segunda-feira, 11 de setembro de 2006

ACRE NA FOLHA DE S. PAULO

Jorge Viana esquece passado e se alia a políticos que o PT antes combatia

Grupo do governador, forte candidato a um ministério caso Lula se reeleja, fecha coligação com PP

Um dos pais do acordo é o ex-deputado Ronivon Santiago, envolvido nos escândalos da compra de votos e dos sanguessugas

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A RIO BRANCO

Oito anos após ter despontado na política com a promessa de tirar o Acre das páginas policiais, o grupo ligado ao governador Jorge Viana (PT) recorreu às mesmas personagens que antes combatia para se manter no poder.

Forte candidato para o ministério em um eventual segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Viana conquistou o apoio do ex-governador Orleir Cameli (1995-1998), o mesmo que era caracterizado por ele como responsável pelo "desmonte" do Estado.

Cameli entrou no barco petista junto com seu primo Cesar Messias (PP), ex-prefeito de Cruzeiro do Sul (segunda cidade do Estado), indicado vice na chapa do PT ao governo.

Do lado do PP, um dos pais da aliança é o ex-deputado Ronivon Santiago, presença constante nos grandes escândalos dos últimos anos -compra de votos, valerioduto e sanguessugas.

Mas ele não pôde ver o resultado final de seu trabalho. Foi preso pela Polícia Federal poucas horas antes da apresentação da coligação, em 4 de maio.

Figura ainda na frente petista o PL de Aureliano Pascoal, ex-secretário de Segurança Pública de Cameli e primo de Hildebrando Pascoal, símbolo do "faroeste" que o PT combatia. Hildebrando, preso desde 1999 por mandar matar um adversário com uma motosserra, comandava a PM do Estado.

Há oito anos, o PT dizia que o Acre era palco de uma luta do bem contra o mal, este simbolizado por Cameli e Ronivon. Como dizia Jorge Viana à época: "São grupelhos que se organizaram e atuam como bandos. Tudo coordenado por um governador [Cameli] que não tem currículo, mas folha corrida".

A "folha corrida" de Cameli incluía, além dos muitos CPFs, acusações de desvio de recursos, a apreensão de um Boeing de sua família com contrabando e a intermediação da compra de deputados para aprovar a reeleição no Congresso.

O bem, no maniqueísmo vigente, era representado pelos "meninos do PT" -Jorge, o senador Tião Viana e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Hoje quarentões e grisalhos, assumem o pragmatismo.

"Um governo que é aprovado por 70% não pode ficar chutando pessoas que queiram apoiar nosso projeto.[...] Qualquer apoio estamos aceitando com gosto", diz Viana, 46. Mas não haverá concessão, nem há compromisso com a partilha do governo, promete. "Nosso projeto não mudou um milímetro".

Os petistas agora tentam caracterizar Ronivon como uma figura secundária. "O PP não está preso a ele. O Ronivon não negociou acordo nenhum", afirma o governador.

Na verdade, o ex-deputado continua apitando no partido. Seu irmão Carlinhos Santiago preside o diretório estadual do PP. Segundo ele, Ronivon -que, depois da prisão, tem se mantido nas sombras e não atendeu à Folha- teve "participação ativa" na aliança.

Cameli, embora formalmente afastado do PP e há oito anos sem mandato, mantém-se influente na política acreana. Sua base é o vale do Juruá, de 120 mil habitantes, na fronteira com o Peru, que sempre foi reduto anti-petista.

"O Cameli é uma liderança inquestionável, adorado na sua região. Existe uma diferença muito grande entre o que sai nos jornais e o que a população sente", diz Binho Marques, candidato do PT ao governo.

A aproximação de PT e PP veio aos poucos. Desde o início do ano, Cameli passou a receber uma romaria de petistas e antigos aliados. Vendiam a ele as vantagens da união. "A aliança abriu a perspectiva da volta dele à política", diz o deputado José Bestene (PP).

Em 26 de maio, após o ex-governador ter sido devidamente "amaciado" por meses, a cúpula do PT desembarcou em Cruzeiro do Sul para o lance final.

Do aeroporto, uma comitiva liderada por Binho e Tião foi ao escritório dele, no centro da cidade, buscar a bênção do "Barão do Juruá", como é conhecido. Os petistas pediram a Cameli que relevasse as rusgas em nome da união do Acre.

O "Barão" ensaiou suspense: queria antes garantias de que seu sobrinho e herdeiro político, Gladson Cameli (PP), seria um dos puxadores de voto da coligação para deputado federal. Trato feito, o anúncio do apoio do ex-governador veio no início de julho. Ele diz que apóia o PT por ter "a melhor proposta" para o Acre.

O PT calcula que o ganho por ter fincado bandeira no Juruá compensa o desgaste. É um risco, pois o principal oposicionista, Márcio Bittar (PPS), não se cansa de apontar "incoerência". "Estamos recebendo o apoio de pessoas que nunca gostaram de nosso projeto, mas reconhecem que o Acre mudou", diz Jorge Viana.

Os erros dos ex-adversários não sumiram, afirma o governador. "Quem destruiu o Acre tem que acertar as contas com a Justiça. Mas, se querem votar no PT, vamos impedir?".


entrevista

Ex-governador diz que não guarda mágoas

DO ENVIADO A RIO BRANCO

O ex-governador Orleir Cameli diz que não guarda mágoas do PT e que apóia o partido por ter a "melhor proposta". Em entrevista por telefone, ele se irritou ao ser questionado se iria indicar nomes para o governo. (FZ)

FOLHA - O sr. vai fazer campanha para o PT, pedir voto?
ORLEIR CAMELI - Estou pedindo direto. Para mim, a melhor proposta é a deles. A gente tem quase certeza da reeleição do Lula. Não dá para ter um governador de oposição ao governo.

FOLHA - Mas o PT batia duro.
CAMELI - Eu não guardo mágoa, meu irmão. Eu faço meu trabalho. Se fosse guardar mágoa, não falaria com ninguém.

FOLHA - Quem fez a aproximação com o PT?
CAMELI - O senador Tião Viana e o Binho [candidato do PT ao governo], há três meses. Não tenho que lhe dar satisfação, não sou político. Você está enganado em fazer essa investigação da minha vida.

FOLHA - Não é investigação...
CAMELI - [irritado] Vocês continuam com a mesma linha de querer atacar as pessoas, para depois ficar metendo o pau. Vocês são os donos da razão, patrão. Estou apoiando por livre e espontânea vontade. Tem algum problema? Você deveria parar com esse perguntatório.

FOLHA - É que o Jorge Viana era seu adversário aí, e agora...
CAMELI - Como os outros eram também. O Lula era adversário do pessoal do PMDB e agora está todo mundo junto. Por que você não investiga eles?

FOLHA - E como isso está sendo recebido pela população?
CAMELI - Isso eu não sei, não posso te garantir. Quem vai dizer é a população nas urnas.

FOLHA - O sr. vai participar do governo ou fazer indicação?
CAMELI - Como é teu nome?

FOLHA - Fábio.
CAMELI - Fábio, eu não vivo disso, tenho os meus negócios, tenho o meu trabalho. Não quero saber de apoiar governo por cargo.

FOLHA - Durante quantos anos o sr. teve contato com Jorge Viana?
CAMELI - Converso com ele desde que se elegeu.

FOLHA - Ele dizia que tinha que combater o crime organizado, varrer o coronelismo, simbolizado pelo senhor.
CAMELI - É verdade, exato. Não foi só ele que fez isso, não, foi muita gente.

FOLHA - Mas o sr. acha que a população vai entender isso?
CAMELI - Escuta aqui, tu tá querendo o quê? Tá querendo me convencer que eu não tenho que apoiar?


Petista acelera inauguração de grandes obras


DO ENVIADO A RIO BRANCO

Na reta final da campanha eleitoral, o governador Jorge Viana (PT) vem mantendo um ritmo acelerado de inaugurações de grandes obras.

Na última terça, Viana e o prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim (PT), entregaram a reurbanização da maior praça do centro da capital acreana, a Plácido de Castro. O projeto de R$ 3,7 milhões é assinado pelo escritório do paisagista Burle Marx.

Há um mês, Viana inaugurou a restauração do Mercado Velho, uma grande área do começo do século 20 que estava degradada. Há outro mercado para ser entregue antes da eleição, uma ponte para pedestres com design futurista e um estádio com capacidade para 20 mil pessoas que está previsto para outubro.

"Estou separando direitinho governo de campanha. Agora, não posso parar de governar por causa do calendário eleitoral", rebate o governador.

A popularidade de Viana, que chega a 70% em pesquisas locais, é o maior combustível para o petista Binho Marques, que começou com traço e alcançou 42% no último levantamento feito pelo Ibope, contra 35% de Márcio Bittar (PPS).

10 comentários:

Anônimo disse...

ESSE É O ALTINO QUE EU CONHEÇO!

Anônimo disse...

Admirável você, Altino!Imagino que os jornais do Acre não vão dar nem uma linha disso, né. E você, apesar dos vínculos e proximidade com a nova oligarquia acreana não mitiga seu compromisso com os fatos. Bravo!

Anônimo disse...

Mag, eu já expus a minha vida, de minha mulher e de meus filhos na luta pela mudança no Acre. Sou defensor de democratização da informação. Mas a situação do PT e do governador Jorge Viana não é fácil. a política segue uma dinâmica para a qual nem todos temos estômago. O PT acreano poderia ter optado por tentar conquistar o terceiro mandato no governo sem o apoio de Orleir Cameli. Talvez não ganhasse o governo, é verdade. O que eu, você ou qualquer outro faríamos se fôssemos o timoneiro desse processo? O pior do que contar com o apoio de CAmeli e Ronivon seria deixar esse estado ser governador por Márcio Bittar. Seria um revés trágico para nossa história.

Anônimo disse...

O revés poderia ser trágico não porque Márcio Bittar seja menos bonito que Jorge Viana. Não é isso. É porque ele tem Rondônia como pardigma de desenvolvimento para o Acre. Independente de Cameli e César Messias, por quem não nutro a menor simpatia, vou votar no Binho Marques. Esse eu conheço desde a adolescência e sei da lealdade dele a esse projeto que já mudou a história do Acre.

Anônimo disse...

Sei disso, Altino. E acho louvável esse aprendizado sobre as contradições da luta política. Eu mesma só lamento que o PT tenha tomado conhecimento disso tarde demais no que diz respeito aos interesses e agenda do país. E, se não bastasse esse dano, escolheu o banditismo como aliado. No Acre e no Brasil inteiro.

Anônimo disse...

A reportagem da Folha é muito boa por expor essa contradição. Mas não será capaz de influenciar na tendência de um resultado que se anuncia muito favorável ao Binho Marques. O governador Jorge Viana tem quase 80% de aprovação popular decorrente da gestão marcante. A reportagem da Folha é apenas o anúncio do que ele vai enfrentar em Brasília caso seja nomeado por Lula como ministro dos Transportes. O desafio é encarar a realidade sem afetação. Ninguém é mais o dono da verdade. Essa lição eu já aprendi há muito tempo. Sem afetação, um frote abraço

Anônimo disse...

Esse repórter da folha teve foi muita sorte. o cara teria levado ao menos um murro se fosse com aquele perguntatório pra cima do Cameli, no teti a teti. Como o Altino falou, do males o menor. Voto Binho também.

Anônimo disse...

Aproveito pra lembrar que esse novo Acre não existiria sem o apoio do FHC! Que sabia distinguir joio de trigo muito bem! E como soe, em política, teve seus joinhos também.

Anônimo disse...

Pois é. Jorge Viana era espinafrado por alguns petistas, sobretudo os de São Paulo, pela proximidade com FHC. A civilidade com que lidaram politicamente foi bom pro Acre. Várias obras foram executadas no Estado por conta disso. A própria imprensa ficava perplexa com a boa convivência de ambos.

Anônimo disse...

Aliás, só mesmo a estupidez política brasileira, especialmente concentrada em São Paulo, torna possível que PT e PSDB busquem os piores aliados para brigarem entre si. Bons tempos em que nos juntávamos ao Covas para derrotar Maluf.