sexta-feira, 21 de setembro de 2007

VITAMINA DE FRUTAS EM SAMPA

Jonas Amado Araújo

Caro Altino,

Atualmente moro em Natal (RN) e trabalho em São Paulo. Venho para cá na terça e volto na sexta, toda semana. Tenho uma história que presenciei hoje, aqui em São Paulo.

Como você sabe, aqui o tempo corre a passos largos e algumas vezes, para dominar o tempo, em vez de almoçar normalmente, comemos um sanduíche numa padaria aqui na Faria Lima. Hoje foi um desses dias.

Estava eu lá, sentado, esperando meu sanduíche ficar pronto, quando chegou um senhor bem vestido. Parecia um executivo e pediu uma espécie de vitamina de frutas. Prontamente o atendente preparou tudo e bateu a vitamina num liquidificador.

Terminado, o atendente encheu o copo do homem e restou quase outro copo de vitamina no liquidificador. O atendente pegou o vaso que continha a sobra e se dirigiu para a pia. Seguiu-se o seguinte diálogo:


- O que você vai fazer com esse restante que sobrou?

- Vou jogar na pia.

- Mas vocês sempre fazem isso?

- Sim, somos instruídos a fazer isso.

- Põe aqui no meu copo então.

- Não posso, somos proibidos.

- Mas você vai jogar no lixo?

- Tenho que jogar. É assim que temos que fazer.

- Tudo bem.

Uma outra pessoa que assistia a cena do meu lado disse:

- Põe no copo dele. Eu pago como se fosse um todo.

- Não posso. O senhor quer que eu faça outra?

- Não. Só não quero que essa aí seja jogada no lixo enquanto uma pessoa está te pedindo. Isso é um desperdício. É uma comida.

- Não é culpa minha, senhor.

- Tudo bem.

Detalhe: O senhor que corretamente iniciou a peleja pelo resto de vitamina saiu em seguida no carro dele. Era uma Mercedez SLK 500. O fato me fez lembrar da capa de uma revista brasileira que dizia mais ou menos que "a parte boa do Brasil é formada pela classe média alta".

Será que algum dia sairemos da merda?

O acreano Jonas Amado Araújo é diretor de projetos da empresa espanhola Ipsa.

5 comentários:

Luiz Matos disse...

Na verdade.. a parte boa do Brasil eh formada por todos os Brasileiros.
Esta situacao relatada eh o retrato do pais.

Mas temos sim, muita gente boa em todas as classes. Estava vendo agora na TV uma senhora que montou um time de futebol pra tirar as criancas de seu bairro das drogas. Ela da a vida para isso.

ate nossos politicos sao gente boa. Afinal, sem eles fazendo suas falcatruas nunca cairiamos na real de que precisamos acordar!!

Imaginem quantas vitaminas, scargots, macarronadas e etc sao jogados pela lata do lixo todos os dias POR NOS brasileiros.

valeu.

Anônimo disse...

Realmente um caso bastante ilustrativo do ótimo A Cabeça do Brasileiro, de Alberto Carlos Almeida, editora Record, um livro do cacete. Partindo de pesquisas e não de palpites, mostra que o Brasil não é um bloco monolítico, mas uma sociedade profundamente dividida, na verdade dois países muito distintos em mentalidade, num verdadeiro apartheid cultural. O que está em jogo são valores em conflito, e, por conseguinte, uma sociedade em conflito. Não há um lado certo ou errado. Há, sim, um lado dominante em lenta erosão (o das classes baixas), e outro ainda pouco presente, mas que tende a se fortalecer à medida que a escolaridade média da população aumentar. É a educação que comanda a mentalidade. Quem passou pelos bancos escolares de uma universidade e obteve diploma “tende” a ser uma pessoa moderna: impessoal; contra o jeitinho brasileiro; contra punições ilegais, como linchamentos e o estupro, na cadeia, de condenados pelo mesmo crime; refratária à crença de que o destino está completamente nas mãos de Deus; e a favor de confiar mais nos amigos. No entanto, como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico: apóia o jeitinho brasileiro; é hierárquico; patrimonialista; fatalista; não confia nos amigos; não tem espírito público; defende a “lei de Talião” (olho por olho, dente por dente); é contra o liberalismo sexual; é a favor de mais intervenção do Estado na economia; é a favor da censura. Em suma, sairemos da merda pela educação e só pela educação.

Anônimo disse...

Realmente um caso bastante ilustrativo do ótimo A Cabeça do Brasileiro, de Alberto Carlos Almeida, editora Record, um livro do cacete. Partindo de pesquisas e não de palpites, mostra que o Brasil não é um bloco monolítico, mas uma sociedade profundamente dividida, na verdade dois países muito distintos em mentalidade, num verdadeiro apartheid cultural. O que está em jogo são valores em conflito, e, por conseguinte, uma sociedade em conflito. Não há um lado certo ou errado. Há, sim, um lado dominante em lenta erosão (o das classes baixas), e outro ainda pouco presente, mas que tende a se fortalecer à medida que a escolaridade média da população aumentar. É a educação que comanda a mentalidade. Quem passou pelos bancos escolares de uma universidade e obteve diploma “tende” a ser uma pessoa moderna: impessoal; contra o jeitinho brasileiro; contra punições ilegais, como linchamentos e o estupro, na cadeia, de condenados pelo mesmo crime; refratária à crença de que o destino está completamente nas mãos de Deus; e a favor de confiar mais nos amigos. No entanto, como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico: apóia o jeitinho brasileiro; é hierárquico; patrimonialista; fatalista; não confia nos amigos; não tem espírito público; defende a “lei de Talião” (olho por olho, dente por dente); é contra o liberalismo sexual; é a favor de mais intervenção do Estado na economia; é a favor da censura. Em suma, sairemos da merda pela educação e só pela educação.

Anônimo disse...

Esse senhor que se mostra tão tocado pelo desperdício da matéria-prima da sua vitamina, é o mesmo que levanta o vidro da sua mercedes, nos cruzamento, para não ser incomodado pelos pedintes ali postados. Ou seja, é o mesmo que não mostra nenhuma sensibilidade pelas "vidas desperdiçadas".

O comentário do Amado é do mesmo tipo: desconhece as razões dos milhões de brasileiros "desperdiçados" para criar heróis como o senhor da mercedes.

Anônimo disse...

Pessoal, esta situação, na verdade, foi criada pelo patrão do cidadão que estava fazendo o suco. Ora,se ele, de fato, orientou seu funcionário dessa forma, está ganhando muito dinheiro, pois teve parte de sua matéria prima desperdiçada. Quem sabe ele precise de uma reciclagem no Sebrae para evitar desperdícios e treinar seus funcionários a fazerem sucos na medida certa. Isso chama-se "performance", ou, em bom português,"rendimento".