quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

DONAS MOZINHAS

Leila Jalul

Nós, ontem meninos e meninas dos primeiro e segundo distritos, hoje, velhos e matronas, de cabelos brancos, tivemos nosso naco de sorte. Seringal que é bom, todos na bancarrota. Estudar em Coimbra, nem pensar! Fazer estripulias em Paris ficou para trás.

Nossos velhos, passada a Segunda Guerra, devem ter pensado assim: temos que sair da ignorância, já ganhamos o que tínhamos que ganhar no tempo dos bons tempos. E agora?

E agora era botar todo mundo pra estudar, afinal, só se estabelece quem tem competência e só quem pode com o pote é quem não tem medo das rodilhas. Estudar. Estudar e estudar.

E foi assim que eles exigiam mais. Aula no Presidente Dutra de manhã, aula particular com a Dona Eutália, de tarde. Aula no Maria Angélica de manhã, aula com a Dona Mozinha de tarde.

Dona Mozinha, tadinha, pegou as piores turmas. Sabe como é, os meninos e meninas do Segundo Distrito eram mais necessitados. Mais lentos. Mais feinhos. Entretanto, nada que uma boa palmatória de pau de aroeira não resolvesse.

Do lado de cá, Dona Eutália, mãe da Sônia namoradeira e da Norminha. Entre uma espiada e uma surra na Sônia, uma tomada de taboada dos nove. Quanto mais a Sônia e o Libério namoravam escondido, mais era o ódio transferido para a palmatória de mogno dos legítimos.

Uma surra na Sônia, duas mãos inchadas na sala de aula improvisada.

- Nove vezes sete?

- Oitenta e um.

- Vira a mão - E poft.

- Quatro vezes nove?

- Quarenta e nove!

E assim ia, a gente errando e a Sônia chorando. E a gente passando gelo nas costas da Norma que, a exemplo da Sônia, não era flor que se cheirasse.

Entre mortos e feridos, escapamos todos da palmatória. Por força do destino e medo das palmatória, somos hoje médicos, juizes, desembargadores, reitores, poetas e trovadores, além de professores, claro.

Os métodos da Mozinha, com certeza, me contaram, eram mais rígidos. Muito rígidos. Ela tinha que ser mais ágil para recuperar o tempo perdido e as limitações de seus alunos. Mas não foi em vão. São de lá outros médicos, advogados, professores, embaixadores, profetas e escultores.

Dona Eutália, Seu Lino, Sônia e Norminha se foram para o Rio de Janeiro.

- Daqui não saio, daqui ninguém me tira - dizia a Mozinha.

Deu aulas particulares e de alfabetização até quase os últimos momentos de sua existência. E só parou por causa de sua surdez, que não a deixava escutar que nove vezes nove é oitenta e um e que um verbo bitransitivo é menos intransigente que os demais.

Grandes mestras!

12 comentários:

Anônimo disse...

Ó pra isso! Eu era do primeiro e estudava no segundo distrito! Me livrei da palmatória, mas não das freiras e as rigorosas revistas no comprimento das saias e na cor das meias!! Mas foi válido! Eu e a maioria dos colegas estudou direitinho e, que eu saiba, ninguém carrega trauma por isso!!! Leila, adoro seus textos!! Dá pra sentir que vêm lá do fundo do coração! bjs!

Anônimo disse...

Querida Leila,
Fã do blog do Altino Machado.
fã dos seus textos.
Evocando ao texto de Fátima Almeida e o seu de hoje-
como dizia minha falecida avó:
"Bem lido ou bem corrido"...
Bjs pra vc.
Silvana

Anônimo disse...

Leila, que saudade da dona Eutália, dona Mozinha, das nossas mestras de então!
Amazonia me trouxe a Norma de volta. Está viúva e mora em Aracaju. Nos falamos por telefone e ficamos de nos encontrar no final do mês, quando ela vem ao Rio! Foi uma comoção aqui em casa o telefonema da Norma! eu, Saulo, mamãe...
Sonia morreu faz tempo.

Anônimo disse...

Leila escreveu: "Por força do destino e medo das palmatória, somos hoje médicos, juizes, desembargadores, reitores, poetas e trovadores, além de professores, claro". E tem até gente novelista. "Tem que ser uma pátria".

Anônimo disse...

Nadja, só te conheço de nome. És parenta da Dinazinha? do João Barrão? Ou és Barros de outros Barros?
Sabe, tens razão quando sentes que meus textos são paridos pelo coração. Não raras são as vezes em que me pego chorando, não de saudade pela saudade apenas, nem porque estou ficando caquética, mas pela lembrança de pessoas lindas, que me ensinavam valores, que me agasalhavam nos tempos de dor. Elas foram guias norteadoras de toda a minha viagem. E da viagem de tantos outros!
Noutros textos vais entender melhor esse parto.
Beijos

Anônimo disse...

Menina Glória, é bom que vc tenha feito parte disso. E sabe que, lembrar dessas criaturas bonitas, não me dá crédito algum. Ao contrário, no meu "Borrador", a coluna de débito é sempre maior que a do haver. Parece contabilidade de seringal!
Quando estiver com a Norminha, o segundo abraço apertado será de minha parte. Quero isso de você.
Outros abraços para Dona Guta e para o Camisa 10 da minha seleção.
Leila

Anônimo disse...

Ô Leila, sou parenta dele não, pelo menos que eu saiba!! O meu povo veio lá de Xapuri, os Souza Ramos. Mas agreguei o nome de meu marido quando casei e virei Borges de Barros! Mas meu espírito e minha ascendência acreana continuam comigo, sempre! bjs!

Anônimo disse...

Leila quanta inveja vocês do primeiro distrito têm do povo do segundo!Do teu lado só havia repartição pública, correios e o cemitério.Tudo o mais de atraente e festivo só ocorria no segundo distrito. Vamos lá, Rita Hayworth e Glenn Ford para ver tinha que pegar catraia; para ver os blocos carnavalescos entrarem na Tentamen, estando dentro ou no sereno, tinha que atravessar o rio; para freqÜentar o maior centro cultural que Rio Branco já teve, a Casa do Seu Osvaldo Lima tinha que atravessar o rio de catraia; para assistir sessão espírita no Seu Chiquinho ou na dona Idelzuite tinha que atravessar de catraia, para ver glamour na casa das Fecury nos casamentos e nos aniversários da Nazle Maria tinha que atravessar o rio, para se consultar com o melhor médico da cidade, Dr. Augusto(que o Dr. Nabuco me perdoe), tinha que atravessar de catraia, para comprar dos móveis às rendas e perfumarias tinha que atravessar de catraia; para fazer penteado com laquê no Salão da Miriam Pascoal e depois da Isa, tinha que cruzar o rio, arraial de Paróquia só na Imaculada Conceição, tacacá só havia a Donona e depois o Chicute, para visitar os navios tinha que vir pro segundo distrito pois eles não ancoravam do lado de lá.Amiga, sinto muito que você tenha se exaurido indo e vindo ao Segundo Distrito. Nem vou falar dos ilustres letrados em especial nossa escritora maior Florentina Esteves.Quanto à Mozinha recebeu duas grandes amigas recentemente,as professoras Isinha Melo e Clarice Lavocat..a palmatória é um detalhe insignificante se pensarmos a mulher iluminada que ela foi.

Anônimo disse...

Leila,
Silvana de novo. Estava conversando com minha mãe. Ela conheceu as professoras que vc citou no seu artigo. Infelizmente não é do meu tempo já que estudei no primeiro distrito no São José. Uma das professoras mais queridas minha (e de minha geração) foram a Maria (Tapajós), Berta, Diná... Mas eu tenho uma curiosidade. Nenhuma dessas professoras (do seu tempo ou do meu) que eu saiba foram homenageada com nome de escola (?) Acho que vcs poderiam dar uma dica pro governo atual? ! Quem sabe eles resgatariam esse enorme desfeito dos governos passados. Sugestão.

Anônimo disse...

Almeida,
Na próxima semana devo fazer, junto contigo , uma visita ao novo prédio da Fundação Elias Mansour. Estou avisando que iremos juntas uma vez que não dirijo, não tenho carro e, o que é pior,(ou melhor?), não conheço as ruelas do segundo distrito.
Mas preste atenção, não quero ser apedrejada por lá. Daí resolvi esclarecer aos participantes do Blog que, a única coisa que separa o primeiro do segundo distrito é um rio, outrora muito lindo, hoje um tanto alquebrado pelo açoreamento causado pelos extratores de areia, pela destruição da mata ciliar, pelo amontoado de dejetos que jogam nas suas águas, etc e tal.
No mais, somos únicos, co-autores das mesmas artes, sonhadores dos mesmos sonhos, artífices dos mesmos projetos de desenvolvimento. Somos, acima de tudo, amigos.
Na banda de lá, além da Florentina Esteves, nossa carinhosa Flora, estão as não menos queridas Flávia Pimentel, Nilza Amorim e Ana D'Anzicourt, figuras que estão no andar mais alto da minha escala de consideração.
O que eu gosto mesmo é de testar a extensão do teu pavio curto e analisar o grau de periculosidade do que te sai da boca.
Antes que eu me esqueça: me liga para marcarmos a visita. Pode ser na terça, depois das 18:00 horas. Certo?
Uma perguntinha final: se vc gosta tanto do segundo distrito, por que veio morar no primeiro?

Anônimo disse...

Silvana, das professoras que você cita, apenas a Berta já partiu. Dona Diná Araújo está aqui conosco, é amada. Tive notícias que andou doentinha, mas nada que cause susto. Quanto a Tapajós, não estás enganada? Que eu lembre, não era ela e sim a Marília Santana, sua irmã, quem dava aulas no São José.
Pelo sim, pelo não, dou notícias das duas. A Maroca, hoje Juíza Maria Tapajós, cuida da Vara da Crianças e dos Adolescentes, está firme e forte, apesar de ter vivido um pesadelo com a morte de dois de seus irmãos e mãe, em um tempo muito pequeno. É gente brava! É das nossas! A Marília, como sempre de bem com a vida e com a alma abarrotada de projetos educacionais.
Com relação a homenagens, todas têm merecido e recebido em vida. Apenas a Berta é que virou nome de escola.
Um grande beijo para sua mãe e filhas.
Meu carinho.

Anônimo disse...

Leila, que máximo, Menina você é bem informada heim? Olha a Maria Tapajós sim! Como poderia esquecer dela? Ela foi minha PRIMEIRA professora e ainda mais ela morava na Avenida Brasil, perto da sede do Vasco e como nessa época eu morava na mesma rua do lado dos Fontenelle e era caminho dela para o São José ela me levava- segurava na minha mão mesmo e eu ali caladinha me achando o máximo de te-la somente pra mim ... Memórias doce de criança. Se você ve-la dá um grande beijo pra ela de minha parte? Fantástico saber que continua na sua missão - nessa missão em proteger as crianças. Sabe, o carinho dela pelos alunos (como eu nunca esqueci) é revelador de sua trajetória. Muito feliz em saber disso. Que pena saber da Berta, muito querida mesmo... Obrigada pelas notícias. Beijos pra vc.