quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

UM COPO DE CULTURA



Nietta Lindemberg Monte

Mais outra festa está sendo concebida para o público. A atenção se volta para a continuidade dos lançamentos dos produtos intelectuais da grife Mulheres da Comissão Pró-Índio do Acre. Quero fazer espécie de marketing corporativo.

Trata-se da dissertação de mestrado de Ingrid Weber, defendida em 2004 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), felizmente, transformada em livro e lançada amanhã, 9 de fevereiro, na cidade.

Sugiro aos leitores e a outros amigos a sorverem "Um Copo de Cultura - Os Huni Kuin (Kaxinawá) do Rio Humaitá e a Escola", contribuição entusiasmada aos povos da floresta, seus aliados e estudiosos. Estiveram envolvidos neste trabalho a Universidade Federal do Acre (UFAC) e o Núcleo de Transformações Indígenas/NUTI, do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ.


Com aguda reflexão nascida da sua experiência como assessora e pesquisadora nas aldeias, a autora (foto) foca, com aportes da educação e da antropologia, as mudanças culturais por que passam os povos indígenas no seringal ao longo do último século. Tal abordagem tem sua originalidade também no estilo etnográfico adotado, tomando textos de seu diário de campo como fonte das análises e nascedouro das questões teóricas construídas. Estas ajudam a desvendar os processos culturais de transmissão, criação e aprendizagem fora e dentro das escolas da floresta e devem ser conferidas pelos que se interessam pela renovação das sociedades tradicionais na corrida do século XXI.

Numa sensível narrativa de agradável leitura, o livro de Ingrid traz parte da história recente e contemporânea do Acre indígena, contada, com clareza e pertinência, em grande parte pelos depoimentos indígenas levantados por Ingrid em situação prolongada de campo durante cerca de quatro anos.

Mais do que revelando fatos, a própria autora se revela: faz parte desta escola de jovens e raros intelectuais que saem e entram do olimpo universitário com sabedoria, vivacidade, inquietação e experiência social ampliada. Como ela mesmo diz, partidária da “participação observante”, mais do que da “observação participante”, a assessora escolhe atuar, pensando, junto aos povos da floresta e suas escolas, por onde alegremente circula desde 1998. Ao ler seu trabalho pela segunda vez, numa leitura ágil e emocionada, concluo a vocação deste livro para se tornar um best seller da educação indígena, devido à força das idéias, ao formato original e à simplicidade e fluência com que se desenrola a nossa leitura (e a sua escritura).

Posso dizer que "Um Copo de Cultura" foi um dos melhores presentes que recebi na temporada acreana, rejuvenescendo o velho entusiasmo pela ação de autoria e alimentando os trançados cada vez mais complexos das escolas da floresta.

Nietta Lindemberg Monte é consultora pedagógica da Comissão Pró-Índio do Acre. Amanhã, às 19 horas, na Casa de Leitura da Gameleira, acontecerá o lançamento duplo dos livros "Trabalhadores do Muru – O Rio das Cigarras", do professor Gerson Rodrigues de Albuquerque, e "Um Copo de Cultura – Os Huni Kuin (Kaxinawá) do Rio Humaitá e a Escola" (248 páginas), da cientista social Ingrid Weber, ambos pelo selo da Editora da Universidade Federal do Acre (Edufac). "Trabalhadores do Muru" (176 páginas) é a adaptação da dissertação de mestrado do professor Gerson Albuquerque (que a essa altura já obteve o título de doutor em História Social), apresentada na PUC-SP. Os mais de 30 professores indígenas presentes ao XXVII Curso de Formação de Professoes Indígenas do Acre, que estão estudando no Centro de Formação da Floresta da CPI, estarão presentes. Todos os acreanos de boa vontade, que gostam dos índios, estão convidados. O jornalista Antonio Alves e o professor Gerson Albuquerque vão falar durante o evento. A tradicional caiçuma do Paulo Serra será amplamente saboreada por índios e brancos nesse duplo lançamento.

4 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do livro, a capa está muito bonita. Parabéns! Irei ao lançamento também para rever os amigos da CPI.

Anônimo disse...

poxa, que legal! Parabéns, Ingrid!!! Saudade enorme e que a Rainha da Floresta te abençoe!
Eliane

Anônimo disse...

Fale, Altino!

Te encaminho uma carta escrita pelo presidente da SBPC, Ênnio Candotti, para os governadores da Amazônia. Foi solicitada por nós para o Jornal Ciência Amazônia, da SBPC-Pará.
Pode ser lida no site:www.sbpcnet.org.br

Abs

Wanderson




São Paulo, 5 de fevereiro de 2007.
SBPC – 016/Dir.


Aos Excelentíssimos Governadores dos Estados:
Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins


Senhores Governadores,

Com os melhores cumprimentos pela honrosa missão que o povo dos seus Estados lhes atribuiu, permitimo-nos submeter à vossa consideração algumas propostas que, se implementadas, muito contribuiriam para acelerar o desenvolvimento de sólidas instituições de C&T e Educação na Amazônia.

Temos plena consciência da grande diversidade em que se encontram as economias dos Estados e seus sistemas de C&T.

Cremos, no entanto, que há denominadores comuns em áreas onde a ciência e a tecnologia podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social, através de propostas inovadoras a serem implementadas por seus governos nos próximos anos. São elas:

1) Formação de recursos humanos especializados
Todos os Estados da Amazônia contam com cientistas, técnicos, engenheiros, biólogos, geólogos, médicos e antropólogos em número muito inferior ao necessário para reconhecer as riquezas que se estimam existir na região e desenvolver as tecnologias necessárias para o seu equilibrado aproveitamento. É preciso acelerar sua formação e estabelecer novos investimentos voltados para a fixação de quadros de alta especialização nos institutos e Universidades da região. Precisamos, o quanto antes, passar dos atuais 2 mil doutores ativos na Amazônia para pelo menos 10 mil.

2) Criação de laboratórios de fronteira em ciências
Para que, de fato, possam contribuir ao desenvolvimento da Amazônia nas áreas de sua especialização, os quadros assim formados devem trabalhar em laboratórios modernos e competitivos, tendo condições de produzir conhecimentos de interesse tanto para as aplicações locais como para o avanço dos conhecimentos de domínio público (ou entendida como patrimônio da humanidade). Os campos das Ciências da Informação ou da Saúde são um bom exemplo, tanto pela variedade e complexidade do estudo das doenças tropicais, como pela rápida evolução das tecnologias da comunicação.

3) Educação básica e formação em Ciências e Matemática
A boa formação básica dos jovens amazônidas é fundamental para que possamos pensar em programas de desenvolvimento de longo prazo. A educação em Matemática, Ciências Físicas e Biológicas deve constituir preocupação prioritária das políticas educacionais. Saber ler e escrever, somar e subtrair são necessários, mas no mundo de hoje torna-se

cada vez mais importante conhecer os princípios fundamentais do funcionamento da natureza, da operação das máquinas e dos fenômenos físicos e biológicos. E, mais ainda, desenvolver o pensamento crítico e científico.

4) Línguas indígenas e preservação dos conhecimentos tradicionais
A existência de línguas indígenas e práticas tradicionais de manejo da natureza constitui valioso patrimônio que devemos conhecer e preservar. É preciso incentivar seu estudo e transmissão às novas gerações indígenas e caboclas. A formação de jovens indígenas e caboclos, tanto nas ciências modernas como nas línguas e nos conhecimentos tradicionais, não apenas permitirá a preservação dos antigos saberes como também, acreditamos, que seu resgate contribuirá para promover sereno convívio entre as diferentes culturas que lá encontramos.

5) Agregar valor aos produtos naturais
Os produtos naturais que vêm sendo explorados são comercializados ou exportados em sua grande maioria in natura. São raros os Institutos de Pesquisa em C&T existentes na região e mobilizados em programas de desenvolvimento tecnológico capazes de agregar valor aos produtos naturais. Devemos criar Institutos, de elevado padrão científico, comprometidos com programas de interesse para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

6) Pesquisa agropecuária e recuperação das áreas alteradas
São vastas, em toda a região, as áreas alteradas que poderiam ser reaproveitadas para atividades agropecuárias. As técnicas adequadas para a recuperação dessas terras, e a utilização ponderada das demais, deveriam ser objeto de pesquisas de institutos especializados. No entanto, o número de unidades da Embrapa que lá encontramos é muito reduzido diante dos grandes desafios da exploração agropecuária da região. Este número deve ser substancialmente ampliado.

7) Investimentos em infra-estrutura de C&T das grandes empresas
Grandes empresas mineradoras e de agronegócios plantam grãos, criam gado e exploram jazidas, pouco investindo em formação de recursos humanos ou pesquisas voltadas a valorizar os produtos extraídos ou cultivados. Deveria ser consolidada uma política dos Estados exigindo investimentos em infra-estrutura educacional, científica e tecnológica, como contrapartida aos direitos de exploração e transporte de minérios ou cultivo extensivo dos solos.

8) Participação dos movimentos sociais nas políticas de desenvolvimento
Povos de culturas milenares vivem na região, também ocupada por comunidades de imigrantes que lá se instalaram em tempos mais recentes. Acumularam-se, assim, valiosas experiências nos modos de manejo dos recursos naturais, exploração das terras e da floresta. Devemos preservar as culturas e permitir que os movimentos sociais existentes encontrem formas de expressão e participação política. Precisamos deles a fim de encontrar soluções para os desafios da exploração socialmente sustentável dos campos e florestas. Investimentos em Educação, em Ciências Sociais e Antropologia, em

ensino técnico e superior nas áreas de expansão da fronteira agrícola são inadiáveis para alcançar tais objetivos.

9) Desafios tecnológicos nos transportes, comunicações e energia
Os imensos desafios tecnológicos presentes nos projetos de geração de energia, de fontes biológicas ou hídricas, de comunicações e transportes na Amazônia exigem a mobilização das melhores forças da competência de fronteira de Institutos e Universidades da região e de todo o país. As respostas pedem a definição de políticas de cooperação entre estes Institutos orientadas por um sólido projeto de desenvolvimento de longo prazo da região Norte.

10) Influência da região no clima do planeta
A particular localização e a extensão dos rios e florestas amazônicos têm grande influência na determinação dos climas do planeta e suas variações. A queima de grandes áreas de florestas contribui para a elevação da concentração de CO2 na atmosfera. Pequenas perturbações no frágil equilíbrio dos fatores constitutivos destes ecossistemas podem lhes causar danos irreversíveis de grandes proporções. O estudo destas respostas, por sua complexidade e significado para o conhecimento do comportamento dos ambientes da Amazônia e de outras partes do planeta, deve contar com recursos e ampla cooperação científica e tecnológica nacional e internacional.

11) Cooperação em C&T com países vizinhos
As nascentes e muitos ecossistemas, que formam a Bacia Amazônica, encontram-se fora do território nacional; isso sugere que seu estudo, preservação e exploração envolvem Institutos e pesquisadores de diferentes Estados nacionais. Torna-se necessária a cooperação em C&T com tais vizinhos e a definição de uma política comum de formação de recursos humanos especializados em questões amazônicas.
Amplo programa de formação compartilhada entre os países da região de grande número de estudantes universitários poderia constituir um primeiro passo para a formação de um espaço de cooperação cultural, científico e tecnológico amazônico.

12) Defesa do patrimônio genético e do equilíbrio dos ecossistemas
A Amazônia está no centro das atenções da imprensa internacional. A capacidade do Brasil de proteger o patrimônio que ela representa é freqüentemente questionada. Os comentários referem-se ao seu papel climático, às reservas de água doce, às províncias minerais e à multiplicidade de informações genéticas que nela encontramos. As políticas nacionais de defesa deste patrimônio são tímidas e voltadas principalmente aos aspectos fiscais de controle da coleta e transporte de "material genético" e não ao seu estudo. Trata-se de política de curto alcance e pouca eficácia, pois o universo que se deseja proteger é composto de bilhões de indivíduos em grande parte de dimensões microscópicas e de difícil detecção. A única maneira de exercer eficaz proteção deste patrimônio é com o uso do conhecimento. Somente assim será possível estabelecer critérios de seleção e prioridade que permitam distinguir o que tem valor para os interesses nacionais do que é secundário.



São estas, Senhores Governadores, as nossas propostas para uma política de C&T para a Amazônia. Cumpre-nos o dever de alertá-los que a região administrada por V. Exas. apresenta características sócio-ambientais pouco comuns. O trato das coisas públicas com relação a ela requer cuidados especiais, uma vez que "pequenas perturbações nos fatores constitutivos dos ecossistemas amazônicos podem resultar em catástrofes de grandes proporções".

Este fato, observado com crescente rigor nos laboratórios naturais de nosso país e de outros tantos, por suas graves e súbitas conseqüências, exige exame aprofundado pelos Governos estaduais e federal e Congresso Nacional e a criação de instrumentos de ação e financiamento emergenciais semelhantes aos mobilizados em casos de guerra ou ameaça grave aos interesses do país. A defesa da Amazônia desafia a Nação.

A SBPC e a comunidade científica oferecem suas melhores forças para vencer a difícil batalha.

Certos de contar com vosso apoio e interesse, subscrevemo-nos

Atenciosamente



ENNIO CANDOTTI
Presidente.







C/c
Reitores: Jonas Pereira de Souza Filho (UFAC), Hidembergue Frota (UFAM), José Carlos Tavares Carvalho (UNIFAP), Fernando Antonio Guimarães Ramos (UFMA), Paulo Speller (UFMT), Alex Fiúza de Mello (UFPA), Enê Glória da Silveira (UNIR), Roberto Ramos Santos (UFRR), Alan Barbiero (UFT); e aos Diretores: do Museu Paraense Emilio Goeldi, Ima Vieira, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Adalberto Luis Val.

Michelle Portela disse...

Ingrid, parabéns!! Somente quem tem o respeito dos povos indígenas está legitimado a escrever sobre els. Este é o seu caso!
um beijo!