sábado, 24 de novembro de 2007

PRECE DE AMAZONENSE EM SÃO PAULO

Poema inspirado em Carlos Drummond de Andrade

Milton Hatoum




Espírito do Amazonas, me ilumina,

e sobre o caos desta metrópole,

conserva em mim ao menos um fio

do que fui na minha infância.

Não quero ser pássaro em céu de cinzas

nem amargar noites de medo

nas marginais de um rio que não renasce.

O outro rio, sereno e violento,

é pátria imaginária,

paraíso atrofiado pelo tempo.

Amazonas:

Tua ânsia de infinito ainda perdura?

Ou perdi precocemente toda esperança?

Os que te queimam, impunes,

têm olhos de cobre,

mãos pesadas de ganância.

Ilha seres rios florestas:

o céu projeta em mapas sombrios

manchas da natureza calcinada.

Tento abraçar a imagem fugidia

de um barco à deriva no mormaço

com os mitos que a linguagem inventa.

Espírito amazonense, tímido talvez,

e desconfiado para sempre,

não me fujas em São Paulo,

nem me deixes à mercê

dos pesadelos que incendeiam o mundo.

Se o Brasil te conhecesse

antes do fim que se aproxima,

salvaria tua beleza? Teus seres desencantados?

Entenderia a ciência tua infinita riqueza?

Abre a janela de um barco

ante meus olhos,

e que ao teu profundo rio conduza

a memória de línguas estranhas

e tantas histórias ocultadas:

Amazonas.

São Paulo, Manaus, setembro de 2007

Poema publicado hoje na revista Grandes Reportagens - Amazônia, do Estadão. Clique na foto acima, que tirei num amanhacer inesquecível no Amazonas.

2 comentários:

Anônimo disse...

O poema emociona até as pedras.

Pena que há almas cegas e escuras e jamais verão, sempre cinzas, sempre cegas.

Obrigada Altino.

beijos, bom domingo.

morenocris disse...

As almas sempre vêem, Saramar, mas é o homem que determina com o seu olhar. E a razão executa.

Valeu, Altino. Ah! Que foto, heim?

Você me encanta por demais!

Beijos.
Bom domingo.