segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Há 25 anos, Jornal do Brasil não quis publicar ameaças à vida de Chico Mendes

POR EDILSON MARTINS 


A pouco mais de um mês de completar 25 anos do assassinato de Chico Mendes, ocorrido no dia 22 de dezembro de 1988, em Xapuri (AC), recebo do jornalista Altino Machado, do Blog da Amazônia, a mensagem a seguir, que contém relevante depoimento e indagação:

- No dia 18 de dezembro de 1988, numa banca de revistas, em Rio Branco (AC), encontrei o líder sindical e ecologista Chico Mendes (1944-1988) pela última vez. Estava triste ao constatar que o Jornal do Brasil não havia publicado naquele domingo uma entrevista dele. Quatro dias depois, em Xapuri, Chico Mendes foi assassinado. Qual é a história daquela que ficou conhecida como a última entrevista do seringueiro, concedida a você, Edilson Martins?

Vamos lá. Chico Mendes telefona dizendo encontrar-se em São Paulo, e que agora as ameaças sinalizavam, de verdade, sua morte. Corriam os dias de dezembro de 1988; se esse é o ano da Nova Constituição, da greve na CSN, no Rio, ainda temos que suportar as sobras da ditadura militar, José Sarney, presidindo o país. Na lata, respondi: “Dá um tempo, vou tentar um depoimento teu no Jornal do Brasil”. Naqueles anos, o JB era um dos grandes jornais, ainda, do país, apesar da crise financeira comendo pelas bordas.

Leia a entrevista histórica:

"Quero viver para salvar a Amazônia"


Vou até a Av. Brasil, procuro o jornalista Zuenir Ventura, que editava um Caderno Especial, e falo da morte anunciada. Ele reage, dizendo não saber de quem se tratava – em verdade ninguém sabia, e combinamos de eu fazer a entrevista. Ligo para Chico, peço que venha correndo ao Rio, e até argumentei: “Mano velho, com esta entrevista eles vão ter que adiar, pelo menos uns dois ou três meses, tua morte”.

Ao chegar ao Rio, começamos a gravar, e dois dias depois o texto estava concluído. Vou ao JB, e entrego, em mãos, a entrevista ao Zuenir. À noite, corria talvez o dia 7, ou 8 de dezembro, convido-o para comer no Lamas. Ele baixa a cabeça, como se estivesse emburrado; “Tô sem grana, e você gastando dinheiro comigo.”

Fomos ao Lamas, bar boêmio do Rio, até hoje, mas  àquela época reunia a nata dos profissionais que “fechavam” a primeira página dos grandes jornais. Adentramos, falei com muitos “coleguinhas”, fui a algumas mesas com o Chico ao meu lado, e ninguém, sequer ninguém, perguntou quem era aquele caipira, roupas fora do padrão, gordinho, quase um capiau. Terminamos por dividir um PF (prato feito).



No sábado, corro às bancas em busca do Caderno Especial, e vejo que a entrevista não saíra. Entro em pânico. Procuro o Zuenir e sou informado que se encontrava em Vitória, no Espírito Santo, mas que segunda-feira retornaria ao jornal. Na segunda, na redação, ele me diz que a matéria não saíra porque eu estava trazendo mais um cara que politizava demais a questão ambiental. Essa era a opinião do jornal.

– Quem?

– Os dois diretores: o Marcos Sá Correa e o Roberto Pompeu.  Não tem “gancho”. Ninguém sabe quem é ele.

– Bom, o jornal vai esperar o cara ser assassinado? A morte dele está anunciada.

No dia 22 de dezembro, à noite, o jornalista Elson Martins (não é meu parente) me telefona de Rio Branco (AC), ligação péssima, e informa que o Chico havia sido “atocaiado” dentro de casa, e certamente morrera. A atriz Cássia Kiss, que morava em minha casa, entra em pânico. Ela o conhecera e, curiosamente, o que o país queria saber, naqueles dias, era quem matara Odete Roitman, numa novela da Globo. Havia sido a própria Cássia.

Já pela manhã recebo os parabéns do JB, por ter dado, via minha entrevista, um “furo” com a matéria, de lauda e meia, sobre a morte. Quase os mandei a puta que os pariu, e procurei o jornalista Fernando Gabeira. Conto a história, e ele conhecia muito bem o Chico Mendes. Gabeira diz que vai entrar em contato com a Folha de São Paulo, e falar com Otávio Frias Filho. Podíamos, acreditava o Gabeira, publicar na íntegra o último depoimento do Chico.

Como tudo na vida, houve um senão. Datilografara a entrevista, nove laudas, na minha valente Olivetti 22, sem carbono, portanto, sem cópias, já que os existentes não mais prestavam. Deixo Santa Teresa, onde morava, e na redação do JB sou cumprimentado, recuso, lembrando a não publicação da entrevista no Caderno Especial. O que queria eram as laudas, e então comecei a “blefar”. Precisava “blefar”.

– Vim comunicar, embora tenha as cópias das laudas – não tinha –, que preciso dos originais, já que vou publicá-la, na íntegra, na Folha de São Paulo.

O clima não era nada sereno, e um deles replica:

– Nada disso, vamos dar uma página inteira aqui no JB, não mais no Caderno Especial, mas no 1º Caderno, na íntegra.

Sugeri, lembro-me bem, uma página ímpar, o que foi feito, e o Roberto Pompeu foi mais longe:

- Vamos fazer um pequeno editorial, na primeira página. Preciso de um texto seu com subsídios. Era a primeira vez que se fazia um editorial na primeira página.

Feito o acordo, o JB publica na íntegra o testamento, Chico Mendes passa a ser Chico Mendes, o país fica perplexo, e neste último depoimento nomina os mandantes, assusta o mundo, dado as razões de sua morte: defesa intransigente do meio ambiente – e o jornal ganha mais uns 12 anos de vida digna.

Que fique claro um detalhe: no lugar de Marcos Sá Correa e Roberto Pompeu, eu, se editor fosse, não teria agido de forma diferente. Chico Mendes não tinha “gancho” para ganhar uma página inteira politizando, como de fato estava fazendo, a questão ambiental.

O que surpreende, e aí já não é mais um detalhe, é a performance do Zuenir.  Desloca-se para o Acre, por convencimento meu, inclusive num voo comigo, onde lá nunca antes estivera, produz uma série sobre a morte de Chico Mendes, por sinal, boa, posto que ajudado pelo jornalista Elson Martins, que não tem nenhum parentesco comigo, repito, e a partir daí passa a ser o Torquemada dos assassinos e mandantes.

Zuenir ganha um prêmio Esso, certamente com muito lobby, escreve um livro, adota o Garoto Genésio, uma das testemunhas juradas de morte, que hoje ninguém sabe aonde se encontra, e vira amigo de infância, tendo jogado peteca, com certeza, nas barrancas do rio Acre, com Chico Mendes. Certamente, toda essa proeza, foi o seu maior feito jornalístico, mestre Zuza.

Quem é Edilson Martins

Jornalista e escritor acreano radicado no Rio, trabalhou e ainda colabora na grande imprensa brasileira. É autor de oito livros: “Nossos Índios, Nossos Mortos”; “Amazônia, a Última Fronteira”; “Nós, do Araguaia”; “Makaloba” e “Chico Mendes”, entre outros.

Dirigiu o documentário “Chico Mendes”, entre outros, onde é feita a narrativa de sua morte, tendo sido, na primeira década dos anos 1990, um dos mais exibidos no mundo. Já ganhou o maior prêmio televisivo do país, o “Wladimir Herzog”.

No ano passado, lançou a série televisiva “AmazôniAdentro”, uma revisitação à região nos últimos 120 anos.  Tem novo livro pronto, “A Viagem de Bediai”, e trabalha na produção de uma grande série para a TV sobre a região amazônica.

Um comentário:

joaomaci disse...

Sou de Xapuri e com minha visão, de então menino, acompanhei muita coisa sobre este período. Depois, por ocasião de meus estudos, li e ouvi quem pude sobre este assunto e constatei que há aí grandes desencontros de versões.
Sem qualquer questionamento à sua versão Edilson Martins, que tem todo o meu respeito, se o Chico Mendes era alguém anônimo e não tinha "gancho", como era então aquela relação que ele possuia com algumas pessoas do PV do Rio, como o Sirkis, o próprio Gabeira, ou com a atriz global, ou com pessoas como o João Fortes?
A julgar pelo que você coloca sobre o Zuenir Ventura, me parece que a história (ou a versão que possuo)precisa mesmo ser recontada. Inclusive para desfazer algumas insinuações de que os Vianas também teriam jogado peteca com o Chico Mendes, por exemplo.