quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

VEREADOR CHICO MENDES



"MUITAS PESSOAS ENCARAM A POLÍTICA
COMO A ARTE DA SACANAGEM"
(Chico Mendes)


Na sessão de encerramento do primeiro semestre, realizada no dia 30 de junho de 1982, Francisco Mendes leu um discurso escrito e distribuiu cópias do mesmo para várias pessoas. O fato de não ter sido eleito em nenhuma das outras eleições nas quais participou, e de suas falas, citadas até aqui, terem sido transcritas das atas, fazem deste o único discurso pronunciado em uma tribuna legislativa que teve, seguramente, sua autoria.

No contexto em que vivia, naquele momento, quando estava sendo iniciada a campanha eleitoral para governador, deputado e vereador, sua mensagem estava centrada nas características de um verdadeiro partido de oposição, alertando seu próprio partido a não cometer os erros tradicionais da política partidária que já havia vivenciado no PMDB e na necessidade de educação política da população para que pudesse exercer plenamente a cidadania.

"Sr. Presidente, Srs. Vereadores.
Neste momento em que, com esta sessão marcamos o fim do 1º semestre do ano em curso, vale a pena lembrar que também será este o último primeiro semestre de nossa legislatura, que teve seu início em março de 1977. E que neste longo período em que aqui nos encontramos, sete companheiros, que tivemos o privilégio de merecer a confiança do povo Xapuriense, até hoje tivemos momentos agradáveis, desagradáveis, divergências, mal entendidos. Acertos e desacertos marcaram a nossa caminhada espinhosa, até aqui. E neste ano de 1982, ano político eleitoral, será hora de todos nós juntos refletirmos seriamente o compromisso que nós temos para com o povo, com a comunidade e a sigla partidária que representamos. Por fim, o nosso trabalho nas campanhas eleitorais.

O discurso que hoje apresento nesta casa é no sentido de que ele tenha significação para o momento político de nossa terra. Apesar das diversas limitações, confio em que na luta franca de opiniões todos nos esforçaremos por encontrar as soluções que sirvam à nossa grande causa. Ante a confusão ideológica e política imperante, o centro dos debates deve girar, a meu ver, em torno da linha geral e da tática, pois disso depende, em última instância, o papel do partido, a sua capacidade de transformar a classe trabalhadora em fator decisivo na formação da luta contra os monopólios imperialistas e pela construção de um verdadeiro regime democrático como força dirigente em nosso país.

Com a criação do Partido dos Trabalhadores, nos foi imposta a tarefa de superar os erros dogmáticos e sectários de natureza subjetivista, agravados pelos velhos costumeiros métodos aplicados pelos partidos tradicionais que impregnaram nossas concepções, quer quanto à sua prática política quer quanto ao modo de agir, a sua política e aos seus métodos. Como fui um dos portadores, no passado, dessas concepções e um dos responsáveis por esses erros, compreendo a necessidade de impedir sua repetição.

Ao mesmo tempo me preocupo no empenho de que o partido, desde sua direção, não venha cair nos mesmo vícios, de outros partidos, cujas direções, apesar de pregarem o credo oposicionista, são de concepções direitistas, que na conjuntura atual são o maior perigo para o movimento de organização dos trabalhadores. E nesta campanha eleitoral que se inicia eu conclamo a todos os dirigentes políticos para que em suas peregrinações não cometam os erros que muitos já estão cometendo, que é o de usarem argumentos mesquinhos e demagógicos que só os incapacitados e débeis mentais usam. Devemos levar em conta que a política deve ser encarada com seriedade, pois ela faz parte de um conjunto de ideais que podem muito bem influir na evolução de um povo, do mesmo modo, ela pode ser o desequilíbrio de uma sociedade, como muitos fazem em nosso país.

Daí porquê hoje muitas pessoas encaram a política com a arte da sacanagem. Mas se isso ocorre no pensamento destas pessoas, é porque a grande maioria de nossos políticos usam-na em proveito pessoal. Daí a razão de torná-la desacreditada perante a opinião pública. Entretanto cabe a nós fazer com que ela se transforme em instrumento de organização da classe trabalhadora.

Faz-se urgente desenvolver junto aos movimentos populares um intensivo trabalho de educação política que desperte o operário, o trabalhador rural, a dona de casa, o estudante e demais pessoas do povo para o direito inalienável à condição de cidadão, que é o de ativa participação na vida política do país, inclusive na vida partidária. Cabe à educação política, criar consciência de que esse direito, exercido dentro de um processo de engajamento social que, sem ser excludente, passa por diferentes etapas, desde a mais simples luta pela água de um bairro ou pela terra, até a elaboração de um projeto político alternativo. A atividade partidária não deve ser exclusiva e jamais desvinculada do trabalho de base e da inserção do militante nos movimentos populares".

Vereador Francisco Alves Mendes Filho,
Ata da Décima Quarta Sessão Ordinária, 30 de junho de 1982

Nota: o texto acima foi extraído da tese de doutorado "A Construção Social de Política Ambientais - Chico Mendes e o Movimento dos Seringueiros", da antropóloga Mary Helena Allegretti. O mandato de Chico Mendes como vereador na Câmara Municipal de Xapuri começou em de fevereiro de 1977. Durou cinco anos e foi encerrado em 1982, pois em nenhuma outra eleição à qual se candidatou ele conseguiu ser eleito.

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