quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

RUTH BARROS



"Altino, nada poderia me fazer mais feliz nesse fim de ano que encontrar um amigo tão querido, ainda mais tendo tanta coisa boa para ouvir e para contar. Parabéns pelo blog!

O material que tenho para a divulgação do livro tá bem bom: tem uma entrevista com o que você precisa, um "rilise" da editora, a capa (maravilhosa) e as críticas do Globo e do Estadão tecendo glórias, muito legal.

Outra coisa: preciso do email do Luciano Martins Costa. Tem altas fotos dele no lançamento - foi um sucesso, só faltou você.


Beijos e saudades,

Ruth Barros"


NOTA: Minha amiga Ruth Barros é jornalista mineira, mas vive em São Paulo há anos. Trabalhou em vários jornais e revistas. Quando a conheci, no começo dos 1990, ela dividia com Luciano Martins Costa a editoria da Coluna do Estadão. Ambos assinaram muitas notas que sugeri e serviram ao Acre. Certa vez, Ruth me convenceu acompanhá-la numa viagem curta, mas inesquecível, até Belo Horizonte e Ouro Preto. Rutinha, um abraço do primeiro acreano que você conheceu na vida. Bem, tinha que ser Ruth Barros envolvida num romance libertino nos moldes dos que eram escritos no século 18, tão ricos em pornografia quanto em filosofia.

Leiam a entrevista com ela, que é uma das autoras de "Os florais perversos de Madame de Sade":


Não é comum um romance apresentar extensa bibliografia, como acontece com "Os florais perversos de Madame de Sade". Que tipo de pesquisa foi necessária para a realização do livro?

Ruth Barros -
Toda a possível. Líamos o que caía nas mãos e o que não tinha mandávamos buscar, pedíamos emprestado, comprávamos, enfim, uma loucura. Demos duas sortes, a primeira foi minha comadre, Mariza Werneck, professora-doutora da PUC/SP que fez mestrado nas Mil e Uma Noites e tem uma biblioteca erótica fabulosa, que nos emprestou. A segunda é que tenho um irmão diplomata, o Dudu (Duval de Barros), que morava na Europa na época e como digna traça de sebos e livrarias muito fuçou atrás de obras fora de catálogo, difíceis até para nativos.


A bibliografia traz também romances de autores brasileiros, como Clarice Lispector e Machado de Assis. Em que pontos do livro é possível reconhecê-los?

Ruth Barros - Machado é minha paixão e a gente usa muito sua inspiração e o estilo para cenas de salão, conversas, ironias e alfinetadas, acho que poucos descreveram a pequenez e a pouca grandeza da burguesia urbana tão bem como ele, suas obras completas foram a herança maior que meu pai me deixou. Apesar de ele, meu pai, ter travado conhecimento com a Clarice Lispector, por incrível que pareça, durante a Segunda Guerra na Itália – ela era casada com um diplomata e ele médico do exército brasileiro – quem é especialista nela é o Marcão.


Ainda menos comum é um romance trazer filmografia. Vocês citam filmes de Ingmar Bergman, Luis Buñuel e Píer-Paolo Pasolini como referências. De que forma essas obras foram usadas na construção do romance?

Ruth Barros - O Bunuel é fácil, nas Belas da Tarde, burguesas que se prostituíam a tarde, coisa que realmente existia na França, com descobrimos através do livro Os Bordéis Franceses, de Laura Adler. E é comum também nos livros do romantismo francês a mulher que toma gosto exagerado por jóias falsas e, quando ela morre, a família afunda – claro, o sustento foi embora – o marido vai vender as jóias e descobre que de falsa não têm nada, era só lavagem de dinheiro. O Arsene Lupin, o Ladrão de Casaca também tem cena parecida. No Belas da Tarde a gente dividiu a Catherine Deneuve, que a gente adora, em duas, dando-lhe o nome de Catherine e de Severine, que ela tem no filme. O Bergman se não me engano é uma cena de uma Pietá, tipo Michelangelo, lembrada para construir o Jean Pierre, o pai de Josephine, quando embala a mulher morta. Já o Pasolini usa Sade em 120 journées. E vimos exaustivamente biografias, filmes de época, tudo que nos ajudasse a visualizar melhor o período. Para guilhotinar o François, por exemplo, assisti umas dez vezes a cena de Danton, do Wazda, em que o Gerard Depardieu tem o mesmo fim. Além do que, como boa filha de milico que acabou indo a guerra, sempre gostei de histórias de guerra e armamentos, lembro-me das visitas que fazia aos Invalides, por pura curiosidade, vinte anos atrás, quando estudava em Paris e que acabaram sendo muito úteis.


O que há de verídico e de fictício em "Os florais perversos de Madame de Sade"?

Ruth Barros - Os personagens reais são verídicos, baseados em várias biografias que lemos e filmes que vimos, os que inventamos são pura viagem nossa. Para complicar um pouco mais nossa vida fizemos uma regra do Manual de Redação de Madame de Sade – não existe, é só brincadeira – em que um personagem fictício podia contracenar com um real, mas não há situações inventadas entre dois personagens reais para facilitar nossa vida, o que deu muito mais trabalho. O resto, roupas, comidas, viagens, estradas, casas, hábitos, mentalidade, tudo, procuramos fazer o dentro da realidade, todos os detalhes foram exaustivamente checados, o que não impede de ter havido algum furo. As mortes, envenenamentos, etc, são todos clinicamente viáveis – o meu ex-marido, Paulo Victor Khouri, é clínico, médico da UTI do Sírio Libanês e eu o atormentava seguidamente com perguntas do tipo “entra em convulsão, cai para frente ou para trás, quanto tempo leva para morrer, deixa vestígios?”, uma espécie de CSI do século 19. O DJ foi o Fábio Zanon, um grande amigo, um dos maiores violonistas clássicos da atualidade em todo mundo, que escolheu a trilha sonora da época.
Os nomes foram outra farra. E quanto ao imaginário das personagens e mesmo dos caracteres históricos a gente tentava imaginar como pensaria uma pessoa que viveu há quase 300 anos com as informações e a cultura da época, que tipo de atitude ela teria, sem esquecer que ganância, cobiça, inveja e outras cositas mais são universais e transcendem ao tempo, daí o uso do Machado de Assis.

A narradora do romance foi inspirada em algum personagem real?
Ruth Barros - Não, nunca houve mulher como Josephine. Na verdade a gente é completamente louco por ela e temos medo da reação dos leitores, de tomarem antipatia da nossa “santa”. Como ela é criação minha, tentava imaginar o tempo todo, o que eu faria nessa situação? Eu não sou ela, naturalmente, mas ela pensa com minha cabeça, é uma espécie de “rainha da lucidez” que raramente se deixa turvar por sentimentos, sejam eles nobres ou maus. Aliás, evitamos cuidadosamente essa espécie de maniqueísmo entre bem e mal. A inveja, por exemplo, acaba se transformando em mola de ascensão social, a pessoa se torna o que quer ser, o que por ironia acaba virando uma espécie de auto-ajuda. Vocês não perguntaram, mas cabe acentuar que a gente adora trabalhar com clichês, então o cabeleireiro gay chama-se Antoine e morre de Aids – claro que não damos o nome de Aids, mas é um mal misterioso que tem todas as características da doença. E usamos e abusamos de lugares comuns e frases feitas como “os diamantes são o melhor amigo de uma garota” e assim por diante.

As receitas dos florais foram inventadas ou eles realmente funcionam do jeito descrito no livro?
Ruth Barros - As receitas foram inventadas mas as propriedades em geral são verídicas, o Marcão fez mestrado na USP sobre o assunto e é autor de um best-seller das irmãs Paulinas, as Plantas da Saúde. Por causa desse lado botânico Josephine foi imaginada como descendente dos tupinambás, para explicar o conhecimento das plantas, que precisariam existir na nossa realidade para que as pessoas pudessem fazer os florais se quisessem testá-los.

Como surgiu a idéia de escrever um romance ambientado no tempo de Sade, Robespierre, Napoleão, Laclos e Casanova? Há um objetivo por trás disso? Vocês têm especial interesse por esse período?

Ruth Barros - A gente gosta de história, como deu pra notar e a figura mestra é o Sade, daí usarmos como atores os personagens que existiam na época. Da mesma forma que usamos o Sadismo como eixo desse primeiro romance, estamos usando o Canibalismo para o segundo que estamos escrevendo e que se passa no Brasil, ela vem para cá no final do livro. E ainda há o final da trilogia, mas esse por enquanto é segredo absoluto, embora já saibamos a grosso modo o que será.


Também é incomum um romance ser escrito a seis mãos. Por que três autores? Como vocês dividiram o trabalho? Quanto tempo levou para o livro ficar pronto?

Ruth Barro - Começou porque o Marcão era meu colega de jornal – ele é editor-assistente e eu era repórter especial - e me propôs ajudá-lo num livro sobre Sade, de quem a gente gostava embora conhecesse quase nada, como a maioria das pessoas. A Helô era super minha amiga e a gente queria fazer uma empresa de produção de textos, pois não tínhamos mais saco de emprego nesse mercado nosso jornalístico cada dia pior. Eu, além de tudo, tinha me separado e tinha aquela medonha dificuldade de conciliar filho pequeno com plantões de fim-de-semana. Escrevíamos juntos 3, 4 vezes por semana, às vezes criávamos pequenas cenas em separado que depois emendávamos no textão e assim ia. Foram mais de dois anos escrevendo, mas a Helô participou apenas dos quatro primeiros meses. Ela havia se afastado há algumas semanas para resolver algumas questões familiares e acabou morrendo antes de voltar.


Vocês se propuseram o desafio de escrever com a linguagem da época? Qual a dificuldade disso?

Ruth Barros - É dureza. Apesar de termos uma razoável cultura, somos muito metidos a modernos, penamos um pouco. Aproveitamos então para tentar um linguajar de época com conceitos bem contemporâneos, como por exemplo, as Belas da Tarde, que é um troço bem moderno em administração, otimização de um espaço que já existe e fica ocioso em certos períodos, porque não utilizá-lo para gerar novos lucros, no caso abrir o bordel depois do almoço? Da mesma forma o Choque e Pavor, que Bush usou contra o Iraque, não passa de estratégia de Napoleão, general da artilharia, que bombardeava as linhas inimigas antes de atacar semeando pavor com o barulho, a fumaça, as bombas e os estilhaços. E a questão de lavagem de dinheiro, que usamos muito, não precisa nem de explicar, está na ordem do dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pôxa vida, fiquei com vontade de ler "Ös florais..." Aguçou meus instintos... literários...claro! A propósito, feliz natal prá você e todos os seus queridos também Altino, com espírito da coisa e tudo o mais. E vida longa prá você e seu blog de notícias amazônicas, que é muito bom.