sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

CARTA AO JORGE VIANA



Rio Branco, 08 de dezembro de 2006

Prezado governador Jorge Viana,

Tudo bem, Jorge?

Escrevo-lhe para agradecer a oportunidade que você me deu de trabalhar novamente no Acre nesses últimos três anos de seu longo mandato de oito como governador de nossa terra. Tudo o que você e o secretário Edegard de Deus (SEMA/IMAC) solicitaram-me para fazer nesse período, dei a minha pequena contribuição, a começar pela elaboração dos textos e relatórios sínteses do componente indígena do ZEE-2005, em parceria com o antropólogo Marcelo Piedrafita Iglesias, consultor contratado pela SEMA para coordenar esses estudos.

Outra oportunidade foi ter tido o privilégio de participar de oficinas de etnomapeamentos realizadas nas TIs Kampa do Rio Amônea, Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, Kaxinawá do Rio Jordão, Kaxinawá do Baixo Rio Jordão e Kaxinawá do Seringal Independência, cedido pela SEMA para prestar assessoria antropológica à Comissão Pró-Índio do Acre/TNC, promotoras desses projetos de gestão ambiental em terras indígenas situadas no entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor, ao longo da fronteira internacional com o Peru.

Com a mesma metodologia e experiência adquirida nesse trabalho da CPI-Acre, participei das oficinas de etnozoneamento nas terras Mamoadate (Jaminawa e Manchineri), Jaminawa do Rio Caeté (ainda não identificada pela Funai), Kaxinawá do Igarapé do Caucho, Kaxinawá da Colônia 27 e Rio Gregório (Yawanawá e Katukina), impactadas pelo asfaltamento das BRs 317 e 364, de responsabilidade do governo do estado. Aprendi muito com os índios nessas oficinas, especialmente com lideranças, professores, agentes de saúde, e agroflorestais indígenas, pajés e velhos. Também foi muito enriquecedor ter participado dos diálogos com colegas antropólogos ligados à UnB, Cloude Correia e Ney Marciel, consultores contratados pela SEMA para coordenar os estudos de etnozoneamento nas citadas terras.

Novamente em parceria com meu compadre e amigo, Marcelo Piedrafita, realizamos o diagnóstico da situação atual das populações e terras indígenas acreanas, as questões fundiárias ainda pendentes e sugestões para fazer avançar efetivamente os processos de reconhecimento oficial de terras indígenas no estado.

Como você é testemunha, também assessorei o GT de Revisão de Limites da TI Rio Gregório, participando dos levantamentos antropológico, cartorial, ambiental e fundiário realizados pelos integrantes do Grupo Técnico (GT) da Funai de Revisão de Limites da TI Rio Gregório, coordenado pelo antropólogo Ney Maciel.

Durante o período em que permaneci em Rio Branco, pude também escrever e editar, novamente em parceria com o compadre Marcelo Piedrafita e outros colegas antropólogos, inúmeros Papos de Índio sobre os povos e terras indígenas no estado, publicados periodicamente no jornal Página 20 nesses últimos três anos.

Para demonstrar concretamente a minha gratidão, estou lhe entregando dois presentes da cultura indígena acreana. O primeiro é um lindo cachecol bordado com os padrões gráficos, ou kene (leia Kenê), Kaxinawá, retratando as malhas da jibóia, um ser sagrado da floresta para os velhos e sábios pajés de nossa terra. Espero que lhe traga muita sorte na nova missão que você terá pela frente, bem como para aquecer-lhe nas noites frias de Brasília, onde certamente você irá morar para ajudar o presidente Lula de alguma forma a bem governar esse nosso imenso país nos próximos quatro anos.

O segundo é um CD de cantos do último Yawa de 2006, gravado pelo meu filho Chico Aquino e pelo nosso amigo Luis Gonzaga “Junai”, ambos de Brasília, que registraram musicalmente essa grande festa do povo Yawanawá do rio Gregório, que você tão bem conhece, pois lá esteve durante a realização de pelo menos dois de seus cinco últimos festivais.

Também gostaria de lhe pedir, caso efetivamente ocorra uma mudança para melhor na política indigenista oficial, agora no segundo mandato do presidente Lula, para retornar a trabalhar dignamente na Funai, onde sou funcionário desde 1979. Até hoje, devo esse vínculo funcional à Funai ao velho Sueiro Sales Cerqueira, liderança tradicional Kaxinawá, quem efetivamente me colocou lá para encaminhar os processos de regularização de terras indígenas no estado.

Jorge, faltam poucos anos para minha aposentadoria na Funai. E não posso ficar cedido indefinidamente ao governo do estado, já que sou um servidor federal. Vim para lhe ajudar e também porque não admitia ser exonerado sem aviso prévio no órgão indigenista oficial. Fui nomeado como um dos coordenadores da Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai (DAF) por indicação de meus próprios colegas antropólogos que trabalhavam no antigo Departamento de Identificação e Delimitação da DAF. Não posso continuar “exilado” profissionalmente da Funai no segundo mandado do presidente Lula, onde esperamos corrigir os erros e equívocos cometidos no primeiro mandato. Também não é justo que o governo do estado continue pagando meus salários, já que fui cedido sem ônus para a Funai.

Soube recentemente pela imprensa que o atual presidente da Funai, vai se retirar do governo para lecionar na Universidade de Oxford, falando dos índios no Brasil para “inglês ver”. E eu quero voltar a trabalhar na Funai de novo, para poder continuar dando a minha contribuição, com o respaldo de seus novos dirigentes.

Pois bem, Jorge, em setembro deste ano, completei 60 anos, 30 dos quais dedicados aos índios e aos processos de regularização fundiária de suas terras, especialmente no Acre. Penso que agora estou amadurecido e preparado para assumir novas responsabilidades no órgão indigenista federal. Como existem cerca de 14 processos de regularização de terras indígenas ainda pendentes no estado, preciso retornar à Funai para dar continuidade a essa missão, que me foi confiada pela Rainha da Floresta.

Daqui a cinco anos, quando me aposentar, pretendo retornar novamente por aqui, com o mesmo afinco e dedicação às minorias étnicas de nossa terra. O Acre pintado de urucum e jenipapo, reencarnações de duas lindas mulheres indígenas que se encantaram nesses dois vegetais, largamente cultivados em seus terreiros e roçados, não sairá mais do meu espírito irrequieto. Enquanto isso, mesmo que não esteja fisicamente por aqui, continuarei irremediavelmente ligado às populações indígenas e tradicionais de nossa terra.

Também não posso deixar de agradecer-lhe pela ajuda que o Governo da Floresta, através da SEPI, irá conceder, até o final de seu governo, ao grupo familiar extenso representado pelo cacique Getúlio Sales Tene (leia-se Tenê), liderança tradicional da TI Kaxinawá do Baixo Rio Jordão. Aliás, foi a esposa do Getúlio, dona Aldenira Sereno, quem teceu e bordou esse lindo cachecol do povo Huni Kuin que estou lhe entregando agora de presente. Sei que o nosso secretário indígena, Francisco Pinhanta procedera a entrega, ainda no decorrer desse ano, de um motor Yanmar de 5 Hp e um barco de 2 toneladas, além de combustíveis (250 litros de óleo diesel, 20 litros de óleo lubrificante e 150 litros de gasolina) para a construção de um curral para a sua pequena criação de gado, atualmente em torno de 60 cabeças. Essa é também uma ajuda simbólica ao povo Kaxinawá do Município de Jordão, hoje constituído por quase dois mil índios, porque o Getúlio e seus parentes da aldeia Nova Empresa vêm contribuindo efetivamente para o desenvolvimento sustentado do Município de Jordão. O Getúlio e seus parentes produzem alimentos importantes para a população da sede do município e a merenda escolar nas escolas indígenas diferenciadas daquele longínquo município acreano, tais como: farinha, feijão peruano (poroto), gramixó (açúcar mascavo) e diversas variedades de banana, amendoim, batata, inhame, mamão, laranja, tangerina, pupunha, melancia, yuxu, yubin, jerimum, galinha e ovos, carvão vegetal, carne de gado etc. Só gostaria de ressaltar que falta ser concretizado esse compromisso do Governo da Floresta com o velho líder Kaxinawá, Getúlio Sales, até fins de dezembro próximo, mesmo sabendo que o Secretário Francisco Ashaninka tudo fará para que ele seja efetivado até o final de seu governo.

Quanto ao acervo da Casa Txai, achei excelente a sua idéia de levá-lo para a nova Biblioteca da Floresta, que você irá inaugurar brevemente. Acho que seria muito importante mantê-lo num espaço próprio, sem dispersá-lo entre tantos livros, outros acervos e documentos que constaram nessa importante biblioteca pública dos acreanos. Neste sentido, penso que a Elizanilde Alves da Silva, formada em história pela UFAC e com especialização em arquivo histórico pela USP, poderá dar continuidade ao importante trabalho que ela e sua equipe vêm realizando, com dedicação e zelo, na organização desse acervo da Casa Txai. Certamente, vai ser excelente colocá-lo nesse novo espaço público da Biblioteca da Floresta. Conte com minha força e meu apoio para que isso, de fato, aconteça. Também vou zelar, mesmo à distância, para que esse acervo dos documentos indígenas possa ser ainda enriquecido e ampliado. Tem que ser um acervo vivo, porque estou fazendo essa devolução de todos os documentos e relatórios que juntei ao longo desses últimos 30 anos para que possa ser partilhado por todos os jovens estudantes acreanos que queiram um dia pesquisar sobre as populações e terras indígenas de nosso estado.

Enfim, Jorge, gostaria de conversar com você para lhe agradecer pessoalmente e pedir-lhe mais essa força para que eu possa retornar a trabalhar com dignidade na Funai, mas sei que você está sempre muito ocupado com tantas obras importantes ainda para inaugurar no estado até o final de seu governo.

Agora com a morte de minha mãe, gostaria de passar um tempo longe daqui, para renovar, feito um índio, meu espírito. Espero, com seu apoio, viabilizar esse meu retorno para mais esse período em Brasília. Não estou interessado em cargos, nem tampouco quero ser presidente ou diretor da Funai. Quero apenas respeito e dignidade para voltar a trabalhar lá, sem ser perseguido por diversos grupos políticos que existem há muito tempo no órgão indigenista oficial. Alguns deles desde o tempo da ditadura.

Espero que Deus e a Rainha da Floresta continuem iluminando o seu caminho político. Muito obrigado por tudo! Obrigado mais uma vez pela coroa de flores e por você ter carregado o caixão de minha velha mãe no Cemitério São João Batista, onde ela foi enterrado junto aos mortos da família extensa do velho Parente Amigo, saudoso avô materno, integrante da primeira geração de nordestinos que povoaram nossa terra e florestas.

Atenciosamente,

Txai Terri Valle de Aquino
Antropólogo e Gerente de Etnozoneamento da SEMA/AC

4 comentários:

Anônimo disse...

Txai, se dependesse do meu egoísmo, se eu fosse o Jorge Viana, assinaria contra seu retorno para Brasília, apenas para tê-lo por perto.
Ocorre que meu egoísmo não faz sentido e, não sou o Jorge Viana.
Espero que você consiga estar novamente, o mais breve possível, em seu espaço de trabalho, de preferência em condições melhores e colaborando para o expurgo dos piolhos e filhotes da ditadura que, na FUNAI, aprenderam, apenas a MEXER com índios.
O Jorge pode atendê-lo, basta querer.
A Rainha da Floresta tem poder e há de encaminhar seu filho Txai.
Um beijo grande e minha enorme admiração pela sua decência no trabalho com os povos indígenas.
Leila

Anônimo disse...

Txai Terri, você é um acreano tão honesto quanto Marina Silva. Aqui ou em Brasília, você dignifica o ambiente de trabalho. Jorge Viana e Tião Viana têm o dever de protegê-lo politicamente com o nosso aval. Bonita sua atitude de tratar disso com tanta transparência. A história acreana um dia vai reconhecê-lo como o maior conquistador de florestas para a sociedade.

Anônimo disse...

Txai Terri,

Tens a aura viridente
Tez de urucu
�gua transparente
Curumin-a�u.
Olhos de igarap�
Sil�ncio de rio
Trovejante ser
Floresta e cio.
Turbilhão e calmaria
Cabocão mateiro
Paj� catu dos barranco
Puro sangue acreaneiro.

T� com tu e não abro !

Abra�o do SERGIO SOUTO SEMPRE

Anônimo disse...

Txai Terri, pra mim era tão mais doce chamar de tio Terri como fazia antigamente .. rs! Mas, não importa porque ele sendo o tio Terri ou Txai Terri, ele é o cara honesto, honrado e sábio de sempre. E sem egoísmo e redundancia, acho que o seu lugar é sim brigando e lutando pra que os nossos indios tenham condições melhores. Até porque não consigo vê-lo d eoutra forma que não seja assim, cresci ouvindo minha mãe contar suas muitas peripérsias e desde sempre você era um misto de herói e hippie convicto e atualnte em um plano traçado, apesar da maioria das pessoas não compreender. O que por sinal continua sendo ... um lindo e livre ser humano em busca de crescimento e ajuda ao proximo.
Beijos meus e da mamãe, Antonieta.