quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A AMAZÔNIA DO MEIRELLES

Mary Allegretti


O indigenista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior ganhou o Prêmio de Meio Ambiente do MMA na categoria liderança individual.

Quando idealizamos o prêmio, Ana Lange e eu, pensamos em pessoas como Meirelles, Raimundo de Barrros, Padre Paulino. Não somente porque são pessoas especiais, com histórias de vida inimitáveis, mas também porque o prêmio poderia fazer diferença na vida delas ou nos projetos que desenvolvem. Pessoas que constróem uma história pelo simples fato de que não poderiam deixar de fazê-lo.


Sou uma pessoa de sorte. Aprendi a conhecer a Amazônia pelas mãos e sabedoria do Meirelles. As fotos são de quando o conheci, em 1978. Na mesinha da janela, na casa do bairro Cadeia Velha, em Rio Branco, onde morávamos todos - Toninho Pereira Neto, Ronaldo Oliveira, Tony Gross e no alto Iaco, acima da TI dos Machineri e Jaminawa, onde Meirelles era chefe de posto.

Na Cadeia Velha ele me ensinou a preparar a pesquisa de campo que fiz no seringal Alagoas, o que observar, o modo do seringueiro pensar, falar, agir. Foi ali que comecei a minha socialização na Amazônia. Eu vinha prá casa, todos dias, feliz com as descobertas que havia feito com as minhas entrevistas para a tese. Encontrava Meirelles, Ronaldo e Toninho às voltas com as emergências nas aldeias - índia com problema de parto que precisava de avião, criança doente, outro que havia tido acidente. Quase sempre me sentia ridícula e inútil. Prá mim tudo se resumia ao prazer intelectual do conhecimento, da pesquisa, da descoberta. Eu não tinha o menor senso de urgência em relação à sobrevivência, não sabia o significado de sobreviver na mata, de enfrentar conflitos de demarcação de territórios, de confronto com grilheiros.

Eles eram iguais a mim, urbanos, vindos de outras partes do país, eu pensava. O que nos fazia tão diferentes? Aprendi ali, na Cadeia Velha, uma lição importante. A sobrevivência das pessoas, em situação de conflito, depende de respostas imediatas, urgentes, das pessoas que estão ali naquele momento e não de políticas, articulações ou contatos. Essas estratégias são importantes, mas não adianta nada se aquelas pessoas não conseguirem sobreviver.

Fui visitá-lo na aldeia, pegamos o barco e subimos o Iaco, uns dois dias, quase perto da fronteira com o Peru. Era a primeira vez que eu ia a uma aldeia indígena, a primeira vez que andava por rios distantes, silenciosos e misteriosos. A primeira vez que saía de casa sem saber onde, quando, como, iria me alimentar ou dormir.

Eu pensava que íamos apreciar a natureza, conversar, trocar experiências, filosofar. Mas Meirelles passava o dia todo pescando ou caçando e de noite salgando o peixe ou a caça. E eu ali, observando, ajudando um pouco - inútil, novamente, na medida em que não sabia caçar, pescar ou cozinhar. Entendi tudo quando chegamos de volta na aldeia. Quando Meirelles distribuiu o que caçou e pescou e ficou com uma parte, entendi tudo. Passaria pela cabeça de alguém, naquela sociedade, sair para o alto rio, por três ou quatro dias, e voltar sem comida para trocar?

Mary Allegretti é antropóloga. Clique aqui para conhecer o blog dela.

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