quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

TRIO ELÉTRICO NO SERINGAL

Walmir Lopes

Algumas pessoas jovens imaginam que trio elétrico é invenção de baiano. Outras, bem mais velhas, acham que foi o diabo quem inventou pra atazanar nosso juízo. A mim, embora pertença cronologicamente ao segundo grupo, cabe discordar de uns e de outros, expondo aqui minhas razões.

Acho que os baianos e o diabo fizeram uma cópia barata, vulgar e sem o romantismo do modelo original. Esse modelo de show musical itinerante nasceu no Acre, mais precisamente no seringal Bagaço, sendo seu criador a grande figura de João Barros, carinhosamente chamado de “João Barrão” - provavelmente para diferenciá-lo de um filho com o mesmo nome.

Com sua embarcação, espécie de rebocador tracionado por um possante MWM, semanalmente subia com destino a Rio Branco. Arrastava a reboque em sua esteira espumante, uma fileira de pequenas embarcações de colonos ribeirinhos, as quais, sem autopropulsão e tendo os braços de seus donos entorpecidos pelo afago da enxada e do terçado, somente com muita dificuldade alcançariam a remo o porto da capital.

Para comercializar sua produção ou levar seus doentes ao encontro dos cuidados médicos, fazia-se mister o apoio logístico daquele anjo benfazejo do Bagaço. Na minha curiosidade de menino, cheguei a contar vinte canoas de uma só vez. Não bastasse isso, o comandante ainda brindava seus “passageiros” com um verdadeiro show de luzes e sons, encantando também a todos por onde passava.

Os lampiões dos barracões e as lamparinas dos tapiris não se apagavam à noite, enquanto não cruzasse através da ferrovia líquida, aquela locomotiva arrastando seus pequenos vagões, cujo apito de alerta a prenunciar sua passagem era substituído pelo canto de um Francisco Alves, uma Dalva de Oliveira, um Orlando Silva. De quebra, uma valsa de Strauss ou um tango de Gardel.

A variedade era grande e atendia todos os gostos. Essa sonoridade saía de velhos long plays, que através da agulha de uma radiola e de potentes alto-falantes espalhavam generosamente suas melodias, que em ondas suaves, interpenetravam a tudo e a todos.

Nessa passagem, o comboio feiticeiro nos mantinha presos à beira do barranco, até que ultrapassasse a segunda ou terceira curva, quando nossos ouvidos já não captavam mais sua presença, e então nos liberava.

Na seqüência, lampiões e lamparinas amortizavam uma a uma suas luzes, como pequenos vagalumes após uma noite de amor. Grande João Barros, do Bagaço! Você impressionou pra sempre o coração daquele menino!

P.S.: Caro Altino, esta crônica retrata um passado ainda bem presente em meu coração e minha memória, apesar dos 50 anos passados desde então. Realmente era fascinante. No entanto, por mais que eu me esforce em reproduzir os fatos, somente quem assistiu à passagem desse comboio em noite de lua cheia pode assimilar conceitualmente o que sinto. Abraços a você e à amiga Leila Jalul.

3 comentários:

Anônimo disse...

Walmir,
Sou integrante de um grupo de folguedo,o Marupiara Jabuti-Bumbá, que faz uma homenagem aos padres, José e Peregrino em uma de suas letras e músicas. O César Farias tem também uma música que fala do João Barrão,que diz a letra que nem o boto feiticeiro era mais sedutor do que ele."O regatão,o seu João,no banzeiro do amor...lá se vai o seu João,o regatão, João barrão...Um abraço, Silene Farias

Anônimo disse...

Cara Silene,
Fico feliz sabendo que há pessoas que procuram salvar a memória do nosso Acre através da exaltação merecida de pessoas que só fizeram o bem e transmitiram alegria gratuitamente, a exemplo do João Barrão, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente, sendo testemunha pessoal de sua personalidade alegre e carismática. O César Farias acertou na veia. É isso.
Um grande abraço e obrigado pelo comentário. Walmir

Unknown disse...

João Barrão era meu avô. Nunca vivi nenhuma dessas maravilhosas experiencias pq nasci em SP. Mas ouvi muitas historias boas dele. Fiquei muito emocionada com o texto e hj 12/6 é aniversario do meu avô, esse grande acreano! Abraços