domingo, 13 de julho de 2008

"PARECIA UMA ROSA DE CARNES"

"Ah! meus amigos, estão manchadas de lodo
e sangue as páginas da história do Acre"



O Governo do Acre declarou 2008 como sendo o "Ano Chico Mendes" para marcar os 20 anos do assassinato do líder sindical e ecologista, vítima de emboscada dentro de sua casa em Xapuri, no dia 22 de dezembro de 1988.

Mas até aqui esquece do coronel José Plácido de Castro, líder da conquista do Acre, cujo assassinato completará 100 anos no próximo dia 11 de agosto, e que foi alvo de três emboscadas no Departamento do Alto Acre, em Vila Rio Branco.

O mandante e o assassino - o coronel Gabino Besouro, que chefiava o Departamento do Alto Acre, e o coronel Alexandrino José da Silva, então subdelegado de polícia - chegaram a ser denunciados ao presidente da República, em 7 de agosto de 1908, pelo jovem Genesco de Castro, irmão de Plácido:

"Sr. Presidente da República:

Se os crimes que venho denunciar ameaçassem simplesmente a minha vida, eu não viria, crede, à vossa presença denunciá-los, porque daria um atestado de covardia de minha parte, ou mostraria estar sofrendo da mesma enfermidade (mania de perseguição), que o vosso escolhido para administrar este infeliz Departamento.

Nos primeiros dias do mês passado fomos prevenidos de que o prefeito deste Departamento havia presidido um concílio de assassínio onde se resolveu fossem eliminados Plácido de Castro, José Maria Dias Pereira e Dr. João Rodrigues do Lago, coincidindo esta notícia com a nova aqui espalhada pelo subprefeito que o "Coronel Gabino Besouro havia recebido do governo, reservadas e severas instruções sobre a pessoa do Coronel Plácido por causa da atitude do Correio da Noite.

Quinze dias apenas, depois de havermos sabido da resolução do prefeito, já se havia inventado uma revolução na Prefeitura, tentado duas vezes contra a vida de Plácido de Castro e uma contra a de Dias Pereira, sem que providência alguma fosse tomada!... mesmo porque os heróis dessas façanhas são o subprefeito Simplício de tal, o delegado Josias Lima e o subdelegado Alexandrino José da Silva, bêbado contumaz, criminoso relapso e íntimo do Coronel Besouro!

Este estado de coisas pareceu serenado por alguns dias, mas o fato de mais um conhecido assassino ser chamado para a administração Besouro, levanta uma atmosfera de traição e de perversidade em torno da sua autoridade como prefeito deste infeliz Departamento, cuja sede se acha transformada num covil de bandidos, e faz supor que, de fato, alguma coisa muito grave, se não perversa, está sendo executada à sombra do representante do vosso governo, Sr. Presidente. Tanto assim que, na qualidade de irmão de Plácido de Castro, sentindo o peso desta atmosfera sanguinolenta, indo eu à presença do Sr. Gabino relatar-lhe os graves acontecimentos que impressionam, ele justificou essses atentados traiçoeiros e absolveu os criminosos!

É nessa contingência, Sr. Presidente da República, que vos peço providências que ponham a pessoa de meu irmão a salvo do punhal da primeira autoridade deste Departamento!"

Na madrugada do dia 9 de agosto, Plácido de Castro deixa o seringal Riozinho com um grupo de amigos. Anos mais tarde, Genesco de Castro escreveu o livro "O Estado Independente do Acre e José Plácido de Castro", onde conta como se deu a emboscada:

"Nessa gruta, estavam postados o subdelegado Alexandrino José da Silva, o negro Eugênio, o "Mateiro" e um caboclo que Plácido confundiu com João da Mata, morador naquelas imediações. Os restantes, que completavam 14 bandidos, estavam distribuídos do mesmo lado do caminho, ao longo da orla de uma pequena clareira, que se abria na mata, denunciando algum roçado antigo, invadida pela vegetação florestal.

"Passei quase ao alcance da mão dos do grupo de Alexandrino sem nada perceber, porque de nada havia vestígio; transpus inteiramente a zona perigosa e ganhei a curva que o caminho apresentava para o lado esquerdo de quem seguia para [o seringal] "Capatará".

Nesse momento, Plácido defrontava-se com a caverna dos bandidos e recebia o primeiro tiro, disparado pelo braço direito do Cel. Besouro (pelo subdelegado Alexandrino José da Silva), que lhe atingiu o braço esquerdo, pouco acima do cotovelo, um segundo tiro, quase ao mesmo tempo, o alcançou do lado esquerdo da coluna vertebral, penetrando de baixo para cima e da direita para a esquerda na raiz da segunda costela e saindo na altura da primeira que, como a outra, ficou reduzida a fragmentos.

"Ambos os tiros foram disparados à queima-roupa: vestes e carnes ficaram chamuscados. O primeiro ferimento não teve importância: produzido por arma de guerra, atravessou o tecido muscular sem prejuízo funcional, salvo no primeiro momento. O segundo, foi grave pelo aspecto, pelo tamanho, pelo traumatismo, muito embora não tivesse alcançado a pleura: produzido por uma bala de chumbo Winchester 44, tinha um grande orifício de entrada e um enorme de saída, que parecia uma rosa de carnes, no centro de um eram visíveis os pedaços de pano misturados com os fragmentos ósseos cravados na carne.

Ao receber o primeiro tiro, Plácido quis fazer uso da pistola que trazia, ao mesmo tempo que abaixou-se sobre o cavalo para ver os seus agressores, mas, por um momento sentiu-lhe escaparem-se-lhes as rédeas da mão e foi obrigado a segurá-las com a mão direita. Nesse momento, quando recebia o segundo ferimento, viu e conheceu o subdelegado Alexandrino, o negro Eugênio, o "Mateiro", e outro que ele pensou ser João da Mata. Impossibilitado de reagir, chegou a espora ao brioso cavalo que montava, atravessou a zona perigosa sob um chuveiro de balas e alcançou a curta do caminho, onde nos encontramos, sem que outros projéteis o atingissem".

Plácido de Castro, que nasceu em São Gabriel (RS), agonizou até o amanhecer do dia 11 de agosto de 1908. Antes de morrer, aos 35 anos de idade, pediu ao irmão que retirasse os ossos dele do Acre, reunindo-o, em Petrópolis (RJ), ao de Brandão e Batista, amigos de lutas na Revolução Acreana.

- Direi como aquele general africano: "Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei, é indigna de possuí-los". Ah! meus amigos, estão manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre... Tanta ocasião gloriosa para eu morrer... - foram as últimas palavras de Plácido de Castro.

O processo contra os coronéis Gabino Besouro e Alexandrino José da Silva caiu na impunidade destas terras antes desconhecidas. Como Plácido de Castro não viveu o suficiente para tornar-se petista, o assassinato dele caiu no esquecimento durante o "Ano Chico Mendes".


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2 comentários:

Acreucho disse...

Os homens que planejaram e mataram o herói acreano, tem seus nomes em ruas da cidade...

Gildson Goes disse...

A verdade é que não existem heróis, mas a história precisa de heróis, se não perde a graça.

Quantos assassinos, bandidos e ladrões não são heróis hoje?

Mas uma coisa é certa, a história precisa de martires.