domingo, 17 de dezembro de 2006

JORGE VIANA NO ESTADÃO

'Ficaram grandes e graves cicatrizes', afirma Viana

Cotado para assumir a coordenação política do Planalto, petista diz que seu partido não pode mais atrapalhar Lula

Vera Rosa, BRASÍLIA

A poucos dias de encerrar o seu segundo mandato, o governador do Acre, Jorge Viana, fala como ministro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, raciocina como articulador político, mas diz que não é bem assim. Cotado para assumir a Secretaria de Relações Institucionais, Viana afirma que o PT precisa parar de criar problemas para Lula. “Ficaram grandes e graves cicatrizes no primeiro mandato”, constata ele, numa referência à avalanche de crises que se abateram sobre o partido e o Planalto.

Viana avalia que, para o governo de coalizão funcionar, não bastam apenas reuniões de Lula com as cúpulas dos partidos e prega a aproximação com os deputados. Mais: acha que “a coalizão nascerá morta” se os aliados não superarem as divergências para a apresentação de uma única candidatura à presidência da Câmara. Aos 47 anos, sem medo de desagradar aos petistas, ele também diz que o governo não pode ficar preso à meta de crescimento de 5%. “É uma armadilha”, resume.

O governador, porém, usa de ironia quando o assunto é o ministério. “O presidente Lula é uma pessoa iluminada, protegida. Então, quem for para o lado dele, tem de estar pronto para receber um raio na cabeça”, brinca. Questionado se está apto para a missão, desconversa: “Eu não. Deus me livre!”

O seu nome foi citado para a articulação política. O senhor chegou a conversar com o presidente sobre isso?

Se eu disser que não tive conversas com o presidente sobre mudanças no governo, estaria faltando com a verdade.

Quase todos os petistas próximos ao presidente foram atingidos por crises. O sr. não teme entrar no governo e ter um destino assim?

O presidente vai precisar, no segundo mandato, constituir um novo grupo em volta dele. Agora, todo mundo que for chamado tem que tomar cuidado e usar um bom capacete.

Por quê?

O presidente Lula é uma pessoa iluminada, protegida. Se tiver um raio para cair nele, cai no vizinho, em quem está do lado, mas nele não cai. Quem for para o lado do presidente tem que estar pronto para receber um raio na cabeça.

O sr. está preparado para tomar um raio na cabeça?

Eu não. Deus me livre!!!

Aliados reclamam que o PT foi muito apressado ao lançar a candidatura do líder do governo, Arlindo Chinaglia (SP), à presidência da Câmara. Houve precipitação?

O PT tem o direito de apresentar candidato, mas tenho visão diferente desse encaminhamento. Quando se está numa composição de governo com outras forças, temos de fazer com que a coalizão aconteça na prática. Ainda mais agora que contamos com o PMDB.

Mas o presidente apóia a recondução do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP). Chinaglia deve desistir?

Neste momento ainda não cabe desistência, mas também acho que o PT dará um passo muito prejudicial à articulação que o presidente Lula acabou de fazer e surpreendeu a todos nós se não houver unidade. A coalizão nascerá morta do ponto de vista político se não conseguirmos uma candidatura única. O PT, que ganhou a Presidência, precisa ter a grandeza de puxar essa discussão.

A coalizão para o segundo mandato do presidente pode dar certo com tantas disputas na base aliada?

É um desafio, mas é o único caminho possível para que se tenha um ambiente político no qual o governo não fique refém de uma agenda negativa. Neste último ano e meio, as crises consumiram boa parte da energia do governo e isso foi muito ruim para o País. Depois de escolhido o novo ministério, a manutenção da coalizão caberá aos responsáveis pelas áreas. Agora, há um certo risco, porque o governo não pode servir como algo a ser garimpado. Quer dizer: vai todo mundo lá, retira um pouco e cada um segue o seu caminho em 2010.

Qual a garantia de que os partidos votarão os projetos de interesse do governo e não cobrarão mensalão?

A coalizão tem de ser fiel. Mas não são suficientes reuniões com a direção dos partidos. É um grande passo, mas é preciso um trabalho muito intenso de aproximação com as bancadas, tanto no Senado quanto na Câmara, para termos unidade.

Como evitar as crises políticas?

Primeiro temos de cuidar de nós mesmos. Cometemos muitas falhas no primeiro mandato, muitos erros graves. A crise saiu de dentro. É preciso fazer uma repactuação nesse segundo mandato, respeitar princípios. Em muitos casos as pessoas ficaram embevecidas pelo poder. A experiência do poder é perigosa. Se você não estiver preparado para lidar com ele, ele o engole. Ficaram grandes e graves cicatrizes. Houve muita besteira, muita trapalhada e o presidente teve de segurar tudo sozinho. Está na hora de o PT parar de criar problema para o presidente.

É possível crescer 5% ao ano no segundo mandato?

Acho um grande erro ficarmos estabelecendo metas mínimas de crescimento. É uma armadilha. O Brasil, na gestão do presidente Lula, cresceu pouco mais de 2% ao ano, em média, mas teve qualidade no crescimento: distribuiu renda no Nordeste, no Norte, teve geração de emprego com carteira assinada. Mais importante do que meta é a qualidade do crescimento. Para alguns analistas o que conta são números. Números são coisas frias, não têm feição.

Se Marina sair, quem perde é o Brasil, avalia governador

Os dois fizeram carreira no PT do Acre e o governador Jorge Viana se tornou um dos mais fiéis aliados da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva - que corre o risco de ser substituída no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Ibama, órgão subordinado à pasta de Marina Silva, é apontado como um dos entraves ao crescimento, por dificultar a liberação de obras como hidrelétricas, sob a alegação de que elas oferecem risco à natureza.

Viana afirma que se trata de uma injustiça e que a questão ambiental é mal compreendida no Brasil. 'Marina tem sido vítima de críticas não pelos seus defeitos, mas pela qualidade demonstrada', diz ele.

A ministra Marina Silva chegou a dizer que perde o pescoço, mas não perde o juízo. O sr. concorda com as críticas feitas dentro do próprio governo à burocracia do Ibama e aos problemas que emperram os investimentos?

Tanto dentro quanto fora do governo essa questão ambiental não foi trabalhada adequadamente. Marina tem sido vítima de posicionamentos e críticas não pelos seus defeitos, mas pela qualidade demonstrada na condução da pasta que cabe a ela. Na área ambiental, ela é sem dúvida a maior autoridade que o País tem.

E ela vai ficar na equipe?

O presidente Lula tem demonstrado o carinho e o respeito que tem pela Marina. O governo tem de trabalhar melhor a questão ambiental: fortalecê-la e não enfraquecê-la. Eu vejo aí o perigo não de Marina perder o pescoço, porque ela já deixou claro que vai preservar o juízo. Eu vejo nisso o risco de o País perder a oportunidade de se firmar como nação que quer crescer, respeitando o ambiente com qualidade. Não podemos confundir pressa com ansiedade. O Brasil tem pressa, mas, se quiser crescer de forma adequada, não pode ser ansioso.

E a disputa de Marina com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff? Não há ali um fogo amigo?

A ministra Dilma atua nessa questão ambiental desde que atuou no Rio Grande do Sul. Ela tem clareza da importância do meio ambiente. Agora, isso não é uma regra dentro do nosso governo, sinceramente. Então, é preciso um exercício para as pessoas conhecerem o que não sabem e conviverem com o tema ambiental. Os países que quiserem ser desenvolvidos não têm de deixar a questão ambiental subordinada aos governos. De certa forma, são os governos que têm de estar subordinados ao tema ambiental. Não é verdade que isso signifique impedir o crescimento. É possível conciliar respeito e incorporação definitiva desse tema com crescimento no Brasil.

De que forma? O próprio presidente Lula diz que é preciso destravar essa área.

O crescimento vai depender muito mais de um grande esforço que envolva prefeitos, governadores, o setor privado e o governo federal. Não acredito que só o governo federal fazendo tudo certo garanta crescimento nesses patamares. O setor privado em muitos momentos se acovarda, não gosta de correr risco. O governo Lula controlou a inflação, estabilizou a economia, foi radical no cumprimento de contratos. Então, não tem de cobrar mais nada. Agora o setor privado tem de botar o pescoço na corda e correr risco. Se o setor privado fizer isso e o nosso governo fizer uma boa articulação com os governadores, aí sim o Brasil pode surpreender a todos e ao mundo - crescendo inclusive acima de 5%.

O tamanho do PT no governo deve permanecer igual no segundo mandato do presidente Lula ou deve haver uma despetização?

O foco do PT não deve ser em quantidade, porque o partido já tem o cargo mais importante, que é o do presidente da República. A discussão mais apropriada é a qualidade de participação. Cabe ao presidente fazer esse arranjo. Temos de reforçar nesse time a figura dos goleadores, dos que fazem gol. Hoje há uma sobrecarga muito grande na figura do presidente e da ministra Dilma Rousseff. É insustentável isso por mais quatro anos.

Como assim?

Os problemas do País não vão diminuir a curto e médio prazo. Eles vão se ampliar. Nesse arranjo novo de governo, o presidente vai necessitar de pessoas que possam assumir tarefas sem dar tanto trabalho à Casa Civil e a ele, que possam tocar as coisas com eficiência. Agora é hora de fazer esse monstro chamado Brasil andar.

Vera Rosa é repórter do jornal O Estado de S. Paulo.

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