quinta-feira, 30 de novembro de 2006

SALÃO TAJÁ

Leila Jalul

Sena Madureira, cidade que me seduz, de dia faltava água, de noite faltava luz.

No dia 25 de fevereiro de 1953, completei meus primeiros cinco anos de existência no Instituto Santa Juliana. Colégio muito bom, para os padrões da época.

Completei cinco anos sob a chibata da madre Maria Hildebranda da Prá. Hildebranda? Acho que conheço esse nome. Minha mãe não tinha a menor noção sobre o que significava amputar sonhos. E não a culpo.

Esta crônica está “down”, e, eu, mais ainda. Minha mãe era escrava da loja do meu avô e me mandou para a casa de uma sua irmã, mulher do prefeito, mais megera que a Hildé da Prá.

Achava que, naquele armazém de meninas pobres, eu ia me educar, me tornar fina, aprendendo ponto de cruz, cerzindo as meias do padre e, pior de tudo, aprendendo a cozinhar as cabeças dos porcos sacrificados na base da facada no fundo do quintal.

Mas o mundo é bom, principalmente quando a gente aprende a dar cambalhotas, pular por cima da ligeireza, derrubando mesas e cadeiras de balanço . E foi assim que foi. Pior seria na Febem.

Lá no Santa Juliana, conheci seu Bahia, neto de escravos, quilombola das terras de Zé Sarney. Era o homem da horta, das alfaces repolhudas, dos coentros e salsas agigantados pelo estrume abençoado das vacas que forneciam leite para o padre e para as madres. Italiani la mia vita tem muito a ver com a de vocês.

Também conheci a Dalva, a Juracy, a Nancy piolhenta. Funcionavam como espécies de tutoras, de mães pretas, de anjos protetores para as “mais pequenas”. Dalva arranhava um violão Paganini, quebrado, sem duas cordas, nas noites de chuva.

Final de semana, lá vou eu para a residência oficial. Para não ficarem mal na fita, meus tios me levavam para a corte. Festa no Salão do Tajá, opositor ferrenho do Salão da Taioba. Era só festa, muita festa.

Ali estavam os rescaldos das companhias francesas, com bailarinas de can-can, malabaristas, palhaços e faquires. Ali desfilavam e dançavam Seu Teodomiro Souto e minha dindinha Irany, Dona Eliete e Doutor Maurício, Dona Dalila, Seu Archelau (isso é nome de gente?) e Dona Badra, meus tios, além de um montão de personalidades influentes na capitania. Todos amamentados com o bom vinho Quinta das Flores, substituído em sua falta e impedimento pelo velho e bom Sangue de Boi.

Foi no Salão do Tajá que, aos cinco anos, vi, no chão do banheiro, um amontoado de grandes coágulos de sangue, saídos diretamente da mulher do malabarista. Nada a ver aquele aborto. Na hora do espetáculo, lá estava ela, linda e pálida, fazendo sua apresentação de dançarina de can-can, levantando as pernas, com a saia preto-rosada. E tudo bem. Obrigada.

Na segunda, eu, Dalva e Juracy, trepadas na janela, cantávamos: "Noites de chuva, tão escuras e frias, sem estrelas e sem lua.../ E a minha vida, mais parece a de alguém, cheia de mágoas, a andar pelas ruas...."

A cronista Leila Jalul tem enviado ao blog relatos de suas aventuras no Acre, na fase dos 10 aos 15 anos de idade.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tão bom lembrar de Sena, do Instituto Santa Juliana ... e do pessoal que estudava lá.

Abraços,
Augusto Faber Flores
PAto Branco-PR

Anônimo disse...

A cronista vasculhou o sótão das memórias, banhou-se nas águas barrentas do Yaco e bebeu das águas escuras do Cafezal.Lembro-me do Tajá, mas não me recordo do Taioba.O Sr Teodomiro -prefeito- e a "tia" Yrany, pais do grande Sérgio Souto. O Dr. Maurício - Juiz -. Também fui aluno do ISJ quando o colégio passou a aceitar meninos.Acho que a diretora era a Irmã Crucifixa O Sr. Arquelau Bandeira Peré, sucedeu ao Sr. Teodomiro.Parabéns pelo memorial.Escreva mais sobre Sena. eymard

Anônimo disse...

Errei quando disse que a cor da saia da bailarina de can-can era preto-rosada. Essa cor é invenção minha e não existe. A saia era preta e, por baixo, um monte de babados rosa pink, que farfalhavam durante a dança.
Agora, um dedo de prosa com os dois comentaristas.
Lembrar de Sena é bom, por um lado. Por outro, é melancólico.
Voltei outras vezes lá: duas com o Nelson Gonçalves e outras tantas com o Waldick Soriano. Normalmente na festa da cidade - 25 de setembro. Noutro tempo, fui assídua hóspede da Pensão Sorriso, de propriedade da Adma, mãe da Marlize Braga. Virávamos Sena de cabeça para baixo. Tempinho bom!
Para o Eymard, um esclarecimento: meu tio era o homem que sucedeu Seu Teodomiro. Conta prá ninguém!!!! Seu Teodomiro e minha madrinha Irany eram finésimos.

Anônimo disse...

Leila queridona,
beleza de lembrança. Adoro lê-la.
Ontem pensei em você, enquanto fazia uma
deliciosa moqueca capixaba numa panela de barro. Rolou um pirãozinho com farinha do juruá, quanta diferença ! Um vinho verde luzitano lá de "trás os montes" prá desentalar.
Numa próxima ida minha as terras de Galvez, levarei um caçonete e lhe farei
um jantar.

inté breve

Sergio Souto

Anônimo disse...

É isso aí Leila. Mas quero que contes como foi a invasão dos índios, descendentes dos Vinkings (segundo me contaram eram loiros e tinham os olhos azuis e verdes), e segundo sei eles quase nvadiram os Colégio das Freiras, é verdade? Não vale aquela" quer que eu conte, contarei, quer que eu conte?" - Beijos minha amiga