sábado, 2 de dezembro de 2006

QUEM TRAVA O QUÊ?

Roberto Smeraldi

Lula diz que vai se dedicar a descobrir quem trava o desenvolvimento e as grandes obras de infra-estrutura. Alega, também, já possuir indícios dos principais culpados: índios, quilombolas, ambientalistas, Ministério Público e Tribunal de Contas. É fundamental para o país que ele possa cumprir tal investigação de maneira efetiva, mas começando por entender que são duas tarefas distintas: as obras às quais ele se refere guardam modesta relação com o desenvolvimento.

1 — Desenvolvimento travado. É preciso que alguém ajude o presidente a entender, com poucas palavras, o que significa desenvolvimento. Alguns o fazem acreditar que seria alguma mágica com as taxas do PIB. Vamos adotar uma definição inquestionável, de um dos principais economistas vivos, o prêmio Nobel Amartya Sen: “Desenvolvimento é a eliminação das privações de liberdade que limitam a escolha e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de cidadão”. Lula poderá assim perceber que o Brasil está fazendo de tudo para se afastar do rumo do desenvolvimento e, quem sabe, tomar medidas corretivas, como estas a seguir.

Economia: realizar uma reforma tributária que desonere o capital humano — o trabalho é hoje objeto de hipertributação — e onere o uso insustentável do capital natural e dos recursos limitados. Trata-se de taxar uso maciço de água, combustíveis não-renováveis, geração de resíduos não aproveitados, emissões de poluentes, uso de recursos minerais, desmatamento, etc. Ao mesmo tempo, criar empregos e estimular o avanço tecnológico.

Infra-estrutura: investir cerca de R$ 40 bilhões necessários para que os brasileiros tenham acesso a saneamento básico, tendo assim uma população em condição de viver, trabalhar e produzir. Isso também reduz custos de atendimento médico e gera milhões de empregos difusos no território.

Saúde e educação: investimento maciço nas duas principais privações que limitam as oportunidades das pessoas, de acordo com a definição acima. Hoje a despesa nas duas juntas não passa de 3,5% do PIB, gerando a maior iniqüidade estrutural do país. E o governo cogita ainda fazer a despesa em saúde crescer menos que o PIB.

Energia: investir em repotenciamento das usinas existentes e eficiência, limitando os subsídios para eletrointensivos: assim se geram emprego, inovação tecnológica e preço mais barato para o consumidor. Mas é necessário eliminar distorções, como a tarifa que incentiva a gastar mais energia, em vez que investir na eficiência.

2 — Obras travadas. Sugeriram ao presidente uma lei sobre a relação entre esferas do poder público, algo que leva anos e ainda foca uma questão que não está entre os principais fatores de travamento. O que deixaram de explicar é que as obras estão travadas por incompetência na formulação dos projetos, de regra baseados na lógica de avestruz: para simplificar o licenciamento e aprovação, omite-se grande parte dos custos e passivos reais, com o resultado de sua inviabilização econômica e judicial.

Exemplos abundam: na semana passada, o Ministério dos Transportes admitiu o que minha entidade havia apontado em 2004: a BR-163 (Cuiabá-Santarém) não custará — como o governo teimava afirmar — R$ 600 milhões investidos pela iniciativa privada, mas R$ 1,5 bilhão, ambos do Orçamento da União. Além disso, há mais R$ 1 bilhão em externalidades socioambientais não ainda incorporadas. Mesma coisa para o conjunto hidroeletro-viário do Rio Madeira, mas em dimensão 10 vezes maior: só a transmissão, não calculada, sairia por R$ 9 ou 10 bilhões.

Deve se informar ao presidente que, país afora, obras que obtiveram licenciamento ambiental na marra não saem do papel: usina Foz do Chapecó, no Sul, Serra do Facão, no Centro-Oeste, gasoduto Urucu-Porto Velho, no Norte, entre outras. Na semana passada ficou claro quanto o presidente está informado sobre sua tarefa prioritária ao receber num palanque o pleito do governador Maggi para destravar o licenciamento das eclusas do Rio Madeira.

Lula respondeu logo que vai resolver. Tarefa árdua, pois nunca foi iniciado o licenciamento das eclusas. Ele não sabia que seu governo mandara retirar as eclusas do projeto, para facilitar, com burla pouco astuciosa, o licenciamento das hidrelétricas. Ou que, naquele momento, algum “aloprado” o fizera inaugurar com toda pompa uma rodovia ilegal, sem licenciamento. Em vez de buscar os responsáveis por suas angústias na sociedade, na Justiça ou até mesmo na maloca, Lula pode encontrá-los nos gabinetes do palácio.

Roberto Smeraldi é jornalista, diretor da Oscip Amigos da Terra — Amazônia Brasileira

Um comentário:

Anônimo disse...

Caros Altino e Roberto,

Só para lembrar que o brasil possui um dos dinheiros mais caros do mundo. A nossa taxa de juros ainda é inadimissível e nada racional. Se o brasil não baratear o seu dinheiro estaremos definitivamente na rota de colisão e não de desenvolvimento.

Lindomar Padilha