segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O CARNAVAL DA SEGURANÇA

Antonio Alves

A essa hora o povo está lá na Arena da Floresta, cercado de segurança pra pular o Carnaval. Deve estar bom, mas vou ficando por aqui, nunca fui muito animado pra festa. Gostava de ir pra rua olhar os blocos, as fantasias, as brincadeiras, mas agora fiquei sabendo que o Carnaval de rua foi proibido. Nada de blocos de sujos, mascarados, foliões perambulando e batendo em latas, nada de festa avulsa e espalhada por aí. Só são permitidas “manifestações carnavalescas” na Arena, dizem as autoridades. Lá se pode ter segurança e proteção contra a violência que impera nas ruas, principalmente nos bairros pobres ou onde tiver um som tocando qualquer coisa que não seja as familiares marchinhas dos anos 50.

Na Arena, a polícia dobrou a presença em áreas próximas ao palco, porque é ali que ficam os “lourinhos”, os jovens de cabelo pintado que gostam de zoar no empurra-empurra e arranjam confusão por qualquer coisinha. Um apresentador de TV os chamou de “periquitos”. A fauna é imensa, e entre os mais conhecidos estão as piriguetes e os pirigays, cafuçus e periféricos em geral. Serão todos revistados na entrada, passarão no baculejo eletrônico e ficarão vigiados de perto e de cima.

Nas vésperas da festa, olhei os jornais e a TV. Autoridades do judiciário visitam o “espaço do Carnaval” e aprovam as medidas de controle ali adotadas. O secretário de segurança dá entrevista coletiva. Delegados, juízes, oficiais da polícia militar, todos mostraram ao povo que estão trabalhando muito para garantir a tranquilidade das famílias. Ah, sim, e as secretarias de saúde anunciaram a distribuição de um milhão de camisinhas (umas três ou quatro para cada acreano sexualmente ativo).

É nesses momentos que a tropa de elite desde sempre encastelada nas instituições do Estado demonstra todo o horror que tem do “povão”. Duvido que qualquer uma destas autoridades esteja pisando no cimento da Arena. Estão nos camarotes, na parte privativa (e privatizada, dizem as más línguas) que iam custar 1.300 pratas mas na última hora baixaram para 1.000.

Não vi nenhuma reportagem sobre o Carnaval, ele mesmo. Nenhum artigo sobre uma música que iria fazer sucesso, fantasias, blocos, coisas assim. Nenhuma discussão sobre os motivos, enfeites e alegorias da decoração do “espaço do Carnaval”. Nada disso. Só vi segurança, segurança, segurança. E eu pensava que segurança pública, assim como saúde pública, fosse apenas uma obrigação diária, um serviço, uma necessidade. Virou propaganda, produto principal, a atração da festa. A segurança foi elevada à condição de ideologia oficial; mais que isso, de ética universal.

É impressionante como os governo da “isquerda” estão se empenhando para criar o Estado Policial que a “dereita” sempre tentou mas não conseguiu. Bem que eu gostaria que o povo não deixasse. Queria que o brasileiro, e mais ainda o acreano, com sua incrível capacidade de avacalhação, transformasse esta República num total, irrestrito, verdadeiro e incontrolável Carnaval. Mas o povo anda tão esquecido de si mesmo, tão impressionado com a lavagem cerebral da propaganda total, tão assustado com os “marginais” a ponto de não perceber que ele mesmo, o povo, é o marginal...

É como diz o Meirelles: deixa a taboca rachá.

Antonio Alves escreve no blog O Espírito da Coisa

2 comentários:

RodB disse...

Isso ocorre por causa de experiências negativas em carnavais passados. Você foi em carnavais anteriores na Gameleira? Foi no ano passado? Eu fui. E presenciei uma série de assaltos, confusões, brigas. Por aquela impressão que tive, não voltaria nunca mais. Se o governo não exaltasse tanto a segurança este ano, tenho certeza que muitas pessoas também sentiriam medo de ir novamente. Trata-se, portanto, de uma necessidade. Infelizmente, a realidade é essa. É reflexo da incompetência da segurança pública? Certamente. Mas se ela não pode garantir a segurança nas ruas, que mande mesmo os foliões para um lugar fechado e mais seguro. E o carnaval de hoje em dia, especialmente em Rio Branco, mudou. Os jovens atualmente não estão preocupados com marchinhas, enfeites, fantasias.. Querem simplesmente dançar ao som de Axé, beijar dezenas de pessoas e beber até cair. Pode ser triste para os saudosistas dos carnavais de antigamente, mas é a realidade. E o governo não pode ir contra o que quer a população. Culpem a Bahia.

sérgio de carvalho disse...

só pra provocar...

"Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval,
o carnaval, o carnaval
Vai passar, palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
e os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade até o dia clarear
Ai que vida boa, o lelê,
ai que vida boa, o lalá
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, o lelê,
ai que vida boa, o lalá

( chico buarque )