terça-feira, 5 de maio de 2015

Na “República dos Procuradores”, vice ganha mais do que governador do Acre

Edinei Muniz

Que o Acre é um Estado atípico não se discute. Já tivemos a República de Galvez, a República de Chico Mendes, e, atualmente, temos a República dos Procuradores do Estado, que estão aboletados nos principais cargos públicos do Poder Executivo. Desde o início do governo petista, em 1999, com Jorge Viana, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) vem sendo tratada como a prima-dona, a menina dos olhos do governo.

Órgão consultivo e responsável pela defesa do Estado (lato sensu), a PGE vem, sistematicamente, passando por um processo de modernização e, deste modo, está se tornando um órgão de excelência, o que é bom e louvável. O problema ocorre em detrimento das demais secretarias do governo que não recebem, nem de longe, o mesmo tratamento. E o que é pior: em detrimento da independência funcional.

Conta com lei orgânica (LCE 45/1994) que, entre outras prerrogativas, atribui, por exemplo, recebimento de diárias de viagens, por todos seus membros, com valor equivalente aos secretários de estado. Não se submete ao teto salarial do governador do estado (como todos os outros servidores), tampouco ao teto estabelecido na Constituição Federal. O teto deles, com base em interpretação deles próprios, é o valor dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, hoje R$ 33.763,00.

Atualmente, no governo da Frente Popular, os procuradores de estado ocupam os principais cargos na administração estadual, o que, claro, não é ilegal, mas não deixa de ser tremendamente estranho e danoso para a institucionalidade, eis que atinge o que ela mais precisa para bem defender os interesses do Estado do Acre (e não do grupo de poder instalado): a independência funcional.

Não percam a conta: a procuradora Márcia Regina ocupa a chefia da Casa Civil do governo. Tem ainda à sua disposição o subchefe da pasta que, por lei “inventada” pelos próprios procuradores para ampliar o já amplo nicho de poder que ocupam, deve ser ocupada por um procurador de estado. O subchefe da Casa Civil é o procurador Marcos Mota. A Casa Civil, numa linguagem popular, é a cozinha do governador e de onde irradia boa parte do poder do cargo.

Vamos em frente. A procuradora Nazareth Araújo, como todos sabem, é  a vice-governadora. Gosta tanto da procuradoria que optou pelo salário de procuradora, no caso dela, R$ 33.763,00. A vice ganha hoje mais que o governador Tião Viana. O salário do governador é R$ 30 mil. Conta ainda com a assessoria de Edson Manchini, que é procurador e já foi Controlador-Geral do Estado.

Na Secretaria de Saúde, palco permanente de sérios embates judiciais entre a Defensoria Pública e a Procuradoria do Estado, temos o procurador Armando Melo.

Numa outra esfera do poder petista, temos o Paulo Barreto, que é procurador do estado, ocupando o cargo de subchefe da Casa Civil da prefeitura de Rio Branco.

O ex-presidente do Tribunal de Justiça, Roberto Barros, como todos sabem, era procurador de carreira e foi indicado para o cargo de desembargador na vaga do quinto constitucional da OAB em razão do lobby de duas procuradoras: Marcia Regina e Nazareth Araújo.

E a fome de poder da procuradoria não cessa. O próximo integrante da República dos Procuradores será o procurador Cristovam Messias. Irá para a Direção-Geral do Departamento de Estradas e Rodagens do Acre, conforme anúncio informal do próprio governador.

O Deracre, a mais nova conquista da PGE, é hoje o maior “cliente” da Procuradoria-Geral do Estado, em especial, em razão de demandas que se avolumam no Tribunal de Contas da União envolvendo fatos assombrosos, a imensa maioria, a revelar a forma nada republicana como se gasta dinheiro público no Acre.

Forçando um pouco a barra (irão entender em seguida a forçada), temos ainda a procuradora Maria Lídia na Procuradoria Geral e Cristovam Messias como Procurador-Geral Adjunto, cargos que, pela Lei da PGE, nem precisam ser necessariamente ocupados por um procurador de carreira.

O interessante é que a mesma lei que diz não serem tais cargos, o de Procurador-Adjunto e o de Procurador-Geral, privativos de “procuradores” diz também que o cargo de subchefe da Casa Civil - em flagrante incoerência, mal calculada pela sede de poder dos procuradores – só pode ser preenchido por procurador de carreira. Essa, apesar do enorme esforço, não consegui entender. Será uma pequena reserva de poder para o futuro, quando a República dos Procuradores voltar a se chamar Estado do Acre?

O estranho nisso tudo é que nenhum deles, e vejam que são muitos, quando empossados, optou pelo salário (vencimento) da pasta. Porque será?

Pois é por tudo isso que repetimos: o Acre é mesmo atípico. No Acre, o mesmo onde o governador do estado amplia a dívida pública em mais de R$ 1 bilhão em apenas oito meses - e em pleno período eleitoral - supostamente estuprando a Lei de Responsabilidade Fiscal, a procuradoria do estado virou, com todo respeito à instituição e aos demais integrantes do órgão, banca de advocacia do poder, confundindo e misturando, perigosamente, os limites entre os interesses do “Estado do Acre” com os “interesses políticos” do atual grupo de poder.

Com todo respeito à instituição PGE, mas transmutação do caráter “consultivo” do órgão em “instância de decisão política”, como ocorre na prática em razão vácuo deixado pela fragilidade de Tião Viana, pode ser extremamente destrutivo à institucionalidade. O poder político se desfaz, mas a instituição, mais que necessária ao Estado de Direito, precisa sobreviver.

Deixarei, por fim, uma indagação, como estímulo à reflexão: com a PGE tão próxima do poder político, não seria de se esperar um maior equilíbrio, uma maior lucidez nas ações do governo no tocante à ética e a probidade pública? O que faz a PGE tão perto, tão parte? Assessoria de poder político ou defesa dos interesses constitucionais do Estado do Acre?

Edinei Muniz é professor e advogado

Nenhum comentário: