sexta-feira, 19 de outubro de 2007

QUANTO CUSTA A VIDA NOS ALTOS RIOS

José Carlos dos Reis Meirelles

O cabra fica caçando curuba pra se coçar e encontra. Por conta dumas histórias de custo de vida nos altos rios, um diz uma coisa, outro outra, e quem tem mania de pensar se agonia.

De uns tempos pra cá, com o presente que ganhei da Funai -um notebook com acesso à internet-, fuça daqui, mexe dacolá, passei a descobrir amigos navegando e blogs onde opiniões diversas convivem, escritas.

Sempre desconfiei que alguns grupos humanos inventaram a escrita no momento que começaram a mentir demais. A palavra não valia mais quase nada. Só o escrito passou a ter validade.

Vai daí que quem sabia escrever e ler passou a ser o dono das verdades, guardadas em pergaminhos, livros, enciclopédias, discos rígidos e chips de silício.

Quase ninguém presta mais atenção no que o outro fala. Só se o caboclo for alfabetizado e souber “falar por escrito”. Mas tem uma porção de gente, o povo dos altos rios, que fala a minha língua e outros que falam línguas desconhecidas e são chamados de índios isolados.

Índios? Nem são, ainda. Não foram classificados, são desconhecidos. Os outros são da nossa língua, portanto nossa gente. Só que não existem. Identidade eles tem até demais, só que não tem a carteira de. E sem ela, sem CPF, o cabra não existe. E o censo não chega lá....

Temos então uma população fantasmagórica de restos de seringais e de índios que nem índios ainda são. O custo de vida nos altos rios. Bestagens.

Calcular quanto custam mercadorias por lá, valor de roçado de macaxeira, de trabalho familiar e outros exercícios acadêmicos-econômicos será de pouca serventia para essa gente.

Uns é melhor deixar como estão. Nas terras firmes, nus e senhores do mundo. Os outros moradores da beira, senhores do rio, das praias, barrancos e baixos, é melhor ouvi-los. Sem gravador ligado ou caderno na mão.

Quem sabe a gente descubra, não o custo de vida, mas quanto custa a vida nos altos rios.

José Carlos dos Reis Meirelles era paulista formado em engenharia. Está há quase 20 anos como sertanista chefe da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira, na fronteira do Brasil com o Peru.

6 comentários:

Anônimo disse...

Bestagens, né? Sei.

Anônimo disse...

Entendi bemo que o Meireles disse. Ele chega numa 'colônia' dessas, enche um saco com mandioca, farinha sequinha, frutas, algumas galinhas e, pronto, faz um feira para mais de uma semana. Não existe ninguém mais mão aberta do que essa gente como ribeirinhos ou gente de colonia. Vivem de fazer agrados, principalmente, pra essa gente da cidade. 'De graça' não é?

Queria ele, o meireles, fazendo o roçado, formando um pastinho pra criar umas vaquinhas, plantar milho e mandioca para engordar galinhas e porcos. tudo isso é trabalho que se inicia com o levantar do sol e termina com a noite. Como caboclo não faz nenhuma conta disso, por vezes nem noção do que é mesmo dinheiro, 'de graça' né?

Anônimo disse...

Se a escrita em alguns povos foi criada para combater a mentira, tá ruim agora! O lugar onde mais se mente hoje é na escrita. Foi preciso ser inventada a fotografia para se achar que a imagem era a verdade pura. Entretanto sabemos que a imagem também mente bem hoje. Então temos que nos conformar a humanidade gosta mesmo de mentir e pronto. Aliás, agora no Altino temos duas estrelas de verdade: o Meirelles e a Leila. Ah e a Célia Pedrina. Prabéns procês...

Anônimo disse...

A inveja e a arma dos pobret�es.

Anônimo disse...

Platão, lembra daquele índio que virou deputado federal, o Juruna, pois é. Ele aderiu ao gravador para driblar as mentiras e ninguém mais do que ele para ser vítima de tanta mentira.

Anônimo disse...

Por conta de compreensão da realidade, da sociedade, é alguém toma um tiro nas costas lá pelas bandas do Amônia e nem sabe de onde veio o disparo. Como saída, dizem que é briga de índio. Imaginem, índio portando alguma carabina e selecionando alvos. Enquanto isso grandes corporações que exploram os negócios da madeira e outras coisas ganham pontos na bolsa de Nova York, Londes, Hong Kong ou São Paulo. Nada a ver, afinal esse pessoal vive "descolado" da realidade do mundo capitalista. É gente do mato que nenhuma influência sofre das relações deflagraddas mundo afora pela acumulação de capital; gente que nem saber o que é dinheiro.

Pois é. Ainda há quem acredite que viver sob o julgo da realidade capitalista precisa morar em São Paulo. Nos grotões do país existem gente que nem contada foi pelo IBG, ou melhor, gente que nem conta na conta dos capitalistas.

É, Meireles. Bestagem mesmo.