quarta-feira, 24 de março de 2010

O PROFESSOR E O FUTEBOL

José Augusto Fontes

O futebol é uma paixão brasileira, encanta, cria sonhos, gera alegrias aqui, tristezas ali, e paga muito bem. Com esses sonhos e paixões, o futebol movimenta uma realidade bastante lucrativa para uns poucos, enquanto muitos se alimentam de passes trocados e de ilusões encantadoras. Para alguns, fora das quatro linhas, a torcida não é organizada.

Um técnico de futebol, como o recém demitido do Palmeiras, ganhava mais de R$ 500 mil por mês. Logo, numa simples conta, se vê que ele ganhava mais de R$ 16 mil por dia. É semelhante ao que ganha o Luxemburgo, no Atlético Mineiro, ele que também foi demitido do Palmeiras. Vamos tabelando pra frente. Se a gente articular a jogada para cada dia de jogo efetivo do time, aí o ganho do técnico dispara como um chutão pra cima.

Um time joga aproximadamente oito vezes por mês (na media anual), e isso dá mais de R$ 60 mil por jogo. Tudo bem, é possível argumentar que o técnico não trabalha só em dia de jogo, pois tem os treinos etc. O treino seria, mais ou menos, como o planejamento que um professor faz, para chegar na sala e dar aula, não é mesmo? Mas, quanto ganha um professor? A responsabilidade de um professor é menor? E será que o professor precisa planejar menos?

Tudo bem, vamos distribuir a jogada pelos flancos. Um técnico de futebol nem sempre ganha os jogos ou os títulos, mas geralmente ganha bem, quando se trata de salário. E ainda tem o bicho. Vejamos uns números do Muricy Ramalho, no Palmeiras: 34 partidas, 13 vitórias, 11empates, 10 derrotas e um resumo de apenas 49% de aproveitamento.

Já um professor, que em linhas gerais trabalha todos os dias, em jornadas que podem ir adiante de quatro horas diárias, além do trabalho que leva pra casa, tem responsabilidade com uns 40 a 50 alunos em cada sala (se não for professor infantil), às vezes até mais. Mas um professor não recebe bons salários. Isto é a regra e quase ninguém xinga das arquibancadas.

Aliás, não se vê muita gente querendo mudar esse jogo. Só que o professor sempre ganha, todo ano, de goleada, em relação à quantidade de alunos que prepara para a vida, que capacita para as diversas competições sociais que os pupilos enfrentarão. E o professor é quase sempre formado, esteve pelas academias, fez testes de seleção, sentou em bancos de escolas (sem reservas), teve que trabalhar esquemas e dar muitas firulas nas variadas adversidades. E o técnico?

Por razões óbvias, é claro que aqui não vamos abordar a prancheta do Joel Santana, em se tratando de planejamento. De outro ângulo do jogo, se vê que a economia brasileira deve ser mesmo uma potência. Se o Brasil tem capacidade de pagar salários especiais para Ronaldo, Adriano e Robinho, por exemplo (todos formados nas melhores academias futebolísticas do Brasil: Cruzeiro, Flamengo e Santos e todos vencedores na vida, pois têm origem humilde e venceram sem estudar), através de variados clubes, deve ter igualmente capacidade para pagar bem aos professores, milhares também vencedores na vida, de origem humilde e de projeção não muito animadora, pois seus títulos não serão convertidos em grandes lucros. O que está faltando para o Brasil sair da retranca e fazer gols de placa na educação?

Isso pode ser comentado de outra maneira, dentre várias. Vamos narrar a peleja assim: um técnico de futebol que ganha mais de R$ 500 mil por mês ou um desses atletas que ganham, no Brasil, em torno de R$ 1 milhão por mês (jogador de futebol ganhando mais de R$ 10 mil por dia, no Brasil, tem aos montes, e mais de R$ 30 mil, tem alguns), podem guardar, em quantia líquida, por ano, infinitamente mais do que um professor, na imensa maioria dos casos, poderá guardar durante toda a vida! O que você acha disso? Quando você crescer, vai querer ser professor ou técnico? E o Brasil, será o quê?

Vamos mudar o jogo? Parece que ainda não. Ainda há muito tiro de meta pela frente. Nosso celeiro de craques da educação parece que ainda vai ter que aguardar no estaleiro. Curioso é que a galera do futebol costuma dizer que a carreira é curta e que por isso ganhar bem é preciso. Ora, a bola está entrando pelo outro canto e o gol vai ser contra!

O que dirá então o professor, cuja carreira é sempre longa? Como explicar isso para quem precisa trabalhar sempre muito mais e ganhar sempre muito menos? Será que é falta de talento? Mas, talento para quê? Afinal, o fato de o professor não ter panetone nas meias ou verba na cueca não significa que os mestres precisam ir para escanteio! Esse jogo indica precisar de outro tipo de prorrogação.


Por que esse deslumbrante futebol tem que ser mais valorizado que o ato de ensinar, e de forma assim tão gritante? Dizem que ensinar é sagrado. Mas precisa ser pobre? Dizem mais, que o professor se regozija com a felicidade dos alunos, que sua compensação é espiritual, íntima. Pode até ser. Ocorre que a vida passa pra todos. Tanto os gols quanto as aulas vão ficar na memória, algum dia. Mas há lances que ficarão guardados em cofres mais robustos, não é mesmo? Será que o professor vai ter que levar o filho para aprender a jogar bola ou aprender a “treinar”, deixando de lado a educação escolar? Por que a sorte, a artimanha ou o drible devem pesar mais do que o estudo e a dedicação, se a economia deveria disponibilizar ingresso pra todos?

Em uma economia que se disfarça de grande, o professor precisa se fantasiar de geraldino e receber bola nas canetas? Luxemburgo, Muricy ou Joel Santana não precisaram estudar. E o professor, precisa se conformar? Será que não pode melhorar? Não sei, mas parece que a nossa paixão pelo futebol pode alimentar essas coisas, um pouco. Talvez eu vire a camisa. Talvez não. Parece que no vôlei é muito parecido. E no hóquei, há um cara que joga lá no Canadá (onde ocorreram as Olimpíadas de Inverno), que ganha mais de R$ 1 milhão por mês. Tem cada coisa. Só não quero pagar o ingresso que movimenta isso. Nem quero torcer pelo time errado.

Algumas jogadas de efeito só se transformam em gol contra ou em bola pro mato, em jogo de campeonato. O professor não deveria ser apenas artilheiro de ilusões pessoais ou familiares, de sonhos guardados, de bola murcha. Sua torcida calada precisa reagir. Se há economia para transações mirabolantes, deve haver disponibilidade para um plano de aula mais estimulante.

Professor não é sinônimo de perna de pau nem é adjetivo para boleiro. E muito boleiro precisa estudar para saber o que é adjetivo, ou o que é sinônimo, não é mesmo? O professor atua fora das quatro linhas, mas há quatro paredes em que ele é artilheiro. Suas jogadas são pensadas em equipe e seus títulos precisam se converter em gols, para que ele não tabele apenas com sonhos. E para que ele possa sair do impedimento.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

3 comentários:

sheila disse...

Texto muito bom...concordo plenamente, lendo essas palavras "sonho" com o dia em que a "torcida",com seu grito, mudará tudo isso. Parabéns ao autor.

@MarcelFla disse...

Texto muito bonitinho, muito bem escrito, mas que não leva a nada, pura demagogia, isso faz parte do regime capitalista e sabemos que não vai mudar, em qualquer lugar do mundo quem faz parte da indústria do entretenimento ganha n vezes mais que qualquer mortal!

Seria interessante utilizar dos mesmos paramêtros que vossa excelência utilizou, na comparação entre Juízes de Direito e Professores, esse sim seria base para qualquer busca por uma mudança REAL.

Francisco Cândido Dias disse...

Correto Marcel, e tem mais: será que o MM aí esqueceu que esse dinheiro vem das grandes empresas patrocinadoras e que a ajuda governamental é infima e que se um Profº é mal remunerado é por causa da corrupção neste país que impera em todos os poderes(Executivo, Legislativo e Judiciário)
Eu acho exagerado os valores milionários pagos a alguns atletas, mas eles estão ganhando aquele dinheiro honestamente e não saqueando os cofres públicos.