POR JOSÉ BESSA FREIRE
O juiz aposentado do Tribunal de Justiça do Amazonas, José Raphael Siqueira Filho, carrega, desde sua infância, o apelido de Cotia Risonha. O “risonha” é um enigma. Mas cotia, todo mundo sabe por quê. É que seu colega na escola primária, o Nininho, gostava de se divertir, pedindo-lhe:
- Siqueirinha, repete: paca, tatu, cotia não!
Siqueirinha sempre se confundia e reproduzia a frase inteira. Nem desconfiava que em Epitácio “p” soa. Por isso, todo mundo passou a chamá-lo de Cotia. O apelido colou. Tem tudo a ver com ele. A cotia é um mamífero e ainda por cima roedor, ou seja, gosta de mamar e de roer o que encontra pela frente. Tem as pernas finas, os olhos arregalados e as unhas afiadas e cortantes. Apesar da aparente leseira pra certas coisas, é um animal esperto, que vive fuçando o chão, buscando vorazmente o que comer.
Tudo bem! Está explicada a origem e justificada a propriedade do substantivo “cotia”. E o qualificativo “risonha”, de onde veio? Em que momento foi acrescentado? De quem, afinal, a Cotia Risonha está rindo? Essas perguntas podem ser respondidas, analisando a amizade do Siqueirinha com Nininho.
Os dois cresceram unha-e-carne, mamando e roendo. Nininho, menino inocente que saiu de Eirunepé para fazer a primeira comunhão na capital, assumiu várias vezes a Prefeitura e o Governo do Estado, com o nome de Amazonino Mendes (PTB, vixe, vixe!). Siqueirinha se tornou juiz, pronunciou algumas sentenças polêmicas e se aposentou. Mas a amizade continuou.
Coisa bonita, a amizade! Para onde vai, Amazonino leva Siqueirinha, indicando-o para diversos cargos, como a presidência da Companhia Energética (CEAM), a presidência do Detran, a Superintendência da Companhia do Estado do Amazonas (CIAMA). Dizem que até o cargo de cônsul honorário da Coréia no Amazonas, exercido por Siqueirinha, foi indicação do amigo. Na atual administração, ele ocupa presidência do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte Urbano (IMTT).
Casca de tucumã
Não é uma amizade qualquer, ela está cimentada por interesses comuns e cumplicidades, como conta o combativo vereador Marcelo Ramos (PSB). O ‘Cotia Risonha’ “é o tipo de amigo daqueles que descasca tucumã, que tira o caroço da pupunha e entrega a partida de dominó só para agradar. Também, intimida jornalistas, agride pessoas ou faz qualquer outro trabalho sujo que Amazonino precise”.
Um desses trabalhos ocorreu recentemente. O sorriso de Siqueirinha ganhou contornos enigmáticos de Mona Lisa, quando em julho de 2009 o prefeito Amazonino aumentou inexplicavelmente em 12,5%, a passagem de ônibus em Manaus, que era de R$ 2,00 e subiu para R$2,25. O protesto dos usuários e a proximidade das eleições levaram Amazonino a reduzir, nove meses depois, o aumento para R$2,10.
O prefeito, todo farofeiro, todo bacabeiro, deu, então, uma entrevista coletiva, mas em vez de dizer que estava corrigindo o aumento da passagem, anunciou que estava baixando o seu preço. Parece até a Gol, que em seus vôos está cobrando agora dos passageiros R$10,00 por um sanduíche e R$3,00 por um cafezinho e anunciou cinicamente:
“Viajar agora tem um sabor especial. A Gol não pára de inovar. E para deixar a sua viagem ainda mais gostosa, está oferecendo uma novidade em alguns de seus vôos domésticos: a venda de sanduíches e bebidas. É um novo conceito que a Gol disponibiliza aos passageiros no Brasil”.
Amazonino também não pára de oferecer novidades aos usuários de ônibus, “para deixar a viagem mais gostosa”. Na entrevista em que explicou seu “novo conceito” de tarifas estava ladeado pelo ‘Cotia Risonha’ e pela secretária municipal de Comunicação Social, Celes Calpúrnia Borges Melo, que sem qualquer pudor orientavam os jornalistas: “pergunta isso, pergunta aquilo”. Foi aí que a jovem repórter do Diário do Amazonas, Vanessa Brito, decidiu perguntar o que está na garganta de todos:
- Quais os critérios para determinar o preço da passagem? Se o prefeito reconhece hoje que o aumento dado em julho do ano passado foi exorbitante, as empresas vão devolver aos usuários de ônibus o que cobrou indevidamente?
A reação da intrépida trupe foi surpreendente. Amazonino suava como se estivesse em uma sauna. O Cotia deixou de sorrir e fuzilou com os olhos a repórter. Tentou impedir que ela se manifestasse. Seu olhar, juro, mete medo. Chamou Celes Calpúrnia e ordenou:
- Anota o nome dela.
Calpúrnia - que vergonha! - respondeu:
- Ela é do Diário.
Foi tudo gravado e pode ser acessado no YouTube.
Vanessa, a jovem repórter, encostou o Cotia na parede dizendo “tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”. É uma esperança de que o jornalismo no Amazonas não será chapa branca.
Siqueirinha ficou com dor de dente, como naquela música que as crianças cantavam: “A cotia está com dor de dente, e é de tanto, tanto, comer doce quente”.
Fioforum cotiae
O amigo Amazonino, no entanto, fez voltar o sorriso do Cotia, segundo denúncia publicada em O Globo (04/03/2010) e pelo Estado de São Paulo, intitulada: “Indenização milionária em Manaus. Desapropriação rende R$6,5 milhões a secretário municipal”. A matéria informa que “o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PTB) assinou ontem um acordo extrajudicial que permite o pagamento de R$6.577.166,07 ao juiz aposentado Raphael Siqueira, que é secretário municipal e exerce o cargo de presidente do IMTT”.
A notícia está incompleta porque não diz, numa linguagem que um ex-juiz entende, que “hic culum cotiae sibilare”, isto é, aqui é que o fiofó da cotia começa a assoviar. O vereador Marcelo Ramos fez suas contas e descobriu que numa só jogada entre amigos, o Cotia Risonha embolsou muito mais. Foram R$ 8,5 milhões pagos com dinheiro público, “a título de indenização por um terreno que em momento algum prova que é seu”.
Amanhã, Marcelo Ramos, que é advogado, entra com Ação Popular para solicitar que a dupla Amazonino e Siqueirinha sejam condenados a devolver todo o dinheiro público que embolsaram. Amazonino, em novembro do ano passado, foi cassado pela juíza Maria Eunice, em primeira instância, sob a acusação de comprar votos.
Por quem os sinos dobram? A Cotia Risonha ri de quem? De nós, leitores, que somos otários e estamos repassando para os bolsos de dois espertalhões recursos públicos que deviam ser usados para melhorar os serviços de saúde, educação e transporte. Agora, é rezar para que saia vitoriosa a Ação Popular contra essa operação escandalosa que clama aos céus e pede a Deus vingança.
O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti .
Um comentário:
Fazia tempo que não ria tanto.
O home tem cara de cotia mesmo, olhem detidamente.
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