terça-feira, 12 de junho de 2018

Diagnóstico do governo do Acre constata trabalho infantil em casas de farinha


Reconhecida por sua qualidade e sabor sem qualquer aditivo industrializado, a farinha de mandioca do Acre, mais conhecida como "farinha de Cruzeiro do Sul", é um dos principais elementos da cultura alimentar da Amazônia e do Estado, além de movimentar a economia regional do Vale do Juruá. Produzida de modo artesanal por famílias em tradicionais casas na área rural do Juruá, a produção inclui o uso de trabalho infantil.

O governo do Acre divulgou nesta terça-feira (11), Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, um diagnóstico sobre a situação de trabalho infantil na região que abrange os municípios de Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves, Mâncio Lima, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo.

Foram identificadas 1.443 crianças e adolescentes na composição familiar, sendo que 858 estavam presentes nas casas de farinha. Das 858 crianças e adolescentes que estavam presentes nas casas de farinha, 617 (72%) estavam em situação de trabalho infantil, envolvidas nas atividades de produção da farinha e 241 (28%) informaram que no período que estavam nas casas de farinha, não faziam nenhuma atividade ligada a produção.

O documento intitulado "Diagnóstico da Situação de Trabalho Infantil nas Casas de Farinha da Regional Juruá-AC" decorre de ampla pesquisa pesquisa conduzida pela equipe da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds)junto às famílias que trabalham na produção de farinha de mandioca e famílias com presença de crianças e adolescentes.

— O diagnóstico é consequência do olhar atento de um médico que atendeu uma criança com vários ferimentos, fez perguntas e descobriu que os irmãos dela também apresentavam ferimentos por acidentes de trabalho nas casas de farinha - disse ao blog a diretora de Política de Assistência Social da Seds, Claudia De Paoli.

Depois disso, a situação chamou a atenção da imprensa, do Ministério Público do Trabalho em parceria com o Ministério do Trabalho, Fórum Estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, gestores dos cinco municípios da regional e a sociedade.

De acordo com o documento, todas as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes nas casas de farinha podem ser consideradas de risco. O ambiente é insalubre, destacando-se a raspa da mandioca, que é realizada com a utilização de ferramentas perfurocortantes (facas) extremamente afiadas, e requer rapidez no processo de retirada da casca, além de extrema habilidade.

Os acidentes são costumeiros e cotidianos na torra da farinha, atividade realizada em forno a lenha, que requer resistência física. O responsável pela atividade fica exposto a altas temperaturas e a fumaça decorrente do processo.

Das 858 crianças e adolescentes entrevistados, 467 (54,4%) informaram que frequentam as casas de farinha para não ficar só em casa, seguido de 362 (42,1%) que ajudam os pais.

Das 446 famílias entrevistadas na Regional do Juruá, 409 (91,7%) são beneficiárias do Programa Bolsa Família.

Consta no documento, que "o diagnóstico não tem objetivo de apontar soluções, mas sim apresentar dados para subsidiar a formulação de políticas públicas que possibilitem ações preventivas, e no caso da situação de trabalho infantil nas casas de farinha, ações pró ativas e intervencionais. Contudo alguns apontamentos se fazem necessários."

O diagnóstico assinala a “desproteção social” das famílias e sugere uma "leitura analítica e territorial dos dados, ou seja, considerar os fatores territoriais amazônicos que, dificultam e em determinados períodos, impossibilitam a oferta de políticas públicas, principalmente da politica de assistência, posto que, essa é desenhada de forma única para todos os estados brasileiros."

— Precisamos também considerar os fatores culturais e peculiares das populações amazônicas com muita responsabilidade para que, ao invés de efetivar o papel de proteção e garantia de direitos da política de assistência, não passarmos a reforçar as violações de direitos presentes nesses territórios e, por décadas encobertas pela cortina da caracterização irresponsável, quando levamos ao campo da subjetividade e do senso comum, os indicadores de violação de direitos de crianças e adolescentes residentes nesses territórios — conclui o diagnóstico.

Nenhum comentário: