quinta-feira, 9 de agosto de 2007

DEPOIMENTOS

Inelsa Cumanti Diaz

Aqui no Peru, a Saúde Indígena ainda enfrenta uma situação de grande marginalização, e acontece muita discriminação por parte dos profissionais que fazem o atendimento, sobretudo nos hospitais.

No entanto, esta situação está mudando pouco a pouco, começando a partir das comunidades que estão conquistando mudanças ao fazer valer seus direitos e cumprir suas responsabilidades.

Nas unidades de saúde das zonas rurais, já estão sensibilizados e começam a conscientizar-se sobre a necessidade da adequação cultural e de um atendimento que respeite a realidade das comunidades indígenas. Na parte de organização ainda há deficiências, e as lideranças mulheres e homens não têm a mesma capacidade dos líderes indígenas brasileiros.


Estas são as grandes mudanças que buscamos com o trabalho da Saúde Sem Limites no Peru.

Comparando a atenção à saúde no Brasil e no Peru podemos notar que há uma grande diferença. No Brasil, a população indígena tem uma infraestrutura própria de atenção, a exemplo da “Casa do Índio”.

Esta infraestrutura própria proporciona maior segurança e facilidade para os pacientes indígenas, e vem recebendo um grande investimento por parte dos governos. Também fico feliz por saber que existem lideranças capazes de resolver os problemas de cada comunidade, buscar benefícios para os povos necessitados e fazer com que as suas vozes sejam escutadas.

Ao organizarem-se e conquistarem melhorias na qualidade de vida de suas comunidades, as lideranças também conquistam o reconhecimento das instituições governamentais (locais, regionais e nacionais).


Inelsa Cumanti Diaz é indígena do povo ashaninka, técnica em enfermagem da equipe de campo da ONG Salud Sin Limites em Satipo (Peru)


INCLUSÃO DOS POVOS INDÍGENAS

Ronald Garcia Fogarty


Em agosto de 2006, visitei o Acre para participar da primeira oficina promovida pelo Projeto IPAC da Saúde Sem Limites, vinculado ao projeto internacional “La Solidaridad”. Foi a minha segunda visita ao Brasil. Na primeira, havia visitado Porto Alegre e Rio de Janeiro, quando fui participar do Fórum Social Mundial de janeiro de 2005. No Acre, pude apreciar a grande beleza natural da região, além de conhecer um pouco da diversidade cultural do Brasil. A oficina do projeto IPAC coincidiu com o Festival do Açaí em Feijó, do qual participaram milhares de pessoas de diferentes regiões do Acre. Neste festival, que contava com muita música, comida e bebida, pude constatar que – para o bem ou para o mal – o Acre não está isolado do resto do mundo, embora tenha a sua própria identidade cultural, política e social.

Durante minha visita ao Acre, pude observar que a situação dos povos indígenas desta região tem muitas semelhanças com as situações vivenciadas pelos povos indígenas dos outros países que fazem parte do Projeto “La Solidaridad” – Peru, El Salvador, Guatemala e Nicarágua, que juntos com o Reino Unido (onde fica a sede da Health Unlimited, apoiadora do projeto), compõem a “Red de las Américas Indígena Contribuyendo al Empoderamiento en la Salud”.

Em primeiro lugar, as barreiras e a discriminação enfrentadas por homens e mulheres indígenas no Acre são parecidas com as enfrentadas pelas comunidades indígenas nos outros países onde a Raices trabalha. A natureza da discriminação varia. Pode estar relacionada à origem étnica ou de classe ou a questões de gênero, idade ou deficiência. As barreiras incluem a distância que separa as comunidades indígenas das unidades de atenção à saúde; a falta de profissionais que falem os idiomas indígenas; a falta de medicamentos ou de infraestrutura adequada para atender às comunidades; e as diferenças socioculturais que influenciam as necessidades dos diferentes povos na busca da realização dos seus direitos em saúde.

No Acre, também pude observar que a medicina tradicional indígena não é valorizada em pé de igualdade com a medicina ocidental, o que também é o caso em outros países da Raices – mesmo naqueles onde a população indígena é maioria, como na Guatemala. Os conhecedores indígenas, como pajés, benzedores e parteiras, têm grande sabedoria. Esta sabedoria está se perdendo aos poucos, mas em muitos casos é mais eficaz no tratamento das doenças ou na assistência aos partos que a medicina ocidental.

Por outro lado, a situação no Brasil é bem diferente dos outros países da Raices no que tange à história do movimento indígena e às conquistas dos últimos 20 anos. Em primeiro lugar, o sistema de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (baseado na legislação específica e nos direitos constitucionais à saúde e ao reconhecimento das diferenças socioculturais), e a existência de órgãos como Funai e Funasa, que têm como missão específica a atenção à população indígena, são conquistas que em outros países da América Latina ainda não passam de sonhos. Por outro lado, a visibilidade nacional e internacional conquistada pelos povos indígenas do Brasil não tem sido alcançada nos outros países da Raices, onde as comunidades indígenas ainda estão buscando fortalecer sua organização local e começando a articular redes eficazes para influenciar as políticas públicas.

Apesar destas diferenças e das dificuldades de comunicação que ocorrem quando se trabalha em três idiomas diferentes (português, espanhol e inglês), estamos aprendendo com nossas próprias experiências e com as experiências dos nossos aliados e buscando fortalecer as lutas locais. Ao articular-nos em redes internacionais como a RAICES e a Red SIAMA (de saúde indígena na Amazônia), estamos buscando alcançar a visibilidade internacional e ter um impacto maior sobre as políticas das agências multilaterais no que diz respeito à saúde e às populações indígenas.

Os governos da América Latina devem garantir a inclusão dos Povos Indígenas no desenho e na implementação das políticas de saúde indígena, para que estes possam exercitar efetivamente o seu direito à saúde. Caso contrário, os nossos países continuarão a conviver com a injustiça social, o subdesenvolvimento econômico e o conflito entre diferentes grupos sociais.

Ronald Garcia Fogarty vive em Manágua e é facilitador da Rede Raices


É NECESSÁRIO ESTREITAR VÍNCULOS

Catherine Ludeña Egoavil

Peru e Brasil são países irmãos que compartilham uma mesma riqueza amazônica, natural e cultural. Ambos compartilham também o desafio de conseguir que a população indígena tenha cada vez mais seus diretos à saúde garantidos, e seja cada vez mais dona de seu destino.

No Peru, os serviços de saúde são oferecidos de modo indiferenciado para toda a população. Não há diferenças no serviço oferecido à população da cidade e à população de uma comunidade amazônica ou andina.

Nós, peruanos, enfrentamos ainda o desafio de que o sistema de saúde pública reconheça e incorpore formas diferentes de ver a saúde e de tratar as doenças.

Ainda é insuficiente a participação das autoridades no que diz respeito às melhoras no sistema de saúde. Não obstante, diariamente, agentes comunitários de saúde promovem uma atuação voluntária muito valiosa. Realizam tarefas como o acompanhamento dos pacientes até o centro de saúde, servem como interpretes entre os idiomas indígenas e o castelhano e, em alguns casos, fornecem medicamentos básicos.

A SSL-Peru trabalha para fortalecer o trabalho dos agentes comunitários de saúde e para promover um enfoque intercultural nos serviços de saúde, de tal maneira que as distâncias entre ambos os sistemas de saúde, indígena e ocidental, sejam minimizadas para que as populações possam ser beneficiadas.

Sabemos que no Brasil há um sistema específico de saúde que conta com a participação de representantes indígenas, mas que também enfrenta desafios para melhorar a sua gestão. Conhecer a experiência e o processo de desenvolvimento no Brasil nos enriquece. É necessário estreitar os vínculos entre as organizações e lideranças de ambos os países.

Catherine Ludeña Egoavil é da Saúde Sem Limites no Peru

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