sábado, 16 de fevereiro de 2008

JAGUARETÉ-UHÚ

José Carlos dos Reis Meirelles

Nascido de mãe onça pintada e pai onça preta, em oco de tatajuba, nas terras que margeiam o Mundi-canguera-i-rendá, num começo de inverno que prometia chuva muita.


Desde novo tinha a munheca mais torta que seus parentes canguçus da mão torta, ou malha-graúda, apelido dado pelos brancos a essa nação de onça.

Suas duas irmãs morreram comidas por um bando de queixada que passava ao lado do oco que moravam. Sua mãe empoleirou-se num pau e ele escapou no final do oco, onde um barrão de queixada fungou bom tempo em seus quartos, sem poder alcança-lo.

Sem concorrência na amamentação cresceu forte e rápido. Passado o inverno, desmamou. No final do verão já era um gato de respeito, afoito, defeito felino grave que as caças espantadas, uns bons bofetes da mãe e o tempo corrigiram.

O próximo inverno andou ao lado da mãe, mas no começo do verão, sem motivo justificado, com dois ou três tabefes bem colocados, é lembrado que é tempo de cuidar da própria vida.
Na lua grande do tempo que cai flor de pequi, ouviu um som rouco e distante que por instinto responde, com a boca próxima do chão. Tempo de arrumar companheira e criar família.

Mas nada é fácil na mata. E nem é só ele que responde ao chamado de fêmea no cio. Por toda a mata ecoam respostas, mais altas e graves que a sua. O instinto o leva ao encontro da fêmea. Quase ao mesmo tempo quatro machos, bem maiores que ele medem forças.

Não é dessa vez que arrumará mulher. Ganhou sim uns lanhos nos quartos e uma dor danada no cachaço, dum tapa, que se pega apoiado quebrava seu pescoço, desferido por um macho que dava dois dele! Mas o tempo passa, a vida ensina e a gente cresce, se lambia ele, todo doído. O tempo passou, a vida ensinou e ele cresceu.

Arrumou várias famílias, abateu inúmeras antas, comeu muito porco, descascou pau a mais de dois metros de altura pra amolar as unhas e mostrar aos desavisados seu tamanho. E mijou nos limites de seu território de caça.

Tornara-se um jaguareté-uhú.

Um comentário:

Saudades do Acre disse...

Altino. Menino ainda, assisti a um fato insólito, que talvez o Meirelles possa ajudar a decifrar. Um primo meu, matou um mourisco e trouxe na estopa para o barracão. No intuito de assustar o gato caseiro que havia por lá, tirou o mourisco morto da estopa e jogou sobre o gato caseiro que, assustado, deu uns três cangapés e caiu espichado, estrebuchando e morrendo em seguida. Existe alguma explicação lógica que justifique isso?