segunda-feira, 30 de abril de 2007

FRONTEIRAS NO ACRE ESTÃO SEM FISCALIZAÇÃO

Caio Junqueira

Inaugurada há um ano e três meses pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ponte que liga os municípios de Assis Brasil (AC) a Iñapari, no Peru, é, como alardeado na cerimônia de batismo, o melhor símbolo da integração latino-americana. Não é necessário passaporte nem carteira de identidade para atravessar a fronteira. Se estiver de carro, nenhuma autoridade interrompe o passeio e a entrada e saída de mercadorias do país vizinho.

Orçada em cerca de R$ 25 milhões, a "Ponte da Integração" faz parte da Estrada do Pacífico, trecho da rodovia BR-317 que liga o Acre aos portos peruanos de Ilo e Matarani, no oceano Pacífico. No projeto inicial, constava um complexo aduaneiro para integrar órgãos federais, como a Polícia Federal, a Receita Federal, e o Ministério da Saúde. O objetivo era intensificar as ações fiscalizadoras. Em vão. O prédio, localizado a dois quilômetros da ponte e construído por cima da rodovia, está com as salas trancadas e vazias.

O cenário é muito diferente da descrição feita no material divulgado aos jornalistas, pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República, dois dias antes da inauguração, em 2006: "A construção inclui (...) um complexo aduaneiro alfandegário, onde estarão todos os órgãos federais e estaduais de fiscalização e controle, além de representantes do governo peruano".

Na cerimônia de inauguração no dia 21 de janeiro de 2006, cinco ministros acompanharam Lula ao município de Assis Brasil: Antonio Palocci (Fazenda), Alfredo Nascimento (Transportes), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Marina Silva (Meio Ambiente) e Silas Rondeau (Minas e Energia), além de Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral das Relações Exteriores. O então presidente peruano, Alejandro Toledo, também esteve presente.

O Valor esteve no local há 15 dias. Um caminhão carregado de móveis, proveniente do Paraná após seis dias de viagem, estava estacionado no local. Como não havia nenhuma fiscalização, seguiu viagem. Do outro lado da ponte, na pequena Iñapari, também não havia qualquer controle da entrada de pessoas e produtos.

Na cidade, que tem poucas ruas asfaltadas, boa parte dos carros tem placa brasileira. O Valor conversou sobre a fiscalização com o dono de um deles. "Se você seguir viagem pelo Peru, há um posto do governo peruano a dois quilômetros daqui. Revistam tudo. É uma dor de cabeça. Do lado brasileiro, durante alguns dias seguidos por mês, a PF faz uma vistoria grande. Mas só. No restante, passa tranqüilo", afirma o pequeno agricultor, sem se identificar.

A 111 quilômetros de Assis-Brasil, estão as cidades gêmeas de Brasiléia e Epitaciolândia (a segunda é um desmembramento da primeira), que fazem divisa com a Bolívia. Por ali há duas passagens para a cidade de Cobija, na Bolívia, também com livre trânsito de pessoas e mercadorias. Uma dessas passagens é a ponte Wilson Pinheiro, também inaugurada por Lula, em agosto de 2004. No dia em que o Valor visitou o local, havia dois funcionários do Ministério da Agricultura, que informaram estar fazendo controle da febre aftosa.

Em Cobija funciona um grande comércio de eletroeletrônicos de baixo custo, a exemplo de Ciudad del Este, no Paraguai. A facilidade do trânsito entre os países, porém, ensejou outro tipo de negócio: o de combustíveis. Como a gasolina boliviana custa cerca de R$ 1,20, menos da metade que os R$ 2,90 do Acre, brasileiros começaram a cruzar a fronteira para abastecerem seus carros.

Ciente da situação, o governo da Bolívia determinou que os motoristas com carros de placa brasileira comprem um cartão mensal, que permite o abastecimento, dia sim, dia não, até o limite de 20 litros. Isso inibiu os brasileiros, mas propiciou um mercado clandestino de combustíveis. Dos dois lados, tanto em Brasiléia quanto em Cobija, é possível abastecer em postos clandestinos, a R$ 2,25 por litro.

O tráfico de drogas também é relatado como problema pelos moradores dos dois lados da fronteira. A elite local, segundo eles, é formada basicamente por pessoas ligadas ao narcotráfico. Não à toa. De acordo com o último relatório do Escritório da Organização das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodoc), Brasiléia-Cobija e Assis-Brasil-Iñapari fazem parte de uma das rotas do tráfico de cocaína na fronteira brasileira. Segundo o Unodoc, Peru e Bolívia possuem a segunda e a terceira maior plantação de coca do mundo, ficando atrás apenas da Colômbia.

A assessoria da Superintendência da Polícia Federal do Acre informou que há tratados bilaterais entre Brasil, Peru e Bolívia, que permitem o livre trânsito em até 100 km da fronteira. Quem deseja ultrapassar essa faixa, precisa de um carimbo de imigração e a apresentação da carteira de vacinação. Ainda segundo a assessoria, o complexo alfandegário vazio será ocupado quando o trecho peruano da Estrada do Pacífico for totalmente pavimentado, o que aumentará o trânsito na região. A PF informou ainda que em Assis-Brasil há quatro policiais federais trabalham na ponte, exclusivamente com trabalho de repressão ao tráfico de drogas. Em Brasiléia, há uma delegacia da Polícia Federal.

O secretário-aduaneiro da Receita Federal, Roberto Medina, informou que no complexo aduaneiro faltam as redes elétrica e logística, que ficaram a cargo do governo estadual. "Já fizemos várias reuniões, mas a coisa não andou. E não temos previsão de quando irá andar." O Valor tentou, sem sucesso, informações junto ao governo do Acre. Questionada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio de sua assessoria, informou que "o posto de fronteira no referido município é atendido por meio de equipes força-tarefa".

Caio Junqueira é repórter do Valor Econômico

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