quinta-feira, 9 de agosto de 2007

SAÚDE SEM LIMITES

A tuberculose está de volta e no último ano várias crianças foram enterradas nas praias do alto rio Envira porque não resistiram à longa viagem a remo até o hospital de Feijó, cuja prefeitura recebe R$ 95 mil por mês do Governo Federal para prestar assistência às comunidades indígenas do município


Maria Bittencourt
Maria Elvira Toledo
Hélio Barbin Jr. e Alex Shankland

Nesta semana, em que se comemora o Dia Internacional dos Povos Indígenas, também marca um ano da retomada da atuação da Associação Saúde Sem Limites (SSL) no Acre, com a implantação do projeto “Saúde Indígena e Controle Social – Uma Investigação Participativa no Acre”, iniciado em agosto do ano passado.


Entre 1989 e 1997, a SSL realizou um projeto pioneiro de saúde indígena em parceria com a extinta União das Nações Indígenas (UNI), além de trabalhar, entre 1990 e 2002, com a Associação de Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá, criando a rede de atenção básica da reserva e implantando uma rede de saúde reprodutiva com parteiras e agentes de saúde da comunidade. Com o fim destes projetos, fomos trabalhar em outras regiões do Norte e Nordeste do Brasil, até voltarmos no ano passado, a convite de lideranças indígenas acreanas, para implementar o Projeto IPAC.

Voltando ao Acre depois de vários anos, pudemos constatar alguns avanços, entre estes os investimentos em infraestrutura e a maior disponibilidade de recursos financeiros e humanos, e o crescimento das organizações indígenas de base étnica, comunitária, local e regional. Também constatamos uma enorme frustração entre as lideranças e comunidades com o fato de ainda terem que conviver com doenças e mortes que uma aplicação adequada dos recursos poderia evitar. Ouvimos das comunidades indígenas que a tuberculose, controlada na época do projeto SSL-UNI, está voltando, e que no último ano se viram obrigados a enterrar nas praias do Alto Rio Envira várias crianças que não resistiram à longa viagem a remo até o hospital da cidade, enquanto a prefeitura de Feijó recebe R$ 95 mil por mês do Governo Federal para prestar assistência às comunidades indígenas do município.

Esta situação não é exclusiva de Feijó, nem do Acre, nem do Brasil, onde, segundo dados da própria Funasa, a mortalidade infantil indígena continua três vezes mais alta que a média nacional, apesar de gastos que no ano passado superaram a casa dos R$ 450 milhões. Proliferam denúncias sobre o descaso da Funasa, das prefeituras e das entidades conveniadas, enquanto os indígenas morrem de hepatite no Vale do Javari, de desnutrição no Mato Grosso do Sul e de malária na Terra Indígena Yanomami. Como ouvimos de nossos colegas da rede latino-americana de saúde indígena Raices, a situação em outros países das Américas não é muito diferente. A diferença é que o Brasil conta com uma política nacional de saúde indígena avaçadíssima, capaz de servir como modelo internacional, e está investindo recursos vultosos, sem, contudo, obter resultados à altura destes investimentos.

Se, na avaliação da Funasa, dos especialistas, e das próprias lideranças indígenas, o modelo de serviços terceirizados através de organizações indígenas não deu certo, o modelo atual, onde a responsabilidade é dividida entre a Funasa e as prefeituras, que recebem os recursos para contratação das equipes de saúde indígena diretamente do Ministério da Saúde, tampouco está correspondendo às diretrizes da Política Nacional de Saúde Indígena e às expectativas das comunidades. Esperamos que o Projeto IPAC tenha contribuído para um processo de identificação dos caminhos que podem levar às mudanças profundas que serão necessárias para reverter este quadro.

Iniciado com uma série de visitas a organizações indígenas e instituições oficias em Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Feijó e a realização da I Oficina de Investigação Participativa na Aldeia Morada Nova (Rio Envira) entre os dias 9 e 11 de agosto de 2006, o Projeto IPAC ainda incluiu entrevistas, reuniões, debates, análise de documentos e um estudo de caso do Conselho Local de Saúde Indígena de Marechal Taumaturgo. Este processo permitiu a construção participativa de um diagnóstico da situação da saúde indígena no estado e a elaboração de propostas para o aprimoramento das ações do Subsistema de Saúde Indígena e o fortalecimento do controle social. Culminou, no mês passado, com a realização da II Oficina, que aconteceu no sítio da Comissão Pró-Índio em Rio Branco, de 9 a 11 de julho, com a participação de mais de 30 lideranças indígenas e de representantes do Governo do Estado e da Funasa. Ao final desta oficina, as lideranças indígenas presentes elaboraram uma série de propostas que foram apresentadas aos representantes dos órgãos oficiais e encaminhadas numa carta ao secretário Osvaldo Leal, da Saúde Estadual.

A secretaria se mostrou disposta a assumir esta luta e propôs a realização de um seminário para levantar propostas concretas que podem ser apresentadas na Conferência Estadual de Saúde, que será realizada no início de setembro. Esperamos que esta iniciativa se concretize, e que a partir dela o Acre possa mostrar um caminho que poderá ser seguido por outros estados do Brasil e por outras nações da América Latina, na busca da realização do direito à saúde das populações indígenas.

Maria Bittencourt, Maria Elvira Toledo, Hélio Barbin Jr. e Alex Shankland são facilitadores do Projeto IPAC, da Associação Saúde Sem Limites

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Altino,

Enquanto a saúde for tratada apenas como meio de distribuição de cargos e benefícios a partidos e políticos, não tem chance de dar certo. O sistema distrital, na sua forma original, precisa ser retomado e sob responsabilidade federal conforme prevê a própria Constituição Federal. Privatizar ou "politicar" deve ser visto como atentado à vida dos povos indígenas.
Bom trabalho

Lindomar Padilha