quinta-feira, 25 de março de 2010

A ABSOLVIÇÃO DE UM RÉU CONFESSO

Frank Batista


Quer a revista Veja absolver um homicida confesso? Esta é a pergunta que as pessoas vêm fazendo após a matéria na capa da última semana sobre a morte do cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho Raoni, ambos assassinados por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes. Uma reportagem sem elementos consistentes, agressiva à história de um povo e tendenciosa à intolerância e à minimização do ato criminoso de um réu confesso.

Na sua intolerância, irresponsabilidade, desinformação e direção tendenciosa, a reportagem de Veja sobre o crime contra o cartunista Glauco e seu filho não busca investigar a vida e o roteiro mental do autor de duplo homicídio que já tem passagem pela polícia e contra esta dirigiu também atos criminosos, atirando e ferindo policial após roubar um veículo.

A revista Veja assume caminhos perigosos quando decide atuar como juiz antes mesmo que a polícia pudesse apurar os fatos com a conclusão das investigações e do inquérito policial, assumindo a versão do advogado de defesa de que os atos do réu confesso foram desprovidos de lucidez (das boas faculdades mentais) e por essa razão o criminoso deve ser considerado sem condições de ser punido pelo nosso código penal.

Por outro lado, sem nenhuma confirmação científica que efetivamente sustentem suas afirmações, a reportagem torna-se especulativa ao incriminar o Daime, uma bebida utilizada no Acre por comunidades que possuem total identidade com a formação social, política e cultural do Estado.

Há mais de meio século a construção histórica do povo acreano é entrelaçada com as comunidades tradicionais que utilizam o Daime como sacramento religioso.

Nestas comunidades não sem apresentam situações de saúde duvidosa, como loucura ou surto, em conseqüência de participação religiosa nos centros ancorados nos troncos fundadores desta religião genuinamente amazônica, reconhecida nos três mestres Raimundo Irineu Serra, Daniel Pereira de Matos e José Gabriel da Costa, cuja essência comum está pactuada na afirmação de princípios claros num documento assinado e denominado Carta de Princípios.

Estes princípios assumidos determinam a ética, a moral, a espiritualidade, a cultura a preservação dos bons costumes e da boa conduta, formando homens preparados que ocupam lugares destacados em toda a sociedade nos mais diversos ofícios.

Médicos, professores, engenheiros civis e florestais, arquitetos, pedreiros, padeiros, carpinteiros, enfermeiros, administradores, geógrafos, historiadores, empresários, comerciantes, comerciários, servidores públicos ou da iniciativa privada, juízes e promotores de justiça, entre tantos outros ofícios em que atuam homens e mulheres filhos destas comunidades.

Estes, regularmente são ainda destacados para postos no executivo, no Poder Judiciário ou mesmo no Poder Legislativo, cumprindo perfeitamente suas funções sem distorção ou com falta de lucidez, porque não é conseqüência do Daime deixar as pessoas sem sanidade. Pelo contrário, muitas pessoas conseguem retomar o curso da vida à partir da vivência com a Doutrina orientada nestes centros, ao ponto de podermos encontrar numa mesma comunidade, quatro gerações da mesma família: do bisavô ao bisneto todos com saúde.

Homens e mulheres formados nestas comunidades apresentam a boa saúde física e mental, além da saúde ética, moral e de boa conduta, tão raras nos dias de hoje, conforme mostram os noticiários deste Brasil.

Ao tentar agredir e denegrir a imagem, de maneira indiscriminada, dos que praticam esta religião, Veja age de maneira inconstitucional que nos torna um Estado Laico, abusando de seu poder de imprensa e ainda fere a imagem de instituições governamentais federais sérias que basearam-se em estudos para tomarem uma decisão conscientes de que o Daime não causa dependência química e não agride nem o organismo físico e nem o sistema nervoso daqueles que o utilizam.

Os jornalistas omitiram ainda que nos Estados Unidos esta religião já tem reconhecimento e lá, como aqui no Brasil, o Daime não integra lista de substâncias proscritas, sendo utilizado como sacramento religioso.

É preciso ficar claro que no auge da intolerância a Veja arvorou-se a agredir e incriminar uma religião fruto da cultura amazônica, ao mesmo tempo em que se posiciona pela anistia da culpa do criminoso confesso de 24 anos de idade.

Também é preciso ficar claro que a agressão, no Acre, é contra a identidade e contra a história singular de um povo que possui grandes virtudes, além da história intimamente ligada à floresta e sua sabedoria, através das comunidades que influenciam e são influenciadas pela sociedade na vida política, econômica e cultural desse Estado.

Frank Batista é formado em história na Universidade Federal do Acre, assessor da prefeitura de Rio Branco e membro do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz.

5 comentários:

sérgio de carvalho disse...

atribuir a culpa do assassinato de Glauco e Raoni ao daime é um prato cheio para defesa !!!

Unknown disse...

É isso aí Cinato Batista, que bom que vc está exercitando novamente a escrita...Blz!Minha solidariedade a todos irmãos de luz!

Altemar disse...

Uma boa maneira de combater esse tablóide é não alimentá-lo, já cancelaram vossa assinaturas? pensem nisso, que bem ela faz?

alcanave@gmail.com disse...

Caro Altino < foi a partir daquele I Congresso Internacional da Ayahuasca que o Prof Clodomir Monteiro realizou na UFAC vinte anos atrás que começamos a utilizar o nome "Ayahuasca" como termo genérico capaz de reunir as diferentes entidades usuárias para discussão de assuntos em comum, como a defesa da liberdade religiosa de seus cultos e a preservação do patrimônio genético das plantas que compõem a bebida ritual. É um termo genérico, entretanto, útil para a relação intercultural com outros segmentos da sociedade nacional, mas incapaz de traduzir as especificidades de cada contexto religioso de preparo e consumo da bebida.
Para mim a grande falha da situação jurídica atual provém do próprio CONAD, que antes de convocar a reunião para definição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho em 2004, deveria haver realizado uma convocatória de todas as entidades usuárias para a formação de um cadastro nacional das mesmas.
Não só isto não foi realizado, como também, apesar de haver sido apresentada por mim antecipadamente uma proposta de que a eleição dos membros do GMT deveria ser formando vagas por períodos de tempo de vigência dos estatutos das entidades (seriam: uma vaga para as etnias indígenas, uma vaga para entidades com estatuto registrado entre 65 e 74, outra para estatuto entre 75 e 84,
outra para estatuto entre 95 e 94,
outra para estatuto entre 95 e 04, e a última para entidades ainda não legalizadas ou em processo de registro), isto não foi considerado, já que o lobby principal representado pretendia uma vaga exclusiva para o pessoal do Mapiá, e outras duas para novas instituições, o que lhes facultaria vantagem nas negociações do relatório final. Foi por isso que a repartição das vagas entre linhas veio a gerar a polêmica registrada por este blog em 2004, pois foi imposta pelo CONAD uma forma de eleição que não tomava em conta a realidade das bases. Tampouco todas as entidades foram comunicadas da eleição, e o GMT não foi representativo.
Mas como sempre existem aqueles que, por temor de que se não seguissem a pauta imposta pelo governo, estariam dificultando a legalização da ayahuasca, ou talvez por verem à frente do CONAD uma autoridade militar, deram vez e voz ao script previamente fabricado e aceitaram participar do GMT daquela forma.
O documento que temos hoje é pro-forma, não exige nada de ninguém, não dá prazo algum, não orienta para a reforma da portaria do Ibama a fim de coibir o mercado negro da bebida, não cria um cadastro nacional das entidades usuárias nem possibilita uma ouvidoria ou meio de controle para coibir desrespeitos aos tais parâmetros deontológicos. Ficou ao gosto daqueles que queriam deixar a coisa correr frouxo. E agora o tempo nos acocha!
Portanto, a meu ver, a presente situação tem origem na forma arbitrária com que o CONAD pretendeu organizar o GMT e os resultados por eles apresentados.
Para mim o Ayahuasca, o Daime, deveria há muito tempo ter saído da esfera do Ministério da Justiça e ficar no âmbito do Ministério da Cultura, mas para isso é preciso formatar uma entidade neutra capaz de organizar as responsabilidades individuais de cada entidade usuária.
Sobre o Mercado Negro, meu texto a respeito está em http://karipuna.blogspot.com/2009/01/ayahuasca-negra.html
Abraços < Eduardo Bayer

jrjaraujo disse...

Obrigado Altino pelo seu BLOG, uma das vias de comunicação que dicerni de maneira imparcial sobre o senso comum!
Parabéns Frank pelo ponto de vista da situação da mídia!!!