quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

HISTÓRIA É ARTE

Fátima Almeida

A minissérie "Amazônia", da Rede Globo, não vai apenas informar o grande público brasileiro sobre a questão da anexação do Acre. Vai também informar o povo do Acre sobre a história de seu próprio Estado. Ela desempenha essa importante função de socializar as informações que existem na literatura especializada, acessíveis apenas aos intelectuais da cidade.

Não é possível mensurar o impacto nem o efeito que as imagens do fausto da belle époque amazonense, por exemplo, devem estar produzindo no imaginário e nas consciências da maioria dos acreanos que habitam e labutam nessas periferias de meu Deus. Até mesmo entre pessoas de classe média.

Falo isso porque assisti ao primeiro capítulo junto com uma pessoa das minhas relações que fez duas faculdades -pedagogia e geografia- e quando num determinado momento, me adiantando ao texto, mencionei o nome de Paravicini, citado em seguida, senti seu olhar espantado e ouvi:

- Como você sabia?

- Você esqueceu que sou professora de História - respondi.

Isso me leva a crer que muitos profissionais formados na nossa Universidade Federal do Acre nada sabem sobre os fatos da nossa história. Acredito que muitos ex-seringueiros, bem como descendentes que cresceram ouvindo histórias da vida em seringal, devem estar refletindo, fazendo as operações intelectuais que nunca lhes foram permitidas até então, como se antes tivessem uma visão da sua própria experiência por uma fresta e agora possam olhar através de uma panorâmica.

A vida toda esse problema me inquietou - o do desconhecimento generalizado da formação da sociedade acreana. A tese do Pedro Martinello, por exemplo, cujo doutorado foi realizado em Washington, é acessível apenas aos alunos dos cursos de história. E, no entanto, ele desvelou o incrível fato que os soldados da borracha foram convocados por Getúlio Vargas para vir para a Amazônia produzir borracha com a finalidade de manter a indústria norte-americana funcionando em plena Segunda Guerra Mundial, quando as pôtencias européias desabavam.

Foi após isso que os Estados Unidos surgiram como a primeira potência, porque não caiu nenhuma bomba em seu território e sua economia não sofreu nenhum dano, passando a “prestar socorro” às economias européias, financiando seu soerguimento. De nada adiantou os japoneses fecharem o suprimento da Malásia.

Qual, entre os soldados da borracha, em algum momento de suas existências ficou sabendo disso? Por isso, a minissérie da Rede Globo, ou melhor, da Glória Perez, pode estar fazendo uma revolução cultural no Acre. E eu não vou me ocupar com especulações sobre os ganhos materiais do empreendimento, nem tampouco vou ficar preocupada com pequenos detalhes relativos às imperfeições óbvias em trabalhos dessa natureza.

Além disso, História é arte, produção literária do historiador que quanto mais talentoso e erudito, melhor. E também não me importa quem ganhou milhões ou quem deixou de ganhar, quem apareceu ou quem deixou de aparecer. O importante é que a lógica histórica por trás do romance chegue aos lares pobres do povo acreano. Tudo que se fizer para encurtar o fosso entre intelectuais e povão é sempre bem vindo.

À Glória Perez, o nosso reconhecimento.

Fátima Almeida é escritora e historiadora acreana. É uma das mulheres mais inteligentes e inquietas desta terra. Pensa e escreve como quem toma banho no igarapé. Pedi o presente artigo durante nosso encontro ontem à noite, na casa da cronista Leila Jalul.

9 comentários:

Anônimo disse...

Fátima, em algumas poucas situações nessa vida que vou vivendo, sinto um prazer indescritível em abrir as portas do meu barraco, acender as luzes do jardim suspenso da minha Babilônia e conversar. A noite de ontem foi um desses raros momentos. O café estava ruim, mas o papo fluiu sereno.
Disso sinto muita falta! muita!
Você falava e, intimamente, eu babava admirando a rapidez com vc faz análises e citações de autores e obras já por mim esquecidas. Sabe esse que moreu aos 40 anos, o do eu mais eu? Depois quero ler.
Ontem eu falava em Arthur Cézar Ferreira Reis e outros, depois fiquei a lembrar do I SIMPÓSIO DE HISTÓRIA DO ACRE, realizado ainda no auditório da UFAC centro. Foi o primeiro e último, pelo menos nos moldes daquele.
Parecia festa de gala. Não se deve sequer lembrar disso pois, a Ufac, naquela época, não se interessou em fazer uma resenha de tudo que se tratou no evento. Faço ressalvas ao coordenador do Simpósio, que foi Jorge Araken Faria da Silva. Esse interessou-se, mas...
A palestra do Márcio Souza foi ótima! uma peça!
Mas, para me fixar em seu texto sobre a minissérie, quero lembrar de um fato que levantou questionamentos: alguém falou que o Professor Miguel e o Dr. Potyguara não poderiam ser mencionados, porquanto romancistas e não historiadores. A velha superioridade ostentada pela academia falou mais alto.
Hoje, me parece compreensível, pela incipiência do ensino superior por aqui.Egos lustrosos não faltaram.
Mas teve coisa boa. Muitas coisas boas vindas dos velhos amazonenses e de professores daqui, inclusive daquele teu parente..
Foram mostradas fartíssimas documentações sobre o patrimônio dos heróis da revolução, terras e mais terras arroladas, sem declaração de compra, sem pagamento de ITR. Relatos e mais relatos sobre o processo de ocupação. Tudo jogado na lata do esquecimento. Muitas informações sobre o processo de colonização que ontem tratamos, hoje claramente mostrado pela Glória.
Parabéns Fátima! E fique certa que queremos você como amiga!E o Paravicini, hein? Conheci muito!!!! rs

Anônimo disse...

Altino,
Parabéns pela presença da Fátima no seu blog,ainda mais falando sobre a minissérie da Glória Perez.Espero mais textos dela sobre a Amazônia de Galvez a Chico Mendes.Silene Farias

Anônimo disse...

Leila, Silene... faz tempo que eu torcia para que Fátima Almeida ultrapassasse o limite da caixa de comentários deste blog. Ela disse que não estava colaborando porque não sabia o meu e-mail. Agora já sabe. Vamos esperar por mais colaboração da refinada polemista.

Anônimo disse...

Fátima:
Seu artigo fala de uma verdade pouco anunciada. É perfeita a análise que vc faz da mini-série. Aliás, devo declarar: nunca duvidei da clareza e profundidade de seus textos, mesmo quando criticam os meus. Um abraço,
Elson Martins

Anônimo disse...

Só pra apimentar os comentários sobre a mini-série leiam a matéria no link abaixo sobre o massacre dos índios na época. Acabo de olhar o site da mini-série e ver o drama de uma índia capturada.

http://www.kaxi.com.br/noticias.php?categoria=4

Anônimo disse...

Leila, alguns escritores defendem verdadeiras teses, como Thomas Mann,por exemplo.Alguns historiadores, por sua vez, não iluminam nada com suas obras. Desde que você começou a escrever neste blog,e agora lendo os comentários da Silene, do Elson e do próprio Altino me veio essa sensação de que estamos juntos nessa viagem, pois nossas experiências de vida são entrelaçadas, e a nossa memória tem um fundo comum.Coisa alguma nem ninguém nunca, jamais poderá nos tirar isso. E isso é muito.

Anônimo disse...

ProfªFátima Almeida
Parabens pela clareza,elegância de estilo,profundidade e conhecimento de
nossa rica história.
Acho que num curto espaço de tempo,seremos vistos pelos nossos co-irmãos de outros estados com outros
olhares.
Atenciosamente
Chico Souto

Anônimo disse...

Caro Chico Souto, muito obrigada pelas suas palavras gratificantes. Eu amo a terra em que nasci, amo-a antes de pensá-la.Um abraço.

Anônimo disse...

Querida Fátima, você foi muito feliz em seu comentário porque que pela primeira vez serão levantadas questões que até hj não entendo, como a falta de resquicio arquitrtônico da época aura que minha avó tanto falava, e por isso o que foi gasto foi bem empregado em prol dessa consciência que deve começar a surgir.