quinta-feira, 21 de março de 2013

DEUS E O DIABO

POR ITAAN ARRUDA

As fotos românticas do comércio na rua Cunha Matos (atual Eduardo Assmar) da década dos 30 já expõem como começamos errada a ocupação às margens do Rio Acre. Não é julgamento. É constatação. De lá pra cá, todos sabem, a coisa foi piorando.

O professor de Geografia mais modesto até o pós-doutor da Ufac já têm pronto o argumento sobre a “ocupação racional dos espaços urbanos”; “preservação das matas ciliares”; “planejamento urbano” etc. etc. É importante referenciar o ambiente para poder entender qual a lógica, talvez “técnica”, por traz do projeto Cidade do Povo.

Ora, sempre se soube que era preciso retirar das margens dos rios as famílias pobres e extremamente pobres, atingidas pela alagação todos os anos; que o local onde ergueram casas, comércios, pequenos roçados era, na verdade, para existir floresta. Pois bem. Por esse aspecto, o projeto Cidade do Povo precisa ser defendido.

E o Governo e Prefeitura não são os mais autorizados a passar pito em ninguém. Há vários aparelhos públicos construídos nessas áreas inadequadas. Mas, o fato é que a situação está posta.

É preciso tornar o rio, portanto, o mais defendido possível por mata. Para isso é preciso deslocar milhares de famílias para outra região. A necessidade dessa “migração” forçada na “mancha urbana” parece ser consenso. A polêmica, no entanto, não trata da pertinência do projeto.

Para ser generalista, o ponto nevrálgico guarda relação com o lugar escolhido para a execução do empreendimento. E isso está longe de ser um aspecto desprezível. A área pertencia à Wilson Barbosa e foi comprada pelo Governo.

O Ministério Público entrou com duas ações civis pública exigindo a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental mais consistentes. A Justiça negou a ação em primeira instância por duas vezes.

A vereadora Eliane Sinhasique (PMDB) também tem dado várias declarações sobre a inadequação do local escolhido, inclusive mostrando os problemas que apresentam outros projetos habitacionais recentemente entregues pelo governo.

Que as declarações da vereadora são recheadas de ideologia e “política”, ninguém é ingênuo de negar. Mas, a diferença é que as declarações dela são acompanhadas por fotos. Reais. A exigência do MP também é legítima, mas ignorada. Não é preciso muita inteligência para perceber que nem a vereadora e nem os quatro promotores que assinam a ACP “são contra as casas para o povo”. Não há sentido nisso.

A frase proferida na assinatura dos contratos na última segunda-feira alertando que “muitos vão rezar 24 horas por dia para esse empreendimento fracassar” é de um maniqueísmo absurdo. É o velho raciocínio de que “o bem está representado nos meus argumentos e o inferno são os outros”.

A estratégia cínica de rotular qualquer questionamento ao projeto como “ser contra a dar casas para o povo” não responde ao bom republicanismo. O problema de fundo é que o tempo republicano nem sempre se harmoniza com o tempo exigido pela política e o calendário eleitoral. Aí, já são outros barrancos.

Itaan Arruda é jornalista da Gazeta

Um comentário:

joaomaci disse...

Enquanto utilizarem a máquina estatal para acelerar o crescimento da pobreza, e extrema pobreza; enquanto os dispositivos legais de regulamentação da propriedade imobiliária continuarem a favorecer a concentração e a especulação fundiária; e enquanto as vozes de oposição continuarem entretidas em discutir se o local onde se depositam os pobres está ou não está adequado, testemunharemos sempre a transformação de problemas centrais da sociedade em meras picuinhas como esta que presenciamos hoje com a tal "cidade do povo".
Os políticos gritam, esperneiam a favor ou contra o projeto, discutem sua autoria, mas ninguém questiona um "a" sobre as causas que levam ao déficit habitacional no caso do Acre, especialmente Rio Branco, que concentra praticamente 50% da população do Estado. Alguém tem deixado de agir nas causas do problema...