sábado, 16 de fevereiro de 2008

FLORINDO DINIZ

José Carlos dos Reis Meirelles

Nascido na beira do Turiassú, no Turi Velho, filho de Vitor Diniz, guarda fio da linha de telégrafo, no trecho mais perigoso. Da beira do Rio Turiassú até o rio Maracassumé.Território dos temidos Caapor. Naquele tempo, no Turi, moravam duas famílias. A do Vitor Diniz e a do João Grande, ambos negros da baixada maranhense e destemidos guarda fios daquele trecho de linha que vivia dando defeito.

Quando o telégrafo emudecia montavam em suas mulas, armados de rifle 44 com duas ou três caixas de bala debulhadas em uma boroca e um pissôco de carne frita, noutra. Encontrado o defeito, apeavam das mulas e iam atrás dos índios, a pé, pra depois conserta-la. As mulas chegavam sós no Turi Velho.

- O Vitor e o João Grande tão brigando cos cabôco!

O Major se criou vendo e ouvindo essas histórias na pequena comunidade negra do Turi Velho. Um de seus irmãos mais velhos, o Chicute, tinha recebido flechada no braço esquerdo, por reação instintiva de ouvir um firiririri e colocá-lo em frente ao rosto. A flecha varou o antebraço e o braço, que sarou e ficou meio seco e mais fino que o direito, mas lhe salvou a vida. Nunca mais caçou.

Nesse tempo uma parte dos índios caapor havia feito contato com o pessoal do SPI, no rio Gurupi. As aldeias do Turiassú ainda não tinham decidido se valia a pena amansar os cariús.

Florindo Diniz, apelidado Major, ainda rapaz, iria mudar esta história. Numa manhã, ocupado em armar arapucas pra pegar pecuapá o jaó (macucau no Acre), topou com rastos de índios atravessando a linha do telégrafo.

Sem saber bem o porque, mas sabendo no que estava se metendo, resolveu seguir os rastos. Andou até umas três da tarde e como iria dormir mesmo na mata, seguiu em frente até anoitecer. No outro dia, cansado e com fome, mas sem nunca deixar a batida dos índios, saiu num roçado de macaxeira e banana, com caminho limpo no meio. Seguiu em frente e chegou na aldeia de Taken-ru.

Alarido grande de homens pegando em arcos, mulheres gritando! Taken-ru viu aquele menino, desarmado apontando pro moquém e batendo na barriga. Gritou alto, nheén- antã , pra todos ouvirem:

- Não matem o cariú-pihuna (homem não caapor da pele negra). Ele é um menino e está desarmado. Deve estar perdido e com fome!

A atitude de um rapaz curioso e o grito de Taken-ru mudaram para sempre a história de vida dos Caapor da beira do Turiassú!

Major passou o resto do dia na aldeia e jeitoso de nascença, por meio de mímica, trocou sua pequena faca por uma ararajuba (tipo de maracanã totalmente amarela que só existe nas matas do Turiassú e na bacia do Gurupi) com Taken-ru, que de quebra foi deixa-lo a distância segura de sua casa.

Chegou no Turi Velho, quatro dias depois de desaparecido, com uma ararajuba falando tupi no dedo e uma história difícil de acreditar! Os caapor amansaram o Major e famílias do Turi. O tempo passou, João Grande morreu e Major casou-se com sua filha, Maria José. Seu pai ficou velho e um derrame o colocou no fundo da rede.

Major sempre disse que foi feitiço dos índios velhos que diziam que Vitor quando era fitado como alvo, ficava fininho, maé timbó-í (como linha de costura) e por isso nunca conseguiram flecha-lo. Morreu velho no ano de 1974.

Tive o privilégio de ouvir de sua boca velhas histórias de velhos índios, antigos inimigos, agora hóspedes de sua casa de chão batido, coberta de ubim, no Turi Velho.

Os caapor visitados pelo Major em suas aldeias vinham até sua casa, carregados de couro de onça, gato maracajá, ariranha e lontra para trocar por roupas, facões, redes, panos vermelhos, armas e munição. Traziam sempre jabotis e carne moqueda de veado pra Maria José, esposa do Major, que varava as madrugadas costurando calções para os homens e saiotas para as mulheres.

E trocavam por pouca coisa a sua fantástica arte plumária de brincos, pulseiras, colares, pentes e gargantilhas e o único cocar retrátil conhecido, tipo leque que se abre e fecha. Nesse intercâmbio de anos, Major ficou maduro. Taken-ru envelheceu, ficou mais sábio e contava histórias para os meninos.

Ainda matava onças de flecha de ponta de ferro ajudado por um cachorrinho branco, de nome Tuíra, que ensinou, à custa de muita peia com couro de veado, porco, cotia e paca, a acuar só gato e onça. Presente do Major.

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