quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

NÁUFRAGOS

Clóvis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do náufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lança ao mar. Não sabe se a garrafa chegou a algum lugar, a qual lugar, se a mensagem foi lida, se foi entendida, como foi entendida.

A comparação, esclareço, não é minha. Ouvi-a, 30 anos atrás, de José Antonio Novaes, então correspondente do "Estadão" e do jornal francês "Le Monde" em Madri.

Hoje, graças à internet, os náufragos já sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas. Já sabemos o que antes apenas intuíamos: o leitor inteligente não é o destinatário passivo da mensagem, mas o parceiro do náufrago na observação das coisas do mundo.

O leitor também lança suas garrafas -não ao mar, mas na rede, sabendo que chegará ao destinatário, mas sem saber se a mensagem será ou não lida ou como será entendida. De minha parte, como prestação de contas, informo que, nos primeiros dias após a Folha ter decidido publicar o endereço ao pé de muitas colunas, queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia, em média, para ler e responder a correspondência.

Logo revi o verbo. Em vez de "perder", sei agora que "invisto" duas horas nesse diálogo. Descobri também que, na troca de idéias com o leitor, ganho eu. É claro que há alguns idiotas de plantão que escrevem toneladas de asneiras, mas a estes parei de responder faz tempo -e os que identifico parei também de ler.

Mas a grande maioria aporta informações que estão fora do radar da mídia, vê ângulos que mesmo olhos treinados de sociólogos deixam passar e, acima de tudo, expressa sentimentos que o mundo político parou de processar faz tempo.

Tudo somado, aviso ao leitor que saio hoje de férias (por 15 dias) com a sensação de que a tecnologia libertou o jornalista da solidão do náufrago, mas colocou-o em contato com uma multidão de outros náufragos. Da política.

Fonte: Folha de S. Paulo

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