sábado, 6 de setembro de 2008

MENSAGEM DO VELHO DO RIO

Do sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, na fronteira Brasil-Peru:

"Olá Pessoal!

Os parentes [índios isolados] hoje de madrugada cortaram as cordas de todas as canoas aqui do porto de casa, no igarapé Xinane, que é a casa deles.

Sábado é dia da gente pescar umas curimatãs para comer durante a semana. E então fomos dar umas tarrefeadas no Xinane.

Na volta, com o motor ligado, num poço fundo de barranco alto, eu e o trabalhador Chicão fomos flechados.

Uma flecha entrou na canoa, atras do Chicão, que ia na proa. A outra passou muito perto do meu rosto e entrou na água!. Escapamos fedendo!

Pelo jeito foi o mesmo pessoal que andou aqui no porto (quatro rastros), pois os rastros iam em direção ao Xinane.

Como ninguém pode ficar intocado em casa... Risco calculado e um pouco de sorte...

Creio ser o grupo que está vindo do Peru. Flechas lindas!

As arpoeiras eles botam como corda de arco. As grossas, de amarrar batelão, desfiam os fios finos e encastoam as flechas. Reciclagem!

Estou com as duas flechas aqui. Já temos uma bela coleção!

São duas da manhã e tem umas nambus suspeitas assoprando na boca do Xinane. O sono foi embora e o buraco do ouvido tá prá lá de calibre 12!

Fico matutando o porquê da fixação dos parentes por corda de nylon. Principalmente as grossas, de muitos fios trançados (finos) que eles desfiam e usam para amarrar as penas das flechas e as pontas de taboca.

Será que na mudança apressada do Peru prá cá perderam a semente do algodão? Ou será que o que plantaram ainda não está dando? O amarradio original é de algodão...

Ou terá ainda outro significado, tipo:

- Seu babaca, vamos no seu porto, cortamos suas cordas, encastoamos nossas flechas e de quebra flechamos vocês...

Aqui tem uma conversa assim: quando uma nambu suspeita apita fora de hora e de lugar (nambu azul não é japó para se empoleirar em tacanal), os trabalhadores dizem que é nambú dos ovos pendurados do lado de fora.

Vou ver se tiro um cochilo.

Tomara que eu ainda veja o convênio com o governo do Acre dar certo. Por favor, antes que os parentes tirem o velho do rio de circulação!

Temos internet agora, só não MSN Messenger. SIPAM. Escrevam, quebra a monotonia.

Abraço a todos".

Meu comentário: Caro Meirelles, você precisa conferir com urgência se os parentes estão estocando corda grossa para amarrá-lo no tronco de um taxizeiro. Duvido que haja no mundo outro blog com um correspondente numa das regiões mais remotas da Terra, levando flechadas de uma das últimas etnias em isolamento voluntário, munido de computador e nos deixando informado em tempo real sobre o que se passa naquela vasta região de beleza, perigo e solidão. Não é possível que o governo estadual siga postergando a assinatura de um convênio que poderá ampliar o trabalho de proteção dos índios isolados. É muito bonita aquela exposição sobre índios isolados, na Biblioteca da Floresta, mas...

2 comentários:

Unknown disse...

Eu nao conheço blog assim, tao bom. Falo sério!! A correspondencia do Meirelles é de arrepiar, concentrado de cultura, cultura verdadeira. Aprendo, aprendo e agradeço. NN

Mato Grosso Socioambiental disse...

Altino,
Tenho ouvido muito falar de seu blog, e hoje pude lê-lo com tranquilidade e cautela - meu filho dormiu enquanto minha esposa trabalha e tenho de teclar com cuidado para não acordar o pequenino homem. Tenho acompanhado pela imprensa as notícias dos povos indígenas isolados e muito me surpreendo com notícia tão real quanto essa do sertanista. Parabéns pela cobertura e pela preocupação real com seres humanos reais vivendo um drama civilizatório que a humanidade ainda não conseguiu superar. FFX