quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Legislador faz terrorismo com o terrorismo

POR LUIZ FLÁVIO GOMES

O inimigo da vez é o terrorista. A Copa do Mundo está chegando e a pressão popular e midiática aumentando. Faltava o pretexto, que veio com os aloprados “Black Blocs” bem como com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, durante os protestos no Rio de Janeiro. Enquadrar o terrorista na antiga Lei de Segurança Nacional constitui um duplo problema: de legalidade (porque ela não descreve os atos terroristas) e de lembrança da ditadura militar. Algo precisa ser feito imediatamente. Foi acionado o botão verde do deplorável populismo punitivo. O legislador brasileiro populista, de olho nas próximas eleições, está se comportando de forma mais terrorista que todos os supostos terroristas. Ele diz que vai fazer a sua parte, aprovando leis novas mais duras. Típico charlatanismo, que espelha um tipo de bandidagem política.

“Quando você pune levemente, você passa para a sociedade a ideia de que o crime compensa. E o crime não pode jamais compensar” (lição moralista sobre a criminalidade, vinda justamente de quem, pela sua experiência parlamentar, entende do assunto: Renan Calheiros). O primeiro vice-presidente do Senado, o petista Jorge Viana, num surto de histeria e abominável oportunismo, completou: “Foi, sim, uma ação terrorista o que nós vimos na manifestação” (do RJ).

Emocionalmente sim, jurídica e tecnicamente isso é uma aberração incomensurável, porque confunde o crime comum com o terrorismo. E é o que o irresponsável e irracional legislador, sob “o fogo das paixões” (como dizia Beccaria), está prometendo fazer: deve aprovar um projeto (Romero Jucá foi relator) que transforma todo crime comum que cause “terror ou pânico generalizado na população” em terrorismo, esquecendo-se que este exige uma finalidade ou motivação específica (religiosa, política, ideológica, filosófica, separatista etc.), como tínhamos definido na nossa Comissão de Reforma do Código Penal.

Na sociedade do espetáculo (Debord, Lipovetsky, Vargas Llosa), a lógica da legislação penal emergencial e populista é sempre a mesma: agir logo em seguida a um fato espetacularizado pela mídia, no calor dos acontecimentos e, se possível, com o cadáver ainda sobre a mesa. Assim ocorreu após o sequestro de Abílio Diniz (veio a lei dos crimes hediondos), o assassinato de Daniela Perez (segunda lei dos crimes hediondos), o escabroso assassinato da Favela Naval (lei da tortura), o escândalo dos anticoncepcionais (lei dos remédios falsos, prevendo dez anos de cadeia para a falsificação de esmalte), os ataques do PCC (lei do RDD), a violência nos estádios (estatuto do torcedor) etc.

Aviso importante ao leitor desconectado: nenhuma dessas leis (150 no total, de 1940 a 2013, sendo 72% punitivas) nunca jamais diminuiu qualquer tipo de crime no Brasil. Pura performação simbólica. Mas boa parcela do povo gosta de mais leis, daí o rendimento eleitoral. O sucesso do charlatão está sempre ligado à existência de quem acredita nele. É hora de o brasileiro medianamente informado dizer que não quer mais cumprir o papel de otário.

Luiz Flávio Gomes é jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

4 comentários:

Unknown disse...

"...O sucesso do charlatão está sempre ligado à existência de quem acredita nele..."
Irretocável.
Essa é a reflexão que desnuda o rasteiro caráter dos políticos brasileiros e em especial dos acrEanos.
É preciso constrange-los com a simplicidade da verdade quando a mentira se faz regra.
Isso nos leva ao caminho de uma "democracia da população" e não mais uma democracia feita para os "representantes" da população.
É o fim do "Estado", sempre omisso e que despreza os brasileiros.
Mas é o início da Nação.

Vitor N12 disse...

Influência da mídia, ano eleitoral, falta de técnica legislativa, ingredientes perfeitos para o surgimento de um direito penal simbólico.

Juarez Nogueira disse...

Dizem que ela existe
Pra ajudar!
Dizem que ela existe
Pra proteger!
Eu sei que ela pode
Te parar!
Eu sei que ela pode
Te prender!...

Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia...

Dizem pra você
Obedecer!
Dizem pra você
Responder!
Dizem pra você
Cooperar!
Dizem pra você
Respeitar!...

Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia...

Juarez Nogueira disse...

"Dizem que ela existe
Pra ajudar!
Dizem que ela existe
Pra proteger!
Eu sei que ela pode
Te parar!
Eu sei que ela pode
Te prender!...

Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia...

Dizem pra você
Obedecer!
Dizem pra você
Responder!
Dizem pra você
Cooperar!
Dizem pra você
Respeitar!...

Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia..."

"Espetacularização" e "calor dos acontecimentos" sabe bem o que é isso quem já teve uma arma apontada para os seus miolos, a faca no pescoço, a casa invadida pela truculência dos bandidos, viu um familiar assassinado - sem ter reagido - a um assalto ou porque simplesmente estava praticando o displante de exercer um trabalho honesto. O resto é mimimi. O cidadão trabalhador, pagador de impostos, cumpridor de seus deveres, esse quer é ordem, segurança, é tranquilidade no seu direito de ir-vir-estar com respeito às garantias constitucionais, à lei erga omnes, não esse arremedo de democracia (?) do "nós" e "eles", onde criminosos com foro privilegiado (e nem carece citar a imoralidade dos fatos recentíssimos na cena política instalada no país...) debocham da Justiça e movimentos quebra-paus, ditos "sociais", são sindicalizados, partidarizados e remunerados, ativismo (?) de aluguel. Seria o bastante aplicar de fato e com celeridade as leis que já existem, inclusive a LSN (mais branda que essa tal lei antiterror), mas a sabotagem é premeditada, para garantir a impunidade a posteriori num aranzel de recursos em um sistema judiciário bichado. Até porque, vai que um "deles" seja enquadrado, né? Aí...