolso da calça Brim Coringa (te mete!). Aberta a lata, passou a comer vorazmente o material. Foi uma confusão enorme. A atendente começou a gritar e a vomitar. A bioquímica Rosa Qurioga aparece e pergunta o que se passava - era boliviana, salvo engano. Quando viu o cliente de boca cheia, devorando o material da lata, também começou a vomitar.

- Cumadi, isso aqui é doce de mamão do bom, feito com castanha e gramixó.

A partir daquele dia o laboratório faliu.

Edson Carneiro é advogado acreano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Altino;
acho que você acaba de conseguir um colaborador à altura do seu blog... o Édson é uma figura e um excelente contador de causos. Uma vez, quis levá-lo para a imprensa, para escrever uma coluna num jornal que editei por algum tempo. Ele escreveu algumas coisas interessantes mas depois, por certo por falta de pagamento, desapareceu. E eis que agora o reencontro em seu blog. Detalhe: me disseram que ele agora é crente e, ao encontrá-lo, só para provocá-lo, perguntei: - Édson, de quanto é o dizimo na tua igreja? - E ele, tranquilo, respondeu: - é de cem por cento, mas como Deus é bondoso, devolve 90% para os seus fiéis...
Pois é... O Negão sabe das coisas e seria interessante que você o mantivesse por aí, com seus causos... Outro que você deveria contatar é o Telmo Vieira, irmão do Toinho, que escreve que é uma beleza... Inté...