MEDIOCRIDADE NA TV

Por Diogo Soares (*)

Na última quinta–feira, fui convidado a dar uma entrevista no programa Boa Noite Rio Branco, do Jorge Said, na TV Rio Branco. Já tinha ouvido que ele era um entrevistador desrespeitoso, mas como sou de acreditar nas pessoas, além de pensar que qualquer veículo de comunicação cumpre um papel importante na divulgação de um projeto, não hesitei em aceitar o convite. Às 16 horas estava na emissora para a gravação do programa.

Junto comigo estavam o vocalista da banda Nicles, Kilriu Farias e o guitarrista da Camundogs (ex-banda Stigma), Saulinho Machado. Estávamos lá para falar de um projeto musical coletivo, o Festival Varadouro, que vai acontecer no próximo fim de semana.

Ao entrarmos na TV Rio Branco, fomos muito bem atendidos e acomodados pela produtora do programa, que nos levou à uma confortável sala de espera e ofereceu água, café, além de nos indicar onde era o banheiro, enquanto o Said gravava outro bloco do programa com professores e estudantes universitários. Tudo como deve ser, pois é de praxe receber bem os entrevistados e deixá-los à vontade.

Terminada a gravação, a moça, sempre muito cortês, nos levou ao estúdio. Entramos ao passo que os outros entrevistados saiam e, como os conhecia, trocamos algumas palavras enquanto os câmeras faziam os ajustes finais. De repente, já depois de um boa tarde não respondido, quando me despedia do outro entrevistado, o entrevistador, como um rei no trono, bateu palmas e falou em tom nervoso:

- Vâmo trabalhar, vâmo trabalhar, que a gente não pode perder tempo não!

Tudo bem, não queria que ele fosse meu amigo, só esperava que fosse mais simpático.

Baba-ovo
Prontamente nos acomodamos no estofado amarelo à frente do painel com imagens da cidade e colocamos nossos microfones, enquanto ele acessava o site Notícias da Hora. Eu, pra puxar conversa, fiz um comentário:

- Pôxa, esse site tem pautado a imprensa pela rapidez com que as notícias surgem, né?

Pra quê! Ele retrucou em voz alta:

- A mim não pauta, não. Eu detesto baba-ovo do governo e esse site é uma porcaria - foi a delicada resposta que ouvi, sentado naquele estofado amarelo, acompanhado pelos meus dois constrangidos amigos.

O Kilriu, que entrava pela primeira vez num estúdio de TV, olhava para os equipamentos, para os técnicos, para o lado, distraído e abstraindo como bom poeta que é, quando o entrevistador, num misto de arrogância e despreparo disparou:

- Aquele ali não tá nem aí, pensa que tá na casa dele. Nem parece que vai dar uma entrevista na televisão.

E o Kilriu respondeu:

- Não tenho frescura não. Não sou fresco.

Respondeu com a maior naturalidade, sem nenhum tom jocoso. Não sei por que o entrevistador ficou tão irritado e quis discutir com ele. Por sorte os câmeras deram o sinal de que a gravação iria começar.

Personalidade estranha
Enquanto a vinheta começava a correr e a musica de abertura tomava conta do estúdio, eu me perguntava se o que tinham dito sobre ele era realmente verdade. Ponderei e resolvi na minha cabeça: tudo bem, ele pode estar de mal-humor. Pode ter tido uma noite ruim ou coisa do gênero, mas quando a entrevista começar vai ter uma postura profissional, afinal é isso que se espera de uma pessoa que se diz jornalista há anos.

Depois da longa propaganda de dois dos patrocinadores do programa, minha crença de que a entrevista seria boa foi embora, assim como todo senso de respeito do entrevistador. Ele começou pedindo para os câmeras darem um close no Saulinho e comentou que se seus cabelos fossem um pouco maiores ninguém veria seu rosto.

Depois perguntou por que a banda Stigma tinha mudado de nome. Devo dizer que essa foi a única pergunta inteligente que ele faria durante toda a entrevista e ainda assim debochou da resposta do Saulinho, depreciando no ar o novo nome da banda.

Em programas de entrevistas, com mais de um entrevistado, é natural que cada pergunta seja dirigida a um dos presentes. Depois desse ataque (sim, nos sentíamos atacados e não entrevistados!) que deixou o Saulinho constrangido ao máximo, ele partiu para o Kilriu.

- Onde a tua mãe tava com a cabeça quando ela te deu esse nome?

Aí ele se superou. Na minha opinião, nesse momento ele ganhou o prêmio mediocridade do ano. Constrangido, Kilriu disse que, apesar de ter sofrido na infância com a pronúncia, hoje entendia que seu nome fazia parte da sua personalidade. Foi quando o "renomado" jornalista, se utilizando do silogismo mais barato e incongruente disse:

- Então você é estranho! É, porque... nome estranho, personalidade estranha!

Gravador na barriga
Depois disso, ele ainda chacoteou com o nome da banda Nicles, fato que não impediu o Kilriu de dar uma aula sobre o conceito estético, a proposta musical e as referências da banda. Sua arrogância e ignorância não permitiram um questionamento sobre o tema. E, cá entre nós, deve ser difícil parecer saber tudo e não conseguir formular uma pergunta sobre surrealismo, existencialismo e rock setentista. Imagino o que não faria um jornalista preparado com uma resposta dessas. Seria um prato cheio de informações, para ele e para o público.

Perdido com a resposta do Kilriu, era chegada a minha vez. Que estética o quê? Falar sobre o número de bandas do festival era muito mais fácil, afinal, era uma das poucas informações que estavam no pequeno breafing que ele guardava ao lado dos indefectíveis copos d'agua com a marca de um dos patrocinadores do programa.

Analisando o modo como a entrevista estava sendo conduzida, não se podia esperar muita coisa das perguntas. Comecei a falar sobre todas as informações do festival, sem pausa para respiração, pois tinha o leve pressentimento de que suas interrupções seriam pejorativas ou, no mínimo, inúteis.

De fato, era perceptível o seu incômodo enquanto eu falava. E olha que eu falo! Quando havia discorrido sobre os vários assuntos do festival, finalizei chamando o público para o evento. Ele tinha tudo para se redimir, mas assinou o termo de despreparo.

- Você tem um gravador na barriga, é? O que é que eu vou te perguntar agora? Você já disse tudo. O que é que eu vou te perguntar?

Quando um padeiro não consegue mais fazer pães ele deve procurar outro ofício.

Gozo sem penetração
Bom, já são quase três páginas de indignação, não sei ainda como publicar isso, nem sei se vou, mas se você que leu até aqui pensa que terminou, ainda falta a "chave de ouro".

Ele perguntou se eu tinha um programa na rádio e eu respondi que não, que quem fazia o programa era o Aarão, da Camundogs. Então o "sagaz" jornalista, expondo toda a sua fragilidade como entrevistador, perguntou algo que não tinha nenhuma conexão com o assunto. Perguntou se eu tinha um caso com o Aarão. Não fiquei constrangido, fiquei consternado. Aquilo era jornalismo?

Nunca fiz curso na área e apresento um programa na TV Aldeia há quase dois anos. Princípios de respeito, de consideração que aprendi em casa, valem quando abordo meus entrevistados.

Ele insistiu na pergunta, se tínhamos um caso e, dessa vez, utilizou-se novamente da sua insuperável lógica:

- Não, porque vocês têm o timbre de voz muito parecido e quando se convive muito acaba que fica tudo meio parecido. Vocês tem um caso, então?

Respondi que sim, entrando no jogo dele, dizendo que tínhamos um caso, mas que não praticávamos penetração e nem gozo facial. A que ponto a gente teve que chegar! Era uma entrevista sobre música, onde vários aspectos poderiam ter sido abordados, desde a cena independente no Brasil até sua relação com o Acre, mas estávamos ali, gravando um programa que é exibido no horário nobre com insinuações sobre a minha vida sexual.

Apesar de não ter feito curso (e que me corrijam aqui todos os jornalistas, estudantes e profissionais) percebi o sacrilégio que havia sido a entrevista.

O entrevistador chamava mais atenção que todos e, diante do que não entendia debochava; constrangia os entrevistados; não perguntava, emitia opiniões e não demonstrava o mínimo preparo para tratar do assunto.

Brinquedo depreciativo
Antes de me sentir ofendido, fiquei triste. Não pela entrevista ter sido horrível, mas em ver como o entrevistador não percebia o quanto era ruim seu trabalho e como ele não tinha noção do real sentido da sua função de intermediador entre o público e os entrevistados.

Será que músicos, artistas ou mesmo outros profissionais necessitam de espaços como estes para a divulgação de seus trabalhos? Qual o significado que tem a música que tocamos no programa, com influências de blues, de rock, com referências poéticas à nossa cultura, depois das chacotas, gozações e constrangimentos que passamos? Aquilo parecia um circo assistido por centenas de pessoas em suas casas. Um circo que deturpa o sentido real das coisas, desinforma e presta um desserviço à sociedade.

Sinceramente, não achava que chegasse a tanto. Não torno públicas minhas opiniões por vingança ou sentimento semelhante, mas pura e simplesmente por indignação ante à mediocridade e por acreditar que comunicação é coisa mais que séria e não pode ser tratada ou vista como um brinquedo depreciativo.

Saudações poéticas e musicais a todos os cidadãos!

(*) Diogo Soares é compositor, vocalista da banda Los Porongas