domingo, 14 de setembro de 2008

FLECHADA E TIRO NA FRONTEIRA

Relato do sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira, na fronteira Brasil-Peru:

"Bom dia amigos.

A coisa aqui está braba, no igarapé Xinane. Nesta manhã, dois trabalhadores foram tirar umas melancias numa praia, no trecho do igarapé acima aqui de casa. Domingo é dia de folga e de comer melancia doce e madura.

Logo acima da boca do Xinane, adivinhem: flechada e tiro.


Eu não sei se esses parentes [os índios que vivem em isolamento] são ruins de flecha ou tiro, se existe madeireiro peruano no meio deles ou se roubaram espingarda em algum acampamento de madeireiro em território do Peru.

O que sei é que estamos bem perto de realmente pegarmos um tiro ou uma flechada. Não é possível tanta sorte assim.

A coleção de flechas aqui em cima da mesa de minha casa está aumentando. Se a causa desses ataques for realmente para vingar o que fizeram com os isolados no Peru, só resolveremos a situação quando deixarem os parentes em paz, do outro lado da fronteira.

Do ponto de vista dos parentes é um bom motivo, afinal somos todos brancos invasores. Mas abandonar a frente seria deixá-los à própria sorte, também do lado de cá.

O jeito é esperar a próxima flechada ou tiro.

É isso moçada:
bom domingo para vocês, pois o nosso começou muito bem.

Como sou teimoso, mais tarde vou apanhar umas melancias.

Abraços".


Mais tiros

"Olá pessoal!

Logo após enviar a primeira mensagem, os caras atiraram de novo, no rumo da boca do Xinane. Fomos ver o local de onde tinham atirado nos meninos. Eram de seis a sete pessoas. Tiraram banana no nosso bananal, dormiram na beira do rio. Tava o fogo em cima do barranco.

Tinha o rastro de uma mulher. Eram os parentes mesmo. Rastro típico. Uma chave grande de largura! Choveu ontem aqui e tá bom de ver rastro.

Achamos uma vaqueta (vara fina) de tirar cartucho da espingarda. Pela grossura da vaqueta, era pelo menos uma de calibre 20. Ainda botaram uma forquilha para escorar a espingarda.

Trouxemos a vaqueta e a forquilha. Eles seguiram pro rumo das cabeceiras do Xinane.

Só falta eles aprenderem a atirar direito!

Abraço".

6 comentários:

Terra disse...

Já recebemos varios convites do Meirelles para comer melancia no Xinane. Além de longe, melancia com flecha não combina.
Definitivamente não iremos.
Por enquanto o Meirelles vai colhendo melancia e aumentando a coleção de flechas. Uma delas, famosa, foi arrancada do pescoço!
Te cuida Meirelles. Através dessa a ponte com o Altino, nos mantenha informados.
Nesses tempos bicudos, talvez seja mais seguro ir comprar um Concha y Toro em Cobija.

Gildson Goes disse...

Isso é um verdadeiro exemplo de amor ao trabalho.

eu de minha parte,

já tinha me mandado faz tempo..

penso se esses índios tão realmente atirando pra matar ou só tentando assustar. Tão errando demais pra mim.

Leila Ferreira disse...

Sua determinação e coragem em defender talvez, os últimos índios isolados no Acre, converso que dá arrepio. Parabéns pela sua coragem, que todos deveria possuir para defende nossas riquezas.
Boa coleção de flechas Meirelles.
Vou preferir comer melancias bem longe das flechas.

Unknown disse...

Li este post e pensei: "Quem substituirá o Meireles e sua gatíssima filha neste árduo e bravo trabalho?"
- Uma verdadeira prova de amor ao que acredita, amor ao trabalho. Uma pena que nem o governo federal (quem deveria dar estrutra - nem a sociedade ligam para esta luta "solitária".
Eu presenciei muitas rodas de conversas após a exibição das fotos dos indios isolado a 2 meses, mas hoje, ninguem comenta mais. Se alguem da equipe pegar um tiro ou uma flechada e acabar morrendo que Deus os livre, será uma comoção (pelo menos eu espero), mas depois as pessoas esquecerão. Pelo visto, o processo de exploração de madeira no Peru não tem prazo pra diminuir, o que indica que realmente haverá o fenômeno de indio matando indio.
Estamos vendo, quem sabe a última manifestação de um povo isolado e não estamos ligando para o fato dessa manifestação.
Enquanto nós preferimos assistir as novelas (programa de débil mental) da globo ou as dos mutantes (programa de mais débil mentai ainda) e os nossos políticos preferem se preocupar com os grapos e com seus currais eleitorais, em algum lugar isolado desse nosso Acre está acontecendo o final de uma sociedade - talvez a ultima - que ainda vive como os homens da pré-história viviam.
Que Deus proteja o meireles e sua equipe, e ainda, a sua belíssima filha.

. disse...

Se os indios sao isolados, da onde vem a habilidade no manuseio de armas... fica aqui o desejo de boa sorte ao Meirelles e a Paulinha... e que os indios continuem com sua pessima pontaria

Unknown disse...

Acho que isolados somos nós .Cada vez mais dentro das casas e escutando tiros la fora.Nao tem diferenca nenhuma para a "Capital""