quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O "PASSEIO" EM JORDÃO



Retornei de Jordão, um dos municípios mais isolados do país, onde foi realizada a nona sessão da Assembléia Aberta - programa da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Acre para possibilitar que deputados discutam diretamente com a população do interior do Estado alternativas de desenvolvimento regional que valorizem potencialidades e peculiaridades locais com vistas à promoção do crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida e responsabilidade ambiental.


Viajei até Jordão em avião fretado pela Assembléia. Éramos mais ou menos 10 jornalistas. Na fronteira com o Peru, Jordão não tem acesso por estrada e uma viagem de barco, a partir de Tarauacá, pode demorar até uma semana. Tenho 45 anos de Acre, mas jamais havia tido a oportunidade de conhecer a cidade, na verdade um pequeno povoado que surgiu da exploração da borracha na década dos 1940 e foi transformada em município em 1992. Uma insanidade da política? Certamente.



Sabia basicamente que Jordão tem 6,3 mil habitantes e ostenta a maior taxa da analfabetismo do País - 60,7% da população com 15 anos ou mais não sabe ler ou escrever - e tem o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil e o menor IDH de toda a Região Norte. E fiquei sabendo que há 10 anos a vida em Jordão era pior e teria se agravado caso os três últimos governos do Acre não tivessem feito investimentos em educação, saúde e infra-estrutura para tentar reverter os péssimos indicadores do lugar.

Jordão tem a característica de possuir 71% de sua população na zona rural, mas na composição do PIB 51% é da administração pública e 35% da agropecuária. No ano passado, arrecadou R$ 43 mil e recebeu como repasse da cota do ICMS R$ 1,1 milhão. A receita do município é vitaminada por 83% de transferências da União.



Bem, o jornal O Rio Branco, do empresário Narciso Mendes, afirmou hoje que 18 dos 24 deputados estaduais foram passear em Jordão. Não é verdade, acreditem. Ninguém em sã consciência sai de casa para passear naquele "fim de linha", conforme me ensinou o aposentado José Francisco da Cruz. Nem mesmo a repórter de O Rio Branco que também aceitou o convite da Mesa Diretora e deverá permanece lá até amanhã.

Não pretendia escrever mais nada além do que já escrevi ontem sobre Jordão, mas a maldade do jornal suplantou meu cansaço. Desembarquei em Jordão nas primeiras horas da manhã de ontem, após 1h40 de vôo, a partir de Rio Branco, num avião bimomotor que sobrevoou a exuberância de nossas florestas e rios. Meus colegas e eu ocupamos na cidade uma casa modesta de madeira, onde funciona o escritório do governo estadual, um dos poucos locais com acesso à internet.



Dormimos no chão do escritório em colchões e lençóis que foram doados pelos moradores da cidade. Dois banheiros foram compartilhados com a devida precariedade pelo grupo, sem afetação. A água do banho, retirada de um poço semi-artesiano, cheirava a ferrugem. Endureceu o cabelo de todos e não permitia gerar espuma de shampoo ou sabonete. Além disso, não havia água mineral no comércio da cidade. Nosso café da manhã hoje foi pão-de-milho com macaxeira. Mais tarde, providenciaram pão, banana e mugunzá.

Boa parte dos moradores - metade da população é da etnia kaxinauwá- disse que os últimos dois dias foram os mais movimentados da história da cidade. Havia enorme expectava em relação à sessão com a presença dos deputados, onde o protocolo dá oportunidade de voz aos moradores. E foi assim que pude testemunhar a presença de parlamentares que jamais estiveram em Jordão ou obtiveram um voto sequer do povo de lá. Até o deputado Luiz Calixto, a voz mais estridente da oposição, compareceu fazendo a crítica ncessária e reconhecendo os esforços do poder público em possibilitar condições de vida mais digna a quem vive numa das regiões mais isoladas do planeta.



A população de Jordão prestigiou o evento porque percebeu que não existe outro caminho que não seja sensibilizar políticos e gestores públicos para a vida difícil que enfrenta. A única coisa que destoava na Assembléia Aberta eram os deputados suando em bicas por causa de seus ternos impróprios para o calor tropical. Mas o povo estava lá de bermuda, boné, cocar, tiara e até mesmo descalço. E cada um tinha direito a pedir a palavra, fazer sugestões e apresentar soluções.

Tudo foi pacientemente registrado pela pessoal de apoio técnico da Assembléia Legislativa, tendo a participação de superintendes do Sebrae, Basa, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Após a conclusão desses eventos, será elaborado um documento contendo os principais diagnósticos e propostas oriundas dos debates, que complementarão a agenda de desenvolvimento sustentável do Estado do Acre, o que é um qualificada contribuição ao governador Binho Marques, que tem como principal meta a inclusão social.

Todos estavam lá argumentando em defesa de processos de mudanças e transformações positivas de ordem econômica, política e social que possam levar a sociedade acreana a um estágio mais avançado de desenvolvimento.



- O que estamos fazendo aqui é reafirmando nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável do Acre. Queremos satisfazer as necessidades da presente geração, de forma autônoma e contínua, sem comprometer a capacidade das futuras gerações - afirmou o deputado Edvaldo Magalhães (PC do B), presidente da Assembléia.

O "passeio" em Jordão, queiram ou não alguns, representa uma revolução na história de um parlamento cuja maior satisfação era manter-se distante das dificuldades do povo.



Atualização: Clique aqui para ver foto da "ambulância" de Jordão e ler comentário do deputado Luiz Calixto.

11 comentários:

Anônimo disse...

Ter a oportunidade de conhecer esses lugares de tão difícil acesso na nossa região é um privilégio, melhor ainda é poder fazer algo que melhore a vida dessa gente. Aos deputados, eis a chance. Adorei as fotos e a simplicidade do texto, Altino. (Andréa Zílio)

Anônimo disse...

O fato de haver essas ações itinerantes realmente é de bater palmas de pé, sobretudo em uma comunidade tão isolada. Que haja um relatório diagnosticando as mazelas do município e que aponte as devidas soluções à essas mazelas que com certeza absoluta são muitas. Do Acre, só não conheço as cidades de Jordão e Santa Rosa do Purus, exceto por estas, estive em todos os outros municipios e devo dizer que foram vizitas muito revigorantes, conheci pessoas maravilhosas, vi em cada uma delas realidades tão diferentes apesar de não estarem assim tão distante. Espero conhecer logo a cidade de Jordão. Rogo para que esta visita seja o primeiro passo para muitas mudanças que possam haver na cidade.
Hércules.

Anônimo disse...

Altino, essas opiniões jornalísticas são apenas um joguinho de cena. Sabe cumequié, né? Em bocas fechadas não entram mo$ca$.

Abração. Walmir

Grupo de Choro Afuá disse...

A "bundinha do Acre", aquela cavidade, a fronteira entre Brasil e Peru fica no encontro do rio Purus com aquele igarapé que não lembro o nome, você pode ver na penúltima foto, até a cidade de Santa Rosa é possível ver.

Anônimo disse...

Mostrarei tua matéria sobre o município de Jordão para meus colegas aqui da Unicamp, onde faço doutorado na Faculdade de Educação. Ao contrário do que muitos pensam o povo daqui gosta de ouvir histórias sobre o Acre. As imagens e os dados contidos na matéria certamente provocarão reflexões sobre diversidade cultural e políticas educacionais.

Anônimo disse...

Altino,
O que o Narciso está fazendo não é novidade.
Esse tipo de coisa ele fez com o Joaquim Macedo, Nabor Junior,Iolanda, Flaviano, Cadaxo, Edmundo, Romildo, Orleir e Binho Marques.
No período do Jorge Viana ele se alimentava nas tetas da Prefeitura do Isnard.
Ele nunca ganhou dinheiro trabalhando.
Sempre ganhou na facilidade da chantagem que faz no jorna e na televisão que ele ganhou para votar a favor dos cincos anos do Sarney.

Anônimo disse...

Caro Altino,
Nem todos estão aptos a compreenderem as enormes dificuldades e a diferença que há entre legislar para si mesmo e legislar para e com o povo. Que essas ações de fato se tornem em algo concreto para um população cada vez mais objeto da política e dela também excluída. Como sempre sua competência e seriedade predominaram.
Fraternalmente,
Isaac Melo

Anônimo disse...

De extrema importância esse trabalho da Aleac. Se há ou houve falhas acredito que faz parte do processo. Parabéns pela matéria.

Anônimo disse...

Parabéns Altino, vc sempre apresenta seus comentários e opiniões com seriedade, dando a "César o que é de César". Só quem não conhece a realidade de um povo sofrido é que faz crítica a ações como estas que a ALEAC vem realizando. É preciso humildade nas críticas...não menosprezar um povo sofrido...

morenocris disse...

"É lindo o amor pela pessoa humana"...

Beijos.

Bom final de semana.

Diadora Annos Xhamá disse...

Concordo com deputado Luiz Carlixto, quando diz que o Jornal quer avacalhar a visita,porque realmente fazer passeio em Jordão,é brincadeira !!Uma coisa, porém, tem que ser dita:elogiar ainda é cedo.O discurso está lindo,mas vamos aguardar a prática para enxergarmos até que ponto realmente os deputados estão comprometidos com a situação de Jordão,ou se essa foi só um vista "para índio ver" .Posso até lançar aqui uma aposta:
isto vai dar em nada ! Não existe vontade política para mudar nada neste país e no Acre não é diferente.Quando retornarem para o ar refrigerado de seus lares e da assembléia legislativa esquecerão o que viram naquela localidade.Voltarão aos seus discursos vazios e hiprócritas,encobrindo os interesses mesquinhos e individuais de cada um.A população de Jordão e de outros miseráveis municipios acreanos que se danem !!Deus,Deus meu ! como eu queria está errado !políticos brasileiros queimem minha língua.Essa seria uma aposta que eu nunca perderia,infelizmente....