segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O FEIJÃO QUE O NOSSO UMBIGO NÃO ENXERGA

Felipe Milanez, Terra Magazine


A Amazônia, em sua diversidade gastronômica, lembra a região francesa da Provence. A frase, ou a idéia, é atribuída a Darcy Ribeiro. É mesmo uma provence, tão diversa e sofisticada nos temperos e sub regiões de produção, mas só que muito, muito maior.

Mas as comidas amazônicas não se abrem ao visitante apressado, com o olhar ainda dominado pelo exotismo, como ocorre no antigo velho mundo (antigo porque hoje já se sabe que aqui não tem nada de "novo", e lá, nada de "mais velho").

É preciso andar pela região para descobrir as diferenças da farinha de tapioca de Belém, Manaus ou Cruzeiro do Sul. Sentir um açaí mais aguado, outro encorpado. Apreciar uma pupunha cozida de uma região, e comer um tucumã no sanduíche em outra - todos genericamente chamados de "coquinhos", mas que em cada canto descobre-se tantos coquinhos diferentes, quanto formas de prepará-los: assado, cozido, cru, espremido, como óleo para encorpar um caldo, com carne, com outros vegetais.

Em Cruzeiro do Sul, no Acre, acompanhado de meu amigo Bira Nixiwaka, cacique do povo Yawanawa, que já morou nessa cidade, experimentei um pouco da diversidade gastronômica particular da região do rio Juruá, apresentada por ele. Por exemplo, algo comum em outras partes da Amazônia, mas com um sabor do terrain regional: açaí encorpado, com açúcar mascavo chamado de gramixó e com uma farinha de tapioca que lembra, sem exagero, uma pipoca. Mas sem ser gordurosa, e muito, muito mais saborosa.

6 comentários:

Roberto Feres disse...

Um bom exemplo são os feijões encontrados no mercado de Cruzeiro. Ali tem à venda sempre mais de meia-dúzia de variedades, um melhor que o outro. Tem um branco minúsculo excelente para saladas, o gorgutuba, que dá caldo grosso para se preparar com jabá. Feijão pra baião-de-dois, para cassoulet, de corda, preto, roxo, amarelo, branco, pequeno, graúdo, a gosto do freguês.

Fátima Almeida disse...

Quando a estrada ficar pronta, essa que liga Cruzeiro do Sul ao resto do país, só haverá em seus supermercados, mercearias e feiras, o feijão carioca, da marca Tia Elisa como ocorreu aqui em Rio Branco, após a BR-364 ligar a cidade à Porto Velho,quando se formou essa dependencia dos produtos de fora eliminando a produção local que existia com igual variedade...

vilmar boufleuer disse...

Então vamos fechar a estrada!?

Roberto Feres disse...

Estive em Santa Rosa e não tinha ovo. Fui para Mal. Thaumaturgo e tive que levar cebola, alho e tomate (o colega que estava por lá reclamou na véspera que não havia temperos para a comida). Hoje me disseram que o tomate custa R$10 em Cruzeiro do Sul.
Não tenho dúvidas sobre a importância da estrada, mas ela não vai mudar em nada essa realidade se não começarem a diversificar a plantação de macacheira...

Janu Schwab disse...

O acreano, diz minha avó Zilma Maia, hoje radicada em Brasília por motivos de saúde (e de saudade, tendo em vista que marido e primogênito fizeram a passagem por lá), precisa resgatar com urgência o que é seu de fato, por direito e acervo.

O Acre resgatou o orgulho e exarcebou o bairrismo, mas parece ter esquecido dos seus gostos e sabores mais apurados. - É vaidade pra paulista ver, Januário, diz a vó.

Dona Zilma, antes de se mudar de mala e cuia, já reclamava da falta de sucos mil por essas bandas (fato que se comprova: em qualquer birosca só se vê e prova a ditadura do caju, maracujá e, vez ou outra, cupuaçu), mas também dos quitutes de ontem, hoje reduzidos a bombons de cupuaçu e quêbes (que, façamos justiça, são o último reduto democrático dos manjares nossos).

Horrorizou-se Zilmó, quando foi dar com a língua nos tacacás que vendem na praça da Catedral (que leva o nome do avô, mas fica por ser da Catedral mesmo, pois assim sempre foi) e constatou que enfiam no caldo famoso, não só o cheiro verde, a pimenta-de-cheiro, mas, o tal glucamato de potássio, conhecido pela ajinomoto. Torceu o nariz.

Foi-se o tempo do umbu, cajá, da graviola maceta, do ingá-de-macaco, do araçá-boi, do picolé de buriti e do pé-de-moleque enrolado na folha de bananeira que se comprava fácil no mercado dos colonos - reclamou ela, quando a vi começo do mês.

Daqui a pouco somem com o pão pé-duro e com a manteiga Aviação, brinquei. Ela emendou:

- Aí, lascou-se, meu filho...Jáuera a acreanidade!

Exagero ou não, o reclame tem seu valor. É um Acre que é verdadeiramente nosso. Enfim... Saudade da minha avó. E da tapioca com leite-de-castanha que ela faz.

Unknown disse...

Caro Janu, gostei bastante do seu texto e gostaria de completar essa sua lista de frutas com um "ingrediente" que fez parte da minha infância mas que hoje infelizmente não se encontra facilmente, o delicioso BIRIBA!

E lendo os comentários quanto a culinária do nosso estado, é bem verdade que aos poucos ela está perdendo a força, a essência, o sabor.... Enfim, está perdendo a identidade! Cabe a cada um de nós preservar e valorizar tais alimentos que são parte da nossa cultura e da nossa história!

No mais, estamos abertos ao novo e principalmente a tudo aquilo que nos faz falta, por tanto, que venha a estrada, afinal, a população cruzeirense está cansada de tanta exploração!