segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

MÁRCIO THOMAZ BASTOS - ENTREVISTA

Bob Fernandes



Noite de 22 de dezembro de 1988. Dezenas e dezenas de milhões de brasileiros de olhos grudados na telas de televisão.


Tensão, ansiedade, expectativa. Aquela era uma morte anunciada por meses e meses, país afora se intuía, inevitável o assassinato ao final daquela história. O crime foi cometido e, na ante-véspera do Natal, o Brasil parou em busca da resposta:

- Quem matou Odete Roitmann?

Odete, a malvadona vivida por Beatriz Seggal na novela Vale Tudo. Mais malvada - mas há controvérsias - que a Flora interpretada por Patrícia Pillar em A Favorita neste 2008.

Naquela noite em que o Brasil parou para descobrir o assassino de Odete Roitmann, nos confins da Amazônia morria, assassinado, um homem até então desconhecido.

Sua morte, como a de Odete, era mais do que anunciada. Disso se sabia na longeva Xapuri, disso sabiam os poucos que conheciam a luta que se travava nos seringais do Acre.

Mesmo jornalistas, sempre ciosos do saber tudo, só descobriram o personagem e sua dimensão quando ele já estava morto. Alguns, poucos, tentaram evitar a morte anunciada. Não conseguiram. Jornais, revistas, a televisão, não tinham espaço e tempo para um ilustre desconhecido.

Disso bem sabe o repórter Edílson Martins, que em vão tentou contar no Jornal do Brasil a história do homem marcado para morrer.

E foi assim, cercados por uma cortina de silêncio da mídia - que naquele tempo só se chamava "imprensa" - que pai e filho, Darly e Darci Alves da Silva, assassinaram Chico Mendes.

Darly e Darci, dois pobre-diabos que enchiam a boca ao se apresentar como "fazendeiros".

Dois anos depois, em 1990, a atenção do mundo se voltava para Xapuri. Darly e Darci estavam, em tempo recorde, no banco dos réus.

Na acusação, apenas formalmente como Assistente, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, a quem Terra Magazine ouve hoje, há exatos 20 anos do assassinato. Atuação impecável, Thomaz Bastos arrancou a condenação de Darly e Darci em julgamento célebre, que recorda na entrevista que se segue:

- Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade.

Em seu escritório à Avenida Faria Lima, São Paulo, enquanto regressa ao passado, ao assassinato e à condenação, enquanto, certamente, perscruta os seus 73 anos, Márcio Thomaz Bastos torna concreto o que viveu em Xapuri:

- ...Ficou claro, e nem sempre assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos ali um embate do Bem contra o Mal...

Também hoje, em trabalho do blogueiro da Amazônia de Terra Magazine, Altino Machado, os internautas podem ver, ler e ouvir a versão da história contada pelo assassino, Darly Alves da Silva.

No julgamento dos assassinos, em Xapuri, a imprensa buscou se purgar. E, para tanto, mentiu muito. Criou um mundo que não existia, não existiu.

No verão de 1990, para saciar a sede de justiça do mundo e, talvez, sua inoperância pregressa, jornais, revistas, rádios e televisões levaram a Xapuri mais de "5 mil pessoas". Tal multidão existiu apenas nas manchetes. Lá não estiveram mais de 300 manifestantes, além de centenas de jornalistas.

Inesquecível, pelos piores motivos, as cenas de filhos de Chico Mendes: Sandino, 4 anos de idade, e Elenira, 6 anos, a desfilar pela ruas de Xapuri com a foto do pai morto pregado em um cartaz, ou a posar ao lado de seu túmulo.

O fizeram, o faziam, a mando de fotógrafos, cinegrafistas, repórteres. A mídia que se calara até o assassinato, por desconhecimento ou desinteresse, para incensar manchetes durante o julgamento pagava picolés aos filhos do líder morto.

Duas décadas depois Márcio Tomaz Bastos faz um outro balanço, o da Justiça no Brasil:

- Xapuri foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista... O judiciário não funciona adequadamente.

Quando Darly e Darci foram condenados, Thomaz Bastos imaginou que ali "se quebrava um paradigma". Ilusão, como ele mesmo agora constata.

Márcio Thomaz Bastos foi por cinco anos, como se sabe, ministro da Justiça do governo Lula. Entre seus grandes êxitos, a construção de uma Polícia Federal objeto de admiração e respeito. Na tarefa, e no comando da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda.

O mesmo Paulo Lacerda ilhado e atacado por adversários de fora e de dentro do governo nestes dias de 2008.

De dentro, por aqueles que temem o passado e o futuro, ou apenas o invejam e jogam o jogo.

De fora do governo, pelos milhares que foram para a cadeia em operações da PF, pelos que temem uma Polícia Federal forte e eficaz e, mais do que nunca, por uma diminuta mas barulhenta corte de rábulas & Associados.

Atacado não pelos milhares de advogados do Brasil, mas por facções daquela parcela que vive dos milhõe$ e milhõe$ de quem sempre tungou cofres públicos. Tungou, tungavam, até então sem problemas.

A PF de Thomaz Bastos ganhou recursos, deixou de depender de esmolas de DEA e CIA para operar, fechou as portas para a palpitologia ilegal do FBI.

Para quem imagina que se pode recortar a história e, assim, monitorá-la, um lembrete: o Márcio Thomaz Bastos que arrancou a condenação dos assassinos de Chico Mendes é o mesmo que esteve à frente do ministério da Justiça quando a Polícia Federal se tornou objeto de respeito e admiração.

A mesma Polícia Federal que, duas décadas antes, não apenas não conseguiu impedir o assassinato de Chico Mendes como por ele mesmo era acusada de integrar "um complô" para matá-lo.

Sobre a Polícia Federal de hoje, a do pré e pós Satiagraha, Márcio Thomaz Bastos alerta:

- ... Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a polícia federal...

A propósito, quanto ao passado - mas sem que se descure do presente- vale destacar o fator que Márcio Thomaz Bastos considera vital, aquele que nascido na Europa e nos Estados Unidos no rastro do assassinato de Chico Mendes, chegou ao Brasil como um vagalhão e levou à condenação de Darly e Darci:

- ...Então o que se levantou foi uma autoridade moral...

Leia a entrevista completa em Terra Magazine.

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