segunda-feira, 30 de abril de 2007

UMA BOA QUESTÃO

Para que mais um Instituto Chico Mendes?

Marcos Sá Correa

A ministra Marina Silva quer ficar na história do ambientalismo brasileiro como inventora do aparelhamento post mortem. Esse é o primeiro resultado concreto da Medida Provisória 366, que liofilizou o Ibama, entregando os parques nacionais e outras reservas naturais da União, além das “políticas de uso sustentável dos recursos naturais” e as reservas extrativistas, ao aconchego do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

“Abaixo o amazonismo político do Ministério do Meio Ambiente!”, berrou instantaneamente na internet, diante da notícia, o gaúcho José Palazzo Truda, padroeiro das baleias francas na costa brasileira. Truda está se transformando num caso singular de ambientalista que, neste País, ainda protesta. O resto anda na muda, talvez por haver tanta ONG prestando ao ministério de Marina Silva serviços ambientais terceirizados.

“Nada tenho contra o saudoso Chico Mendes”, esclarece Truda em seu manifesto, prestando as homenagens protocolares ao “cidadão ilustre e sindicalista histórico com preocupações ambientais”. Mas nem por isso admite que se engula calado a idéia de pôr “num órgão público federal o nome próprio de um ex-aliado político da ex-ministra Marina Silva, apenas para fazer proselitismo”. Acertou na mosca azul. Há, nesse culto oficial a Chico Mendes, um indisfarçável zumbido autocongratulatório.

Discutido desde outros governos, inclusive em foros de guarda-parques, o projeto de um instituto para cuidar especificamente das unidades de conservação apareceu, de surpresa, no último arrasta-pé da ministra Marina Silva com o presidente Lula. No caso, estão na dança as barragens do Rio Madeira. Mas o Brasil inteiro conhece essa coreografia. Lula empurra para um lado, puxa para o outro. E a ministra acaba acertando o passo com o presidente.

Eles são amigos. Que se entendam. Pelo visto, Marina Silva, neste governo, pode fazer tudo o que quer, menos o que Lula não queira. E ela devia querer muito o Instituto Chico Mendes, chocado em segredo, como se uma parte de sua equipe tivesse ciúmes da outra. Ao sair a medida provisória, nem os funcionários mais qualificados do ministério sabiam explicar a quê ela veio.

Nas suas encarnações passadas, o desmembramento serviria para tornar a administração mais burocrática (leia-se: mais técnica) e menos política (leia-se: menos orientada partidariamente) das unidades federais de conservação. Na concepção da MP 366, parece torná-la mais política e menos burocrática. Em princípio, as melhores verbas - as que vêm de multas por desastres ecológicos, por exemplo - irão para o Instituto Chico Mendes. Ou, como diz a medida provisória, “ato do Poder Executivo disciplinará a transição do patrimônio, dos recursos orçamentários, extra-orçamentários e financeiros, de pessoal, de cargos e funções, de direitos, créditos e obrigações, decorrentes de lei, ato administrativo ou contrato, inclusive as respectivas receitas do Ibama para o Instituto Chico Mendes”.

O que isso significa só se saberá em outros capítulos. E eles têm tudo para sofrer atrasos. Presume-se que o Instituto Chico Mendes, se repetir oficialmente o racha que informalmente vigorava lá dentro desde 2003, ficará com os amigos, os aliados e os correligionários do gabinete. Ao Ibama restarão os funcionários de carreira. Mas, primeiro, será preciso reestruturar o que, em quase 20 anos de existência, nunca chegou a se estruturar de verdade, encaixando todos os cacos de extintas autarquias que o governo José Sarney empacotou no Ibama. E o País já sabe como o governo Lula faz estruturações e reestruturações. Basta ter visto suas reformas ministeriais.

Para começo de conversa, haverá mais bagunça na boa e velha mixórdia do Ibama. Depois, só vendo. Por isso, à falta de informações verossímeis, seria a hora de deixar o instituto para discutir mais tarde, se ele não se chamasse Chico Mendes. Seu nome é, em si, um atestado de sectarização indébita na administração pública. Institucionalizar uma ala do ambientalismo que, até virar hegemônica da noite para o dia na posse de Lula, era francamente minoritária e não tinha um programa que tivesse passado pelo filtro do longo prazo, o único capaz de dizer se, na natureza, a última palavra em conservação da natureza de fato funciona.

Antes que o ramal amazônico do socioambientalismo chegasse ao governo, o que lhe sobrava em mártir faltava-lhe em prática. Entre outros motivos porque Chico Mendes morreu cedo e descobriu meio tarde a ecologia. Teve menos de dois anos para amadurecer seus projetos ambientais. Na dúvida, consulte-se o site do Comitê Chico Mendes, criado logo depois de seu assassinato, em dezembro de 1988.

Lá está registrado que, pela primeira vez, em janeiro de 1987, “entidades ambientalistas dos Estados Unidos e membros da Unep (órgão do meio ambiente ligado à ONU) visitam Chico Mendes em Xapuri, conhecendo sua luta”. Em março, ele vai “a Miami para participar da conferência anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a convite de ambientalistas”.

Em 27 de março, “tem uma audiência com o chefe da Comissão de Verbas do Senado americano”. Em 28 de março, “denuncia ao Congresso americano as políticas de desenvolvimento financiadas pelos bancos internacionais, como o caso do Pólo Noroeste em Rondônia e o projeto de asfaltamento da Rodovia 364, trecho Porto Velho-Rio Branco, financiado pelo BID, uma ameaça aos habitantes da floresta (índios e seringueiros)”.

Até esse ponto, seus 21 anos de militância sindical não deixaram no site uma única palavra sobre meio ambiente. A política que está aí foi, em sua maior parte, gerada na sua morte, tragédia que o Brasil não pode esquecer e, por isso mesmo, não deve lembrar como aquilo que ela não foi. Aliás, já existe um Instituto Chico Mendes, que se define como de “Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental”. Ele anuncia para breve “novas atualizações” na internet e mantém no ar, como última notícia, uma “festa junina solidária”, realizada na cidade de Quatro Barras, em 8 de junho do ano passado, quando “as crianças puderam se divertir com a piscina de bolinhas, cama elástica e touro mecânico”.

O exagero das homenagens pode levar a memória de Chico Mendes a se confundir com as coisas que, em seu nome, se fizeram depois, como festas juninas. E, como disse Truda, propondo rebatizar a nova autarquia como Instituto Brasileiro de Conservação da Biodiversidade, ela corre o risco de virar um “monumento paroquial à devastação da Amazônia, que o governo dos amigos de Chico Mendes não se importam em conter”.

Marcos Sá Correa escreve no jornal O Estado de S. Paulo

Um comentário:

Felipe disse...

Olá Altino,
meu nome é Felipe Mendonça e sou servidor do IBAMA desde 2003. O seu blog já começou a discutir a questão da criação do Instituto Chico Mendes de biodiversidade, dividindo as atribuições do IBAMA. Abaixo nós colocamos alguns dos motivos pelo qual a maioria dos servidores do IBAMA no Acre e no Brasil são CONTRA a divisão do IBAMA, entre os Instituto Chico Mendes que cuidaria das Unidades de Conservação e o próprio IBAMA que se reduziria a fiscalização e ao licenciamento ambiental.
Fique a vontade se quiser publicar no blog.
Abraços
Felipe Mendonça


Manifesto da ASIBAMA-AC contra a fragmentação do IBAMA

Nós, servidores do Ibama do estado do Acre, com base nas discussões e percepções predominantes em assembléias realizadas na Superintendência do Ibama no estado nos dias 01 e 04/05/07, vimos pelo presente documento nos alinhar aos servidores dos demais setores e instâncias de nossa instituição em todo Brasil e manifestar nosso posicionamento INTEGRALMENTE CONTRÁRIO à Medida Provisória 366/07, que fragmentam o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Ambientais Renováveis – IBAMA, criando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Além da criação repentina e autoritária do referido instituto, sem qualquer consulta ou discussão prévia com os servidores e demais segmentos sociais envolvidos com a gestão ambiental integrada do país, desrespeitando e ignorando a experiência institucional do Ibama, acumulada ao longo dos seus 18 anos de existência, e contradizendo as próprias diretrizes de participação, controle social e transversalidade tão propagandeadas pelo atual grupo à frente do Ministério do Meio Ambiente, nossa posição contrária à fragmentação instituída pela referida Medida Provisória justifica-se também com base nos seguintes argumentos:

I – justamente quando a questão ambiental entra na agenda de prioridades mundiais por conta do aquecimento global, o governo brasileiro dá um passo atrás dividindo o IBAMA e fragilizando a gestão ambiental, que em sua essência, mais do que em qualquer outra área, deve ser tratada de forma integrada.

II – A divisão do IBAMA trará reflexos negativos à sociedade que terá que enfrentar maior morosidade no atendimento às suas demandas, visto que criará estruturas burocráticas distintas.

III – Além disso, a criação do novo Instituto, no momento em que a sociedade discute a redução de gastos do governo, trará uma grande oneração ao Estado, sem resultados efetivos que justifique um maior inchaço da máquina pública.

IV – A gestão ambiental no Brasil tem o que melhorar, contudo as soluções propostas com a criação do Instituto Chico Mendes podem perfeitamente ser aplicadas em um IBAMA único e forte, com resultados mais efetivos.

V – A partir de 2002, o Ibama vem sendo reestruturado com a chegada dos primeiros servidores concursados, com o aumento da qualificação de seus funcionários, com a reestruturação de suas Unidades Avançadas, padronizando procedimentos, criando novas estruturas, como a Diretoria de Desenvolvimento Socioambiental (DISAM) e diversos outros avanços que foram conseguidos. Esse processo foi interrompido com a recente quebra do IBAMA e criação desse novo instituto, que seria um recomeço e necessitaria de um tempo de maturação que o IBAMA já vinha superando.

VI - Uma vez que a própria Ministra do Meio Ambiente reconhece publicamente a qualidade técnica do posicionamento da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA em relação aos grandes empreendimentos, em especial sobre as usinas hidrelétricas do rio Madeira, não há justificativa plausível para a divisão do IBAMA. MUDANÇAS ESTRUTURANTES NA GESTÃO AMBIENTAL DO PAIS, NÃO DEVEM SER MOTIVADAS POR CASOS PONTUAIS.

VII – Historicamente, o fortalecimento das instituições federais tem se dado por iniciativas de fusão, pela otimização da utilização dos recursos financeiros, materiais e humanos, e não pela fragmentação.

VIII – A idéia de que a gestão ambiental está sendo fortalecida em razão da criação de novas Secretarias no Ministério do Meio Ambiente é um argumento falacioso, uma vez que as instancias do MMA têm função predominantemente de planejamento e não de execução.

GESTÁO AMBIENTAL É UM PROCESSO DE LONGO PRAZO. SOLUÇÕES IMEDIATISTAS SÓ ENFRAQUECEM O MEIO AMBIENTE.

Por um desenvolvimento responsável!
Por uma gestão ambiental integrada!
Por um IBAMA forte, não fragmentado!