sábado, 13 de agosto de 2005

JORGE VIANA NO GLOBO

‘O presidente deveria repensar a reeleição’

Ilimar Franco

Perplexo com a crise política que o PT provocou no governo Lula, o governador do Acre, Jorge Viana, diz que a hora é de pensar no país e esquecer projetos de poder político. O petista, que esteve na noite de quinta-feira com o presidente, afirma que, em nome da estabilidade institucional, Lula deveria abrir mão da reeleição. Viana também quer que o PT encare seus horrores de frente e diz que o partido não pode esperar pela CPI e pela Polícia Federal para punir os que erraram. Para o governador do Acre, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu deveria dar explicações sobre o que ocorreu. Dizendo-se atônito com o que está acontecendo, Viana também critica a oposição, a quem acusa de ter sido irresponsável na votação do salário-mínimo no Senado.

Qual sua avaliação do pronunciamento do presidente Lula?

JORGE VIANA: O presidente falou como um chefe de governo. Espero que em breve ele fale como um chefe de Estado. Falar foi importante, mas a situação chegou num ponto, depois do depoimento do Duda Mendonça, que exige mais do que fala, exige atitudes. O PT, por exemplo, tem seus fóruns, não precisa esperar pela CPI nem pela Polícia Federal. Não é possível que ninguém tenha sido punido até agora. É necessário que o PT tome atitudes.

O senhor esteve com o presidente Lula na noite de quinta-feira. Como o presidente se sente na crise?

VIANA: O presidente precisa falar diretamente com o povo. Ele precisa passar a indignação que ouvi dele. O presidente se sente traído. Ouvi dele que se sente como um passarinho sendo devorado por cobras.

O que aconteceu com o PT?

VIANA: Acho que nós confundimos governo e poder. Entendo que, quando se chega no governo, o projeto de poder tem que ficar de lado. Você só tem mais poder se fizer um bom governo. Lamentavelmente montamos um projeto de poder mesmo com a gente já estando no governo. O PT no poder procurou fazer a política que os outros faziam. Não tínhamos o direito de fazer isso.

O que levou o PT a esta situação?

VIANA: Não podemos satanizar o PT. Foram dirigentes que tinham a missão de conduzir o partido que incorreram nesse desvio de conduta gravíssimo. O partido corre risco. O Duda estabeleceu uma conexão entre o partido e a prática de organizações criminosas, como a lavagem de dinheiro.

O que fazer?

VIANA: Para começar quero ouvir a verdade dos petistas. Quero meu partido de volta. Estou absolutamente solidário com o presidente Tarso Genro. Entendo que é preciso dar um choque petista no próprio PT. Há uma luta surda no partido. Isso é inaceitável. Nós já perdemos tempo demais. Não é preciso esperar pela CPI e pela Polícia Federal para agirmos. Sua Excelência, os fatos, estão aí. Agora chegou a vez de Sua Excelência, as atitudes. Não dá para aceitar que ninguém tenha sido punido ainda.

Quais os petistas que deveriam dar explicações?

VIANA: Não podemos ouvir a verdade dos outros, do Marcos Valério e do Duda Mendonça. Temos que cobrar explicações até mesmo dos que se afastaram. Na mais grave crise do partido, não se cobra nada de ninguém.

O presidente diz que foi traído. Por quem?

VIANA: Pelos que montaram e alimentaram esse esquema. Esse esquema não foi criado agora nem inventado por nós. O esquema do Marcos Valério começou em Belo Horizonte com o PSDB.

O presidente se refere ao ex-ministro José Dirceu?

VIANA: Em relação ao José Dirceu estou atrás dessa verdade. O ministro vai ter que falar. Estamos diante de situações novas depois do depoimento do Duda Mendonça. Quem conviveu com isso vai ter que se responsabilizar. Não sei se é o Sílvio, o Delúbio, o Genoino. O José Dirceu também vai ter que dar esclarecimentos.

O senhor se sente traído?

VIANA: Todos os petistas se sentem muito mal. Estamos desamparados. Roubaram nosso sonho. O PT era para ser uma referência e passou a ser um exemplo ruim.

Onde o PT errou?

VIANA: No governo estamos indo bem. O nosso problema desde o primeiro momento foi a política. Foi na construção da maioria. Fizemos relações com aliados, especialistas nesse negócio de governabilidade, pelas regras deles e não pelas nossas. De que isso adiantou? Acabamos de fazer uma reforma ministerial e na primeira votação importante para o país, a do salário-mínimo, perdemos. O Senado se apequenou ao votar o mínimo.

É uma crítica à oposição?

VIANA: A oposição se apequenou. Não teve uma postura compatível com o momento por que passamos. Espero que ela não tente agora adotar um caminho golpista.

O que o presidente deveria fazer para sair da crise?

VIANA: O presidente deveria reunir o Conselho da República e estabelecer um diálogo direto com a sociedade para tratar da crise. Se eu fosse o presidente faria uma grandiosa mudança no governo, uma radical e profunda reforma. Faria um Ministério para governar um ano e meio desatrelado de qualquer tentativa de construir uma maioria. O presidente Lula, dependendo da intensidade da crise, deveria até mesmo considerar abrir mão de sua candidatura à reeleição.

Essa é uma proposta da oposição?

VIANA: A oposição está cumprindo o papel dela. Sabe os danos que está criando para o PT e para o governo. O presidente não faria isso para atender a oposição. O acordo do presidente não seria com a oposição nem com o Congresso, mas com a sociedade brasileira. O presidente faria a opção de governar um ano e meio com uma agenda objetiva, desvinculada de reeleição, e que propusesse uma mudança na legislação eleitoral e partidária. O sistema político brasileiro apodreceu.

O presidente do PT, Tarso Genro, e o presidente da OAB, Roberto Busato, sugerem convocar o Conselho da República.

VIANA: Estou sugerindo que isso seja feito há 15 dias. A crise envolve uma instituição, o Congresso. É fato. Acho que seria fundamental convocar o Conselho e os ex-presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O presidente tem que abrir o coração, abrir o jogo e pedir ajuda. Nós vivemos uma crise institucional. A primeira responsabilidade do presidente não é com o PT nem com o governo, mas com a República.

Governador...

VIANA: Olha, estou me sentindo bastante travado. Não estou legal. Quero pontuar algumas coisas, não quero ficar dando voltas. O presidente precisa adotar outras medidas administrativas. Estou muito descontente com os responsáveis pela execução orçamentária. O risco para a estabilidade econômica não está na execução de programas de governo. A política econômica pode preservar seus objetivos sem prejudicar a eficiência do governo. Nós temos compromisso com os que não têm, com os que não sabem, com os que não podem. O presidente Lula não merece uma execução controlada com mão-de-ferro porque isso prejudica os excluídos, aqueles que para serem atendidos dependem do funcionamento de governos estaduais e de prefeituras. O pessoal está passando dos limites. Falta sensibilidade.

Fonte: O Globo

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