sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO

Os que conseguiam efetivamente chegar aos seringais, depois de três ou mais meses de viagem, já sabiam que suas dificuldades estavam apenas iniciando. Os recém-chegados eram tratados como "brabos" - aqueles que ainda não sa­biam cortar seringa e cuja produção no primeiro ano era sempre muito pequena. Só a partir do segundo ano de trabalho o seringueiro era considerado "manso". Mesmo assim, desde o momento em que era escolhido e embarcado para o seringal, o brabo já começava a acumular uma dívida com o patrão. O mecanismo de prender o trabalhador por meio de uma dívida interminável foi chamado de "sistema de aviamento".

Essa dívida crescia rapidamente, porque tudo que se recebia no seringal era cobrado. Mantimentos, ferramentas, tigelas, roupas, armas, munição, remédios, tudo enfim era anotado na sua conta corrente. Só no fim da safra, a produção de borracha de cada seringueiro era abatida do valor de sua dívida. Mas o valor de sua produção era, quase sempre, inferior à quantia devida ao patrão. E não adiantava argumentar que o valor cobrado pelas mercadorias no barracão do seringalista era cinco ou mais vezes maior do que aquele praticado nas cidades: os seringueiros eram proibidos de vender ou comprar em qualquer outro lugar. Os soldados da borracha descobriam que, no seringal, a palavra do patrão era lei.

Os financiadores americanos insistiam em não repetir os abusos do sistema de aviamento que caracterizara o primeiro ciclo da borracha. Na prática, entretanto, o contrato de trabalho assinado entre seringalista e soldado da borracha quase nunca era respeitado. A não ser para assegurar os direitos dos seringalistas. Como no caso da cláusula que impedia o seringueiro de abandonar o seringal enquanto não saldasse sua dívida com o patrão, o que tornava a maioria dos seringueiros verdadeiros escravos, prisioneiros das "colocações de seringa" (unidades de produção de látex em que estavam instalados).

Todas as tentativas de implantação de um novo regime de trabalho, bem como o fornecimento de suprimentos diretamente aos seringueiros, fracassaram diante da pressão e do poderio das "casas aviadoras" (fornecedores de suprimentos) e dos seringalistas que dominavam secularmente o processo da produção da borracha na Amazônia. (M.V.N)

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