segunda-feira, 13 de setembro de 2010

HERMENÊUTICA DA LEI DA FICHA LIMPA

João Tezza

Muito se tem discutido a respeito da aplicabilidade, ainda para essas eleições, da Lei da Ficha Limpa. Li na mídia que se o presidente do STF, ministro Cezar Peluzo, for decidir pelo voto de minerva, sua tendência, como julgador, seria a de aplicar, ao caso, o "princípio" da anualidade.


A mídia errou. Foi tomada pela importância da notícia e equivocou-se quanto à importância da Justiça. Sem trocadilho infame, anualidade não é princípio, se for, é princípio de nada. Como divisão de tempo (produto cultural) anualidade nem regra é. Pode, no máximo, ser praxe ou convenção contratual desde que os contratantes assim o queiram.

Princípio, em termos jurídicos, se sobrepõe à lei porque existe, vige e ocorre, independentemente de qualquer vontade, regra ou convenção, ou seja, princípio está acima e independe de tempo ou espaço.

A partir dessas premissas verdadeiras, temos, nos dias de hoje, a sociedade exigindo a prestação jurisdicional para o seguinte fato: a lei que exige ficha limpa dos candidatos que renunciaram aos cargos eletivos vale para essa eleição, se nossa Constituição tem, como cláusula pétrea, a previsão legal no momento do ato em julgamento?

Como exemplo prático, citamos nosso Código Penal que antes da atual Constituição, em obediência a constituições anteriores, estabelece o princípio do nulla poena, nullum crimen sine lege previa.

Note-se que o princípio não é temporal. Trata-se de questão acerca da responsabilidade, culpabilidade, imputabilidade etc. Hoje, por determinação expressa da Constituição, ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão em virtude de lei.

O mérito da questão levada ao STF para definir a “tendência” do Judiciário na aplicação da Lei da Ficha Limpa é o seguinte: se o candidato renunciou, anteriormente, ao mandato para fugir de alguma pena, pode ser penalizado, no futuro, por essa renúncia pretérita?

Minha resposta, como advogado de roça, é sim. A lei, assim como as constituições são elaboradas para vigir e servir à sociedade (a aldeia de Tolstoy, equivocadamente, atribuída a Marcuse), hoje, a tão em moda “comunidade” que abrange, em termos culturais, da favela do Cantagalo à “comunidade globalizada”.

Tão globalizada que, em Rio Branco, que não tem morro (só barranco), para justificar o “esquadrão da morte” -eufemismo para uma atuante quadrilha de assassinos, comandada por um delegado local- inventaram o Morro do Marrosa, onde residia, e a ele deu seu nome, um pobre coitado, viciado e doente, estúpida e covardemente assassinado pelas “forças de segurança” locais.

Para imitar as chacinas, já então comuns no Rio de Janeiro, o fuzilaram ao mesmo tempo que o povão comemorava, com barulhento foguetório, algum jogo de futebol.

Pois é, como diz o Silvio Martinelo, o Acre é pobre, mas é enjoado. Quando se fala que o STF vai decidir a questão, o Tribunal Regional Eleitoral do Acre, já decidiu acertadamente, há muito tempo, a aplicabilidade atual da Lei da Ficha Limpa.

Porque qualquer um sabe que a lei é feita para a sociedade e não para o indivíduo. Os direitos individuais são um reconhecimento da sociedade que todos, “os indivíduos”, são iguais perante a lei etc.

Assim, se a renúncia de algum mandato se operou “dolosamente” para fugir a uma pena que a sociedade impõe ao mandatário político, ela está aplicando a si mesmo um castigo, permitindo ser governada, politicamente, por um marginal. É como o malandro tirar férias da cadeia e depois contar o “tempo das férias” para cumprimento da pena.

Entendeu? Minha senhora, perdoe-me. Sou prolixo.Vou tentar explicar novamente: a anterioridade da lei é um princípio aplicável a um todo (a sociedade), não ao indivíduo (no caso, o malandro) em detrimento da própria sociedade, ou do poder do Estado. Nunca é demais lembrar que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

A questão: o sujeito renunciou para escapar da lei (tirou férias da cadeia, para o malandro que fugiu) pode, depois da renúncia voltar à boquinha, ou as imensas tetas governamentais, é uma questão constitucional?

Nem na China.

Bobbio, elegante como bom italiano, desprezando a hierarquia das leis, diria que estamos diante de uma “falsa” dicotomia. Kant (Crítica da Razão Pura), com sua franqueza germânica, diria que o problema é inexistente. E tem razão, não existe. Só existe na cabeça do malandro para fugir da cana e na idéia dos mal informados para “fazer” justiça, atendendo, na maioria das vezes, equivocadamente, os interesses políticos de plantão.

Reconhecemos que, à primeira vista, o problema é complexo. Houve nos Estados Unidos da América o caso de um neto que matou o avô que ainda em vida, havia deixado ao neto, seu patrimônio por testamento. Como o avô estava apaixonado por uma mulher, o neto percebendo que se o avô casasse revogaria o testamento do qual era único legatário, o matou.

No aspecto criminal nenhuma dúvida. O réu (neto), provada a materialidade e a autoria do crime, iria para a cadeia. A pergunta que o Tribunal respondeu, ao povo americano, quando julgou o caso foi: o neto (assassino), sim, iria para a cadeia, mas rico ou pobre?

A questão é pertinente e atual porque a lei (regra) diz, expressamente, desde os primeiros tempos da civilização que só quem pode revogar um testamento é o testador. Ninguém mais. E, no caso, o testador morreu sem ter revogado seu próprio testamento.

O Tribunal de Nova Iorque, no caso Riggs versus Palmer, decidiu que o neto iria para a cadeia pobre, porque "ninguém pode beneficiar-se de sua própria torpeza".

Concluindo: quando, aplicando a regra, o juiz nega vigência ao princípio, julga equivocadamente. Para fazer justiça deve aplicar, sempre o princípio, em detrimento da regra.

Como “tempo” não é principio de nada, e não existe princípio da temporalidade (nem fim) danem-se os espertinhos que renunciaram para não ir em cana.

Até porque, os homens e Deus concordam sem divergência: o universo e o tempo são infinitos. O povo não pode sempre (ou infinitamente) ser feito de otário.

Há um limite, inclusive, para a sua paciência, senão, nunca teria havido revoluções.

João Tezza é advogado no Acre

8 comentários:

Terra disse...

Eu que nem advogado sou, sei que
fazer justiça nem sempre é tão fácil como aplicar o direito.

Janu Schwab disse...

Bom demais seguir a linha de pensamento do Tezza. Parabéns.

@MarcelFla disse...

Maravilhoso, parabéns!

Unknown disse...

Muito bom! Espero que todos leiam esse texto!

Edkallenn disse...

Vou ter que dividir o comentário em 2.
parte 1:

Não há erudição que exprima o fato de a lei ser absurda e de efeito prático praticamente nulo. Ela é inconstitucional sim!. Faço minha as palavras do Ph.D Idelber Avelar do blog "O Biscoito fino e a massa":


"Os vestais da moralidade que formaram a base de sustentação cidadã da Lei “Ficha Limpa” estão estupefatos. Perplexos, constatam que a lei não mudou o Brasil! Que surpresa, os corruptos estão todos por aí! Já sancionada por Lula, a lei gerou 1.080 impugnações de candidaturas, 19 delas definitivas. Salvo desatenção deste blogueiro, nem um único dos mais visíveis apoiadores da lei até sua sanção—seja pessoa física ou jurídica--veio a público comemorar, saudar, aprovar ou celebrar em qualquer tom os resultados do “Ficha Limpa”. Suspeito que é porque os resultados são um desastre, e nem de longe autorizam a suposição de que encaminham o que os seus autores esperavam, ou seja, a tão propalada moralização da política (em nome da qual a coalizão de apoio ao “Ficha Limpa” aceitava dar uma pisadinha no Artigo 5o, inciso LVII, que estabelece a presunção de inocência na Carta da República)."

"O Supremo, claro, já avisou que vai dar uma protelada na palavra final, no que faz muito bem: a sociedade que permitiu que geringonça tão flagrantemente inconstitucional se impusesse como lei deve arcar durante algum tempo com as consequências. Os resultados práticos, até agora, são o que se sabe: Heráclito Fortes conseguiu liminar com Gilmarzão—de pouca monta, porque Heráclito vai perder no voto—enquanto que o vereador Aldo Santos, do PSOL de São Bernardo do Campo, que utilizou um automóvel da Câmara em apoio a um ato do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, num uso claramente legítimo do mandato, se encontra, no momento, impedido de concorrer. Paulo Maluf, claro, continua com a “Ficha Limpa”. É possível recitar um rosário de semelhantes inconsistências nos resultados do “Ficha Limpa” quase no país inteiro."

"Como há muita confusão até hoje (maior entre os apoiadores do “Ficha Limpa”), é importante oferecer à leitura o texto da Lei Complementar n. 135/2010, e ressaltar que ela não retira a elegibilidade como consequência de condenações “em primeira” ou “em segunda instância”, posto que a lei não usa esse vocabulário da instância. Ela declara inelegíveis:

os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado,

Ou proferida por órgão colegiado, bidu, é o pedacinho chave, claro. Para incontáveis brasileiros, um “órgão colegiado” pode ser a primeira instância. Qualquer prefeito que for a julgamento por improbidade administrativa já o será por órgão colegiado. É inacreditável, mas quase ninguém que apoiou o “Ficha Limpa” sabia que estava concedendo ao Tribunal de Justiça do Maranhão, por exemplo, a prerrogativa de facto de declarar unilateralmente quem é e quem não é elegível no estado. Coisa boa não podia dar. Legislavam para o Brasil como se estivessem legislando para a Holanda."

"Depois de derrubado o argumento de que o Projeto—agora Lei--"Ficha Limpa” moralizaria, ou contribuiria para moralizar, a política brasileira, restaram três fundamentações principais audíveis por aí, todas bastante frágeis, me parece. Elas são: 1. o argumento de que mesmo que se considere a presunção de inocência como um princípio a se respeitar e se concorde que o “Ficha Limpa” a contradiz, há que se temperar esse princípio com outros, como a probidade e a moralidade do legislador ou executivo público; 2. o argumento de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, algo assim como ser alfabetizado; 3. o argumento (no fundo uma variação mais tosca do anterior) de que não se está contrariando a presunção de inocência, posto que se trata aqui de uma matéria eleitoral e não penal."

Edkallenn disse...

Parte 2:

"Os sofismas em que repousam todos eles são visíveis. Começo pelo último, que é o mais primário: ora, se está sendo retirada a elegibilidade de alguém como base num processo penal em andamento, não adianta dizer que a Lei “Ficha Limpa” não estabelece que o cara vá em cana, mas só o declara inelegível, para daí argumentar que a matéria é só eleitoral e não penal. Evidentemente, se a perda de direitos ante a Justiça Eleitoral ocorre por causa de um processo penal, e se o raio do processo penal está em andamento, como é possível que se diga ah, não estamos desrespeitando a Constituição, pois não falamos aqui de matéria penal e sim eleitoral? A Lei “Ficha Limpa” concede poderes penais à Justiça Eleitoral antes da conclusão do devido processo penal. E aí seus apoiadores contra-argumentam dizendo que o babado não é penal, mas eleitoral? Caríssimo profissional do Direito e da Justiça apoiador do “Ficha Limpa”, se quiser me demonstrar que não há uma falácia, um sofisma aqui, sou todo ouvidos.
O segundo argumento (de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, como ser alfabetizado ou ser brasileiro) também sofisma: ser alfabetizado ou não ser estrangeiro são características da pessoa e não têm qualquer conteúdo discriminatório como requisito de elegibilidade. Nós, como sociedade, através dos representantes eleitos para a Constituinte de 1986 (Carta de 1988) decidimos, por exemplo, que para ser presidente da República é necessário ser brasileiro nato, naturalizado não vale. Para ser Senador, é necessário ter pelo menos 35 anos de idade, para ser Governador, 30, etecétera. Tudo isso pode mudar por emenda constitucional, claro, mas é o que está lá no momento. Esses requisitos são coisas completamente distintas de uma condenação em uma instância da Justiça Eleitoral, algo da ordem da opinião de outrem que, enquanto não transitada em julgado, não pode acarretar culpabilidade ou retirada de direitos. É estapafúrdia a comparação entre ser brasileiro nato ou alfabetizado, por um lado, e a ausência de condenação provisória, em processo em trânsito na Justiça Eleitoral, por outro. Equipará-los como requisitos de elegibilidade é um exercício de comparação entre maçãs e naves espaciais.
Finalmente, o sofisma em que repousa o argumento 1 é de caráter temporal: ok, admite-se, a presunção de inocência constitucional é, sim, violada pela Lei “Ficha Limpa”, mas ela não é o único princípio presente na Carta. Há outros e, baseados na verdade incontestável de que não existe direito absoluto (na medida em que qualquer direito pode, hipoteticamente, entrar em conflito com outro, situação na qual o juiz terá que ponderá-los e decidir), teríamos que reconhecer que os princípios, por exemplo, da probidade e da moralidade do administrador público também deveriam entrar nessa ponderação e temperar o princípio da presunção de inocência, relativizando-o.
Mas mesmo que você aceite que a presunção de inocência deve ser relativizada, o argumento continua absurdo: pois se a falta de probidade e moralidade para administrar a coisa pública só pode ser declarada depois de encontrada a culpabilidade, e se esta por definição não pode ser declarada se o processo está em andamento, como é possível temperar o princípio da presunção de inocência com uma violação que ainda não existe, ainda não pode ser declarada existente de outro princípio? A Lei “Ficha Limpa” tampouco faz o menor sentido como ponderação de dois princípios constitucionais."


O link é; http://www.idelberavelar.com/archives/2010/08/a_estupefacao_dos_vestais_sobre_ficha_limpa_1.php

E estamos entendidos? Pouca gente na época se colocou contra a Lei. Quem assim se postou não se supreende, como diz Idelber, com a estupefação dos vestais.

Edkallenn disse...

Parte 2:"Os sofismas em que repousam todos eles são visíveis. Começo pelo último, que é o mais primário: ora, se está sendo retirada a elegibilidade de alguém como base num processo penal em andamento, não adianta dizer que a Lei “Ficha Limpa” não estabelece que o cara vá em cana, mas só o declara inelegível, para daí argumentar que a matéria é só eleitoral e não penal. Evidentemente, se a perda de direitos ante a Justiça Eleitoral ocorre por causa de um processo penal, e se o raio do processo penal está em andamento, como é possível que se diga ah, não estamos desrespeitando a Constituição, pois não falamos aqui de matéria penal e sim eleitoral? A Lei “Ficha Limpa” concede poderes penais à Justiça Eleitoral antes da conclusão do devido processo penal. E aí seus apoiadores contra-argumentam dizendo que o babado não é penal, mas eleitoral? Caríssimo profissional do Direito e da Justiça apoiador do “Ficha Limpa”, se quiser me demonstrar que não há uma falácia, um sofisma aqui, sou todo ouvidos.
O segundo argumento (de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, como ser alfabetizado ou ser brasileiro) também sofisma: ser alfabetizado ou não ser estrangeiro são características da pessoa e não têm qualquer conteúdo discriminatório como requisito de elegibilidade. Nós, como sociedade, através dos representantes eleitos para a Constituinte de 1986 (Carta de 1988) decidimos, por exemplo, que para ser presidente da República é necessário ser brasileiro nato, naturalizado não vale. Para ser Senador, é necessário ter pelo menos 35 anos de idade, para ser Governador, 30, etecétera. Tudo isso pode mudar por emenda constitucional, claro, mas é o que está lá no momento. Esses requisitos são coisas completamente distintas de uma condenação em uma instância da Justiça Eleitoral, algo da ordem da opinião de outrem que, enquanto não transitada em julgado, não pode acarretar culpabilidade ou retirada de direitos. É estapafúrdia a comparação entre ser brasileiro nato ou alfabetizado, por um lado, e a ausência de condenação provisória, em processo em trânsito na Justiça Eleitoral, por outro. Equipará-los como requisitos de elegibilidade é um exercício de comparação entre maçãs e naves espaciais.
Finalmente, o sofisma em que repousa o argumento 1 é de caráter temporal: ok, admite-se, a presunção de inocência constitucional é, sim, violada pela Lei “Ficha Limpa”, mas ela não é o único princípio presente na Carta. Há outros e, baseados na verdade incontestável de que não existe direito absoluto (na medida em que qualquer direito pode, hipoteticamente, entrar em conflito com outro, situação na qual o juiz terá que ponderá-los e decidir), teríamos que reconhecer que os princípios, por exemplo, da probidade e da moralidade do administrador público também deveriam entrar nessa ponderação e temperar o princípio da presunção de inocência, relativizando-o.
Mas mesmo que você aceite que a presunção de inocência deve ser relativizada, o argumento continua absurdo: pois se a falta de probidade e moralidade para administrar a coisa pública só pode ser declarada depois de encontrada a culpabilidade, e se esta por definição não pode ser declarada se o processo está em andamento, como é possível temperar o princípio da presunção de inocência com uma violação que ainda não existe, ainda não pode ser declarada existente de outro princípio? A Lei “Ficha Limpa” tampouco faz o menor sentido como ponderação de dois princípios constitucionais."


O link é; http://www.idelberavelar.com/archives/2010/08/a_estupefacao_dos_vestais_sobre_ficha_limpa_1.php

E estamos entendidos? Pouca gente na época se colocou contra a Lei. Quem assim se postou não se supreende, como diz Idelber, com a estupefação dos vestais.

Edkallenn disse...

"Os sofismas em que repousam todos eles são visíveis. Começo pelo último, que é o mais primário: ora, se está sendo retirada a elegibilidade de alguém como base num processo penal em andamento, não adianta dizer que a Lei “Ficha Limpa” não estabelece que o cara vá em cana, mas só o declara inelegível, para daí argumentar que a matéria é só eleitoral e não penal. Evidentemente, se a perda de direitos ante a Justiça Eleitoral ocorre por causa de um processo penal, e se o raio do processo penal está em andamento, como é possível que se diga ah, não estamos desrespeitando a Constituição, pois não falamos aqui de matéria penal e sim eleitoral? A Lei “Ficha Limpa” concede poderes penais à Justiça Eleitoral antes da conclusão do devido processo penal. E aí seus apoiadores contra-argumentam dizendo que o babado não é penal, mas eleitoral? Caríssimo profissional do Direito e da Justiça apoiador do “Ficha Limpa”, se quiser me demonstrar que não há uma falácia, um sofisma aqui, sou todo ouvidos.
O segundo argumento (de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, como ser alfabetizado ou ser brasileiro) também sofisma: ser alfabetizado ou não ser estrangeiro são características da pessoa e não têm qualquer conteúdo discriminatório como requisito de elegibilidade. Nós, como sociedade, através dos representantes eleitos para a Constituinte de 1986 (Carta de 1988) decidimos, por exemplo, que para ser presidente da República é necessário ser brasileiro nato, naturalizado não vale. Para ser Senador, é necessário ter pelo menos 35 anos de idade, para ser Governador, 30, etecétera. Tudo isso pode mudar por emenda constitucional, claro, mas é o que está lá no momento. Esses requisitos são coisas completamente distintas de uma condenação em uma instância da Justiça Eleitoral, algo da ordem da opinião de outrem que, enquanto não transitada em julgado, não pode acarretar culpabilidade ou retirada de direitos. É estapafúrdia a comparação entre ser brasileiro nato ou alfabetizado, por um lado, e a ausência de condenação provisória, em processo em trânsito na Justiça Eleitoral, por outro. Equipará-los como requisitos de elegibilidade é um exercício de comparação entre maçãs e naves espaciais.
Finalmente, o sofisma em que repousa o argumento 1 é de caráter temporal: ok, admite-se, a presunção de inocência constitucional é, sim, violada pela Lei “Ficha Limpa”, mas ela não é o único princípio presente na Carta. Há outros e, baseados na verdade incontestável de que não existe direito absoluto (na medida em que qualquer direito pode, hipoteticamente, entrar em conflito com outro, situação na qual o juiz terá que ponderá-los e decidir), teríamos que reconhecer que os princípios, por exemplo, da probidade e da moralidade do administrador público também deveriam entrar nessa ponderação e temperar o princípio da presunção de inocência, relativizando-o.
Mas mesmo que você aceite que a presunção de inocência deve ser relativizada, o argumento continua absurdo: pois se a falta de probidade e moralidade para administrar a coisa pública só pode ser declarada depois de encontrada a culpabilidade, e se esta por definição não pode ser declarada se o processo está em andamento, como é possível temperar o princípio da presunção de inocência com uma violação que ainda não existe, ainda não pode ser declarada existente de outro princípio? A Lei “Ficha Limpa” tampouco faz o menor sentido como ponderação de dois princípios constitucionais."

O link é; http://www.idelberavelar.com/archives/2010/08/a_estupefacao_dos_vestais_sobre_ficha_limpa_1.php
E estamos entendidos? Pouca gente na época se colocou contra a Lei. Quem assim se postou não se supreende, como diz Idelber, com a estupefação dos vestais.