sábado, 13 de agosto de 2005

DIA DOS PAIS

Elson Martins (*)

Não sei - nem quero saber – quem inventou a data e com que objetivo. Imagino que existem versões diversas utilizadas pelos comerciantes em diferentes regiões do mundo. A versão que conheço parece com as de outras datas como dia das mães, dia dos namorados, dia da criança etc. Todas induzindo as pessoas a comprar presentes no comércio, ou pacotes de turismo.


Como socialista à moda antiga, sempre procurei livrar meus filhos da hipocrisia da sociedade consumista e mercantilista. “Isso é coisa da burguesia” – argumentava num tom quase raivoso. E pouco me importava que acabassem por passar algum tipo de humilhação diante de seus colegas “alienados”.

Talvez fosse mais honesto ter dito a eles e a vocês que me lêem agora, que minha aversão a esse tipo de festejo está relacionada à origem de seringal, nos cafundós da floresta acreana, onde nasci e me criei. Lembro que as relações familiares se expressavam naqueles confins sem atenção a datas.

Até o aniversário de um e outro de meus irmãos, em número de 12 ou 13, era marcado apenas pelo cardápio do almoço. Minha mãe pedia à sua auxiliar de cozinha que matasse uma galinha, grande e gorda, permitindo à mesa que alguém, sem afetação, comentasse o motivo.

Creio que o estilo de educação formatado longe dos centros urbanos e no adentrado das matas prevaleceu sobre o aprendizado que acumulei na cidade grande e nas teorias revolucionárias de esquerda. E teria resistido até aos condicionamentos das comunidades conservadoras em que me meti. Até a fase adulta, meus filhos ainda se mostram encabulados ao oferecer presentes - mesmo no Natal e Ano Novo.

Em raras ocasiões, entretanto, eles conseguiram romper com a “disciplina” para, ao seu modo, homenagear-me. Uma delas foi em junho de 2004, quando completei 65. Embora contrariado, me submeti a uma festa montada na casa de um amigo de Rio Branco, percebendo, desde a véspera, que haviam armado cumplicidade contra meus velhos hábitos.

Olha, os dois filhos maiores (tenho seis) – Vássia e Tissiano – me surpreenderam naquele dia (melhor dizendo: naquela noite) ao montar um painel com fotos minhas, em diferentes momentos de minha vida, colando nele textos carinhosos e respeitosos. Nunca me senti tão pai e tão herói!

Lembram da música “ainda somos como nossos pais”, gravada e cantada nos anos 70, com críticas à ditadura militar? Parece que estou vendo a saudosa Elis Regina se desmanchando de emoção no palco ao interpretá-la como ninguém!

Pois meu pai, Chico Martins, em que me vejo, não dava trela a filho. O amor dele se escondia por trás de gestos duros, de difícil tradução. E isso quase nos fez intrigados. Eu, que numa determinada época me tornei boçal a partir de leituras equivocadas, não conseguia ler a ternura que ele, já velhinho, transmitia através de seus olhos umedecidos e embaçados.

Certa vez, eu e um grupo de amigos fizemos um programa na Rádio Educadora de Macapá, que pertencia à Prelazia, sobre o Dia de Finados. Lemos, com voz solta e em jogral, poemas de Manuel Bandeira, Carlos Drummond e João Cabral de Melo Neto, entre outros grandes poetas brasileiros. Ao voltar para almoçar (num domingo pela manhã), vi que meu pai tinha estado o tempo todo com o ouvido colado no seu velho rádio Phillips, cujas válvulas gastas e quentes provocavam chiadeira..

Percebi, então, e minha mãe confirmou de jeito excessivamente cauteloso, que ele tinha chorado em várias ocasiões. Um delas quando lemos versos de Manuel Bandeira, em que o grande poeta pernambucano recomendava a quem o lia:

-Vai ao cemitério, acende uma vela e reza: Não pelo pai, que está morto, mas pelo filho que está vivo!

A memória disso me dói tanto nos dias de hoje! Pai: celebro seu dia com enorme saudade e respeito.

(*) Elson Martins é jornalista acreano

3 comentários:

Anônimo disse...

Dean Christem Freire Bezerra

Nobre Elson, vc não me conheçe, mas sou filho de Maria José (Zezinha) de Sena Madureira e neto de Altair Martins Freire e Humberto Custodio Freire...lá pelas bandas de Guanabara...isso mesmo...minha mãe falou um pouco de você e gostei do que ouví...se quiser entre em contato comigo...abraços!!!www.deansena@zipmail.com.br

Anônimo disse...

Ai ai ai, Elson! Comecei a ler já me preparando pra apertar o peito. Te conheço bem. Não deu outra, tô aqui com aquela lágrima renitente querendo puxar o fio das coisas não feitas, das palavras não ditas e olha que meu pai está ali do meu lado todos os dias. E mesmo ele estando por aqui, não suporto nem ouvir aquela música "naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória..." Pronto...

Anônimo disse...

lindooo textoooo